Pandemia e planos de saúde no Folha no Ar desta 4ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

A partir das 7h da manhã desta quarta (15), o convidado do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, é Leonardo Ferraz, médico cardiologista e presidente da Unimed-Campos. Ele falará sobre a pandemia da Covid-19 no município com o surgimento da nova variante Ômicron. Ele analisará também a situação dos planos de saúde no Brasil sendo alvos de grandes grupos, alguns internacionais, e da grave crise econômica do país.

Por fim, Leonardo falará sobre as perspectivas da Unimed com a expansão em torno do Porto do Açu. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quarta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

OAB-Campos, Wladimir e 2022 no Folha no Ar desta 3ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

A partir das 7h da manhã desta terça (14), os convidados do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, são os advogados Filipe Estefan e Carlos Alexandre de Azevedo Campos, respectivamente, presidente e vice eleitos da OAB-Campos. Eles falarão da eleição em novembro e das duas propostas para a nova gestão da OAB na comarca. Também falarão da aprovação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF) e dos conflitos de Poderes do Judiciário com o Executivo e o Legislativo.

Por fim, Filipe e Carlos Alexandre analisarão o primeiro ano do governo Wladimir Garotinho (PSD) em Campos, e tentarão projetar as urnas estaduais e federais de 2022. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta terça pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Bolsonaro: inimigo nº1 da liberdade de imprensa

 

Fotógrafo Dida Sampaio, do Estadão, agredido por bolsonaristas em manifestação de apoio ao presidente em Brasília (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

 

Ricardo Noblat, jornalista

Bolsonaro, o inimigo número um da liberdade de imprensa no Brasil

Por Ricardo Noblat

 

Direto ao ponto: embora parte da imprensa não reconheça por medo, cumplicidade ou em troca de favores milionários, o presidente Jair Bolsonaro é hoje seu maior inimigo. Quer dizer: o maior inimigo da liberdade de imprensa no Brasil.

No final de outubro, em Roma, para o encontro dos chefes de Estado das 20 maiores economias, agentes de segurança de Bolsonaro agrediram jornalistas e ele disse depois nada ter a ver com isso. Pior: negou ter presenciado o que aconteceu à sua frente.

 

 

Desta vez não tem como negar porque há filmes. Uma equipe da TV Bahia, afiliada da TV Globo, foi agredida, ontem (12), por seguranças e apoiadores de Bolsonaro durante a visita que ele fez às cidades atingidas pelos temporais no extremo sul da Bahia.

A repórter Camila Marinho foi agarrada pelo pescoço por um segurança, como num golpe de “mata-leão”. Outro tentou impedir que os jornalistas apontassem os microfones em direção a Bolsonaro. Ao ser tocado pelos microfones, o segurança ameaçou:

— Se bater de novo vou enfiar a mão na tua cara. Não bata em mim.

Bolsonaro limitou-se a afagar o ombro do segurança agressor na esperança de acalmá-lo. Na hora, não o repreendeu com a severidade merecida. Em seguida deu às costas para os jornalistas quando um deles foi atacado por um dos seus apoiadores.

 

 

A campanha eleitoral de 2022 sequer começou oficialmente e as coisas já estão assim por culpa exclusiva do presidente da República que não cansa de mandar os jornalistas calarem a boca, e que já ameaçou “encher de porrada” a boca de um deles.

 

 

Bolsonaro quer uma imprensa subserviente que só lhe pergunte o que ele aprecia responder. Uma fatia da imprensa brasileira comporta-se ao seu gosto, mas a maior parte dela, não. O que ele deseja é o que todos os que o antecederam no cargo desejaram.

Mas há uma escandalosa diferença: desde a redemocratização do país em 1985, somente Bolsonaro expressou sua fúria contra os jornalistas e as empresas que os empregam. Somente ele estimulou a violência contra os que se restringem a cumprir seu papel.

Presidentes em apuros tentam confundir-se com o Estado na esperança de ser poupados de críticas. De fato, sua honra é distinta da honra nacional. Eles passam, o país fica. E muitos acabam sendo reduzidos pela História a simples notas de pé de página.

Não será o caso de Bolsonaro. Nunca um presidente eleito diretamente pelo povo fez tanto mal ao Brasil como ele – e isso deve ser estudado em profundidade para que jamais se repita. Acertos não ensinam. Infelizmente, só aprende-se errando.

 

Publicado no Metrópoles.

 

As lacunas e as contradições de Sergio Moro

 

Moro e Bolsonaro (Foto: Carolina Antunes/PR)

 

Miriam Leitão, jornalista

As contradições e as lacunas de Moro

Por Miram Leitão

 

A senadora Simone Tebet, pré-candidata do MDB à presidência, disse que o investidor não precisa ter dúvidas sobre o posicionamento dela na economia e acrescentou: “Minha história fala por mim”. Esse é o problema com o candidato Sergio Moro, do Podemos, ele não tem história em alguns temas decisivos do país. Em outros, acumula controvérsias. No mercado financeiro já se ouve o farfalhar dos apoios incondicionais à pessoa sem conteúdo definido, como houve em 2018. O autoengano recomeçou.

O problema em torno de Sergio Moro é o quase nada que se sabe sobre suas ideias em várias áreas. Nos 16 meses que ficou no ministério da Justiça, Moro barrou demarcações de terras indígenas, mandou o fracassado pacote anticrime para o Congresso, embutindo nele o excludente de ilicitude, apoiou indiretamente um motim de policiais no Ceará e abonou os sinais de desvios éticos no governo Bolsonaro, quando começaram a surgir.

Para contextualizar os ditos no parágrafo anterior. Havia 17 processos de demarcação de terras indígenas prontos para serem assinados pelo ministro da Justiça. Moro devolveu tudo para a Funai e nunca demonstrou ter qualquer interesse pelo tema indígena. O apoio ao excludente de ilicitude é agressão ao Direito. Ninguém que aposte no devido processo legal pode achar natural essa licença para matar que é bandeira de Jair Bolsonaro.

Na questão da corrupção, que o levou a ser conhecido no país, Moro disse que tinha “confiança pessoal” em Onyx Lorenzoni, quando se descobriu o caixa dois do então coordenador da transição do governo Bolsonaro. Em 9 de janeiro de 2019, diante do relatório do Coaf mostrando as movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, ele disse que o presidente já havia esclarecido o caso do ex-assessor do filho. Até hoje o caso permanece não esclarecido.

Houve um evento assustador na sua gestão no ministério. Greve de policial é proibida, porque é motim de pessoas armadas. E que foram armadas pela sociedade com o fim exclusivo de protegê-la. Policiais militares se amotinaram no Ceará, desafiando o governador Camilo Santana e levando medo à população. Moro enviou o coronel Aginaldo Oliveira para resolver o conflito. Lá, o coronel definiu os amotinados como corajosos e gigantes. “É muita coragem fazer o que vocês estão fazendo. Os covardes nunca tentam, os fracos ficam pelo meio do caminho.” Imagine o perigo se todas as PMs do Brasil seguissem a orientação do enviado do ministério da Justiça ao Ceará. Moro foi padrinho do casamento de Aginaldo com a deputada Carla Zambelli e nunca o repreendeu por essa atitude temerária.

Esses são os fatos. Moro não pode ser idealizado. Ele precisa, na campanha, definir suas ideias e propostas. Ter escolhido como conselheiro um bom economista como Affonso Celso Pastore é bom, mas está longe de ser suficiente. Ele, em muitas áreas, é uma página em branco e precisa preenchê-la. Para o bem ou para o mal, os outros candidatos são pessoas com ideias conhecidas.

O ex-presidente Lula está na vida política do país há mais 40 anos e governou o Brasil por dois mandatos. Bolsonaro teve longa vida parlamentar, na qual defendeu atentados à liberdade e aos direitos humanos. Esse tétrico prontuário foi desconsiderado por muitas cabeças pensantes do país. Deu no que deu. O governador João Doria tem um histórico que não é longo, mas testado na administração da maior cidade e do maior estado do país. Ciro Gomes foi prefeito, governador e ministro. A senadora Simone Tebet foi deputada estadual, prefeita, vice-governadora e, no Senado, presidiu a comissão de Constituição e Justiça. Todos podem dizer “minha história fala por mim”. Moro teve curta experiência administrativa e deixou lacunas e contradições.

Há muitos temas que precisarão de respostas em 2022 e não apenas a economia. O ataque de Bolsonaro à democracia exige uma defesa intransigente do pacto democrático de 1988. As ofensas aos negros, as ameaças aos indígenas, o desprezo às mulheres, o preconceito contra a comunidade LGBTQ no governo Bolsonaro aumentaram a urgência da questão da diversidade. É mais do que um debate sobre minorias, é trincheira de defesa da civilização. Os atentados à Amazônia tornaram emergencial um amplo plano de proteção do meio ambiente. A ambiguidade não será aceitável em 2022. O país vive momento dramático e decisivo.

 

Publicado em O Globo.

 

Maldição da polarização entre mitos de Lula e Bolsonaro

 

Com Arnaldo Neto, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel

 

Jair Bolsonaro (PL) faz “o pior governo da história brasileira”. Mas “não houve um complô” para elegê-lo em 2018, quando Lula (PT) foi preso por corrupção. E saiu para recuperar seus direitos políticos sem “um atestado de inocência”. As afirmações foram feitas na manhã de ontem ao Folha no Ar, na Folha FM 98,3, pelo historiador Alberto Aggio, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e especialista em História da América Latina. A aparente contradição na visão crítica sobre os dois nomes que lideram todas as pesquisas presidenciais de 2022 se dá em oposição àquilo que o historiador definiu como maior “maldição” da democracia no país: a polarização política, o “nós contra eles”.

Candidatos a tentar furar essa bipolaridade em outubro, João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (Podemos) também receberam críticas por suas respectivas “maldições”. Ainda que Aggio as tenha feito após ressaltar: Doria e Moro não são iguais a Bolsonaro. Ele também questionou as “cabeças de paralelepípedo” da esquerda brasileira que, integradas à democracia sem abandonar o “paradigma da revolução”, ainda relativizam ditaduras latino-americanas como Cuba, Venezuela e Nicarágua. Usou exemplos do Chile, disse não acreditar que Lula vença no Brasil em primeiro turno, lembrou que Bolsonaro aprovou o Auxílio Brasil e, citando também a presidenciável Simone Tebet (MDB), pontuou que “Moro é a novidade na conjuntura”.

 

Alberto Aggio, historiador, professor da Universidade Estadual de São Paulo e especialista em História da América Latina (Foto: Divulgação)

 

 

“Governo Bolsonaro como um dos piores governos da nossa história” – Desde que venceu as eleições e assumiu o governo, a expectativa em relação ao Bolsonaro não era das melhores. Numa entrevista já em 2019, no início do governo, eu lembrava o general (Eurico Gaspar) Dutra, logo depois do Estado Novo (1937/1945), que considerado por muitos estudiosos da história contemporânea brasileira como o pior presidente até então. Era a época da Guerra Fria (1947/1991), logo depois da II Guerra (1939/1945). Mas o general Dutra, efetivamente, não conseguiu colocar nada de grande expectativa. Logo depois, na eleição seguinte, o Getúlio Vargas é eleito. Então, no início do governo Bolsonaro, eu criei a hipótese de que talvez o Bolsonaro ultrapassasse o Dutra. O governo Bolsonaro seria marcado como um dos piores governos da nossa história republicana. E acho que, infelizmente, acertei, porque do governo Bolsonaro há mais coisas ruins para a sociedade e dificuldades cada vez maiores. Em termos sintéticos, é um governo que tinha um discurso, uma retórica de mudanças liberais na economia, na relação Estado e sociedade, e nenhuma dessas propostas vingou. O que foi aprovado no governo Bolsonaro era aquilo que já vinha sendo discutido, especialmente no Congresso, como a reforma da Previdência, por exemplo.

Ameaça de golpe e “desastre” na pandemia – A tentativa do Bolsonaro foi retroagir. Mais do que retroagir, foi destruir instituições que vinham sendo construídas na sociedade brasileira, no Estado brasileiro, desde o momento da redemocratização (1985). O começo do governo foi tenso, cheio de ameaças. Ficou-se até imaginando se os militares iam aderir ao perigo de um golpe. Quer dizer, coisa que nós já tínhamos ultrapassado há algum tempo. Nos governos do Fernando Henrique, do Lula, não se imaginava poder ter um golpe no Brasil novamente. Então, essas ameaças foram muito ruins, de desagregação do país. Imagina a ameaça de um golpe, voltar aos tempos da ditadura (1964/1985). Depois disso, o governo Bolsonaro tenta militarizar integralmente as instituições a partir dos ministérios. E aí vem a pandemia, e aí vem o desastre da gestão do governo Bolsonaro com a pandemia, ceifando mais de 600 mil vidas. Isso não é pouco num país em que a população segue as orientações (de Saúde Pública). O SUS é uma grande marca da Constituição de 1988. Então, o desastre do ponto de vista sanitário é enorme. O ministério da Saúde sequer formou uma força-tarefa para informar à população. Foram necessários grupos de comunicação, que se articularam para informar à população de como é que estavam andando os casos, os hospitais. Então, a mínima noção republicana de informar a população, o ministério da Saúde não fez. E, pior, enveredou para o caminho da cloroquina na gestão Pazuello.

Vacinação veio “de pressão” – Claro que a vacinação avançou. Por conta do governo Bolsonaro? Não, porque veio em termos de pressão. O governador aqui (em São Paulo), João Dória (que passou a produzir a primeira vacina utilizada no Brasil, a Coronavac). Isso fez com que o Governo Federal se mexesse, fosse atrás, comprasse vacina do exterior, e aqui, do Butantan, como deveria ser. Deveria ser de maneira tranquila, com capacidade de gestão. Então, Bolsonaro se colocou contra tudo isso. Nós temos aí um processo eleitoral, mas esse primeiro período, espero que seja o único período do governo Bolsonaro, é muito ruim para o Brasil.

“O pior governo da história brasileira” – Citei só duas coisas: as ameaças à democracia e o desastre em termos de gestão por conta da epidemia. E agora, por fim, a economia. Por fim, entramos numa viela em que é difícil ver a saída, com os juros Selic batendo já nos 10%, com a inflação ultrapassando esses 10%, as dificuldades salariais e de emprego. Nada disso tem mostrado que o país melhorou, muito pelo contrário, ele piorou. Eu acho que vai ganhar do Dutra, é o pior governo da história brasileira.

“A antipolítica não serve de nada” – A eleição do Bolsonaro é, efetivamente, a eleição de um personagem da antipolítica. Ele não é um outsider, mas se fez de outsider. Ele representa a antipolítica, porque ele assumiu um discurso de que tudo aquilo que era político era negativo. Tudo: partidos, Parlamento, lideranças, etc. E, até agora, se vê claramente que era um discurso oportunista, instrumental e negativo. Se a gente for pensar do ponto de vista da democracia, não há democracia sem política, seja qualquer política de convivência, de discussão, de debate e de diferenciação entre os atores políticos. Esse movimento do 7 de setembro, que era o auge da estratégia que eu chamei de movimento, que o Bolsonaro levava no seu governo (de tentativa de golpe). Não chegou ao 7 de setembro como algo que imaginávamos, que os militares iam junto com o Bolsonaro para dar o golpe no dia seguinte. Isso, depois, com a presença do Temer (MDB) para jogar panos quentes na situação, mostrou que aquele discurso lá do Bolsonaro era farsesco. Eu espero que se tire essa lição. A antipolítica não serve de nada. Não serve para coisa alguma na democracia imaginar que algum líder, algum setor apareça fora do espaço da política, da sociedade política, tentando moralizar, tentando sanar os males da política. E não há democracia no mundo que não tenha os seus próprios males. A democracia americana é cheia de problemas; a democracia nos países escandinavos também tem inúmeros problemas. Não há democracia com essa imagem e ilusão da pureza, de que todos os atores são santificados, de que a democracia é um espaço de santos. Essa é uma visão absolutamente equivocada, que ganha força em países com uma cultura política democrática reduzida, como o Brasil, de compreender a democracia. Então, o Bolsonaro vem nesse momento. Ele aciona esses canais da chamada antipolítica.

“A antipolítica não é uma invenção de Bolsonaro” – Veja que essa antipolítica não está só no Bolsonaro, só no Doria, por exemplo, que assumiu aquela coisa de que “eu sou um gestor, eu não sou político”. Quando o PT surgiu, lá no final dos anos 1970, início dos anos 1980, também levava essa ideia de que todos eram corruptos. Eu me lembro da Erundina sendo eleita aqui, na capital de São Paulo, e ela dizia assim: “Todos são iguais”. Aqueles que vinham do regime ditatorial e aqueles que vinham do processo de democratização, todos eram iguais, o PT era o único ator que iria resolver todos os problemas. Então, o discurso da antipolítica não é uma invenção do Bolsonaro. É, até mesmo, uma expectativa que existe na sociedade brasileira, que está entranhada, de que a política não serve para nada, que a política é só um jogo de ladrões. E nós sabemos que não. Nós sabemos que existiram momentos no Brasil bastante virtuosos, como um momento de construção da nossa Constituição de 1988.

“Não houve complô do Judiciário” – Os setores do Estado brasileiro, como o Judiciário, também não são infalíveis. Há erros que se cometem, que se cometeram, e eu queria enfatizar esse último aspecto: não houve nenhum grande complô. Quer dizer, quando o Lula é julgado, quando o Lula é preso, afastado, não há um complô de que tudo isso estava sendo feito para o eleger o Bolsonaro, porque o Bolsonaro não era absolutamente nada nesse contexto. Então, não há um complô. O que há são ações de atores políticos, num determinado contexto de crise, de perda de referências. E alguns atores conseguem se sair bem, porque conseguem se apropriar de certas imagens, de certas demandas da sociedade, e eles dão respostas retóricas para isso, demagógicas, que acabam vencendo. Então, nós vimos claramente que o petismo, o lulismo começa a entrar em declínio na crise do governo Dilma (PT), e é aí que o Bolsonaro vai aparecer. Ninguém acreditava muito nisso. Alguns dizem até que, antes da facada, era uma coisa, e depois da facada, passou a ser outra do ponto de vista da crença da sociedade.

Sem “atestado de inocência do Lula” – Assim como o petismo estava em declínio, agora nós estamos vendo que o retorno da figura do Lula, essa soltura do Lula, que também é polêmica. Acreditar que o Lula saiu da cadeia, garantindo seus direitos políticos, é um atestado de inocência em tudo o que aconteceu isso também, convenhamos, é uma linguagem para aqueles que acreditam no Lula efetivamente. Não dá para imaginar que tudo se resolveu. Não se resolveu do ponto substantivo, da superação dos crimes em que o Lula esteve envolvido. Se resolveu por outras questões processuais, e agora, como se diz na linguagem jurídica, o processo caducou. Não há mais processo em relação ao tríplex do Guarujá, por exemplo. Então, não se trata disso. Existem movimentos na política, atores na política, que vão gerando uma determinada movimentação. Alguns são mais bem-sucedidos, outros, malsucedidos.

“Doria e Moro não são iguais a Bolsonaro” – Não há essa história, digamos, de um complô entre Bolsonaro, Moro, Doria: “Todos eles estão juntos, todos eles são uma coisa só, eles são racistas”. Esse tipo de leitura é um tipo de leitura simplista, um tipo de leitura que eu acho, do meu ponto de vista, que não faz nada bem para a inteligência. É necessário pensar de maneira mais refinada. Dizer, por exemplo, que o Doria é igual ao Bolsonaro; não é! Dizer que o Moro é igual ao Bolsonaro; não é! É a mesma coisa, por exemplo: o Lula se aproximando do Alckmin, aí você vai dizer que eles sempre se deram bem. Não, não se deram.

Lula e Maluf – É só lembrar lá do Lula nos jardins na casa do Paulo Maluf (PP), na época da campanha do Haddad (PT) para prefeito de São Paulo. Todo mundo sabe, naquele momento, o que significava Maluf. Hoje, já não significa mais nada, mas naquele momento significava muita coisa. Paulo Maluf significava a antidemocracia, e o Lula se aliou ao que significava a antidemocracia. Eu vou dizer que tudo isso é um complô do Lula para implantar o comunismo no Brasil? Não sejamos insensatos a ponto de pensarmos esse tipo de coisa. A política prega essas surpresas.

Fracasso econômico de Dilma e Bolsonaro – Eu acho que relativizar o governo Dilma é uma estratégia meramente eleitoral que o PT, especialmente o Lula, tem adotado. Se nós formos olhar as razões pelas quais a inflação chegou onde chegou no período Dilma, eu acho que há um ponto de comparação com Bolsonaro, que são estratégias de política econômica equivocadas. De um lado, se esticou a corda nos campeões nacionais, naquela estratégia de retorno ao desenvolvimentismo, o controle do Estado sobre a economia no período Dilma. De outro lado, essa estratégia do Paulo Guedes, que é uma estratégia, digamos, ortodoxa do ponto de vista liberal, de que o mercado funciona por si mesmo, que não há nada a se fazer. E, ao contrário, se faz. Se faz negativamente: perdeu-se o controle da moeda. Nós, hoje, temos uma moeda ultra desvalorizada do ponto de vista mundial. Isso gera uma inflação direta e inercial, sem nenhum plano de recuperação. Não há, na estratégia do Guedes, qualquer possibilidade de recuperação, ainda mais no tempo de governo que o Bolsonaro tem. Para sair disso, vai demorar um pouco. É muito ruim, muito doloroso.

“Cabeça de paralelepípedo” nas ditaduras de esquerda na América Latina – Cuba é uma ditadura efetivamente, e aí com razões específicas, mais a Venezuela, Nicarágua, etc. Na esquerda, existe um paradigma fundante, que é a ideia de revolução. As pessoas que guardam essa crença, divulgam e vivem por ela, acabam entendendo que são portadoras de uma verdade, quase que como um ato de purificação da humanidade em torno da luta de classes, da eliminação da exploração, da eliminação da opressão. Logo depois que as estratégias insurrecionais de luta armada faliram, essas pessoas dessa esquerda entram na democracia. O problema é elas carregarem esse paradigma para a convivência democrática. E, no interior da democracia, elas imaginam que os outros atores políticos são atores permanentemente nefastos, e elas são atores única e exclusivamente do bem. Então, aí esse modo de pensar é um modo de pensar meio que de uma cabeça de paralelepípedo: não tem possibilidade, não tem maleabilidade, não tem leitura da realidade. O que tem é só ideologia. Então, a pessoa vive uma situação democrática no Brasil em que ela não confia, em que ela efetivamente não acredita. Ela não tem como dizer que líderes políticos de outros países, que comungam a mesma ideologia que ela, devam ser criticadas. Então, por que é que a esquerda aqui no Brasil, que participa de eleições, fala de democracia, fala de cidadania, fala da Constituição, apoia um candidato à presidência como o Ortega, na Nicarágua, que prendeu sete outros opositores para ganhar a eleição? Como é que ela admite uma coisa dessa? Ela só pode admitir porque está na cabeça dela uma cultura que tem como paradigma a ideia de revolução, de que há um lado bom, um lado santificado, que “somos nós, somos aqueles justos honestos, bons e etc”. E o outro lado, seja ele qual for, não é o “nós”, é o “eles”.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Lula, o PT e o paradigma da revolução – Em relação ao PT, a grande liderança é o Lula. Que é capaz de fazer a ligação entre esses setores mais revolucionários com os setores sindicais, com setores religiosos. Então, a religião da revolução também se conecta com a religião da teologia da libertação (católica). É nesse sentido que, numa entrevista ao “Estadão”, eu recuperei essa ideia do paradigma da revolução, para explicar porque esquerdas como a brasileira, ao invés de criticar processos, atores políticos que são claramente tendenciosos ao regime autoritário, a práticas ditatoriais, elas não podem fazer isso, ficam com dificuldade. Nesse sentido, se vê claramente o problema da permanência de uma cultura que não é efetivamente democrática, que é a cultura da revolução, e que é necessário ultrapassar esse paradigma. Eu não estou querendo dizer que todo o PT, todo petista é autoritário, ditatorial. Não, não é. Mas, existem aqueles que dirigem o partido, que comungam dessas ideias, e aqueles que, embora não sejam, porque eu não vejo o Lula dessa maneira. Ele não é como José Dirceu, ele não é como outros dirigentes do PT, o Lula é um camaleão. O Lula é capaz de fazer uma costura do que for, do que tiver para ser. Na verdade, do ponto de vista democrático, o Lula aprisiona o PT, e o PT se sente muito confortável, porque tem uma liderança capaz de articular os diferentes onde cabe esse paradigma revolucionalista.

“Na lógica de Lula, democracia é eleição, ponto” – O Lula é um especialista em participar de eleições, o seu protagonismo. Ele tem uma crença bastante forte e até exitosa. Depois de perder tantas eleições, o Lula foi um grande ganhador de eleições. Então, o Lula tem uma lógica na cabeça, de que a democracia é eleição, ponto. E ele trabalha dentro dessa lógica. Nós sabemos que a democracia não é só as eleições, mas as eleições ocupam um protagonismo muito grande. Então, o Lula identifica a sua liderança, o seu protagonismo com eleições. Foi essa a maneira com que o Lula assimilou o processo de democratização do Brasil.

“Lula só pode estar na cabeça” – Então, por exemplo, o Lula não gosta muito de consensos. O Lula não gosta muito de acordo entre diferentes. Ele é um hegemonista nesse sentido. Ele só pode estar na cabeça, ele não pode compor, a não ser que ele dê a direção, o comando, que ele comande o processo. Ele vê dessa maneira. Em termos de teoria política, o Lula nunca foi uma pessoa orientada para isso, para se definir nesses termos, e o PT também não. O PT é, em parte, socialdemocrata, mas ele não assume essa identidade. Então, por exemplo, o Haddad é um socialdemocrata? Ao que tudo indica, sim, mas ele não pode assumir essa identidade, porque existem outras identidades parciais dentro do PT que se recusam à rotulação de socialdemocrata, ou melhor, até ao programa socialdemocrata.

“O consumo é central, não a democracia” – De onde vem tudo isso? Vem de uma predominância do sindicalismo lulista, petista, que vem lá do ABC, e tem como paradigma a ideia de consumo, de que o consumo é central, não que a democracia é o central. É democrático um líder que dá possibilidades de renda para o trabalhador consumir. Então, tudo o que o Lula fala, a ênfase que o Lula dá, como agora, recentemente, é de que o pobre tem direito a comer camarão. É inegável que o pobre tem direito a comer camarão. Agora, a questão é: como se resolve isso? Qual é a política, qual é a estratégia econômica para o pobre comer camarão? “Ah, o pobre tem direito a andar de avião”. Isso posto, quem vai negar isso? Então, a questão toda é como resolver isso. E o Lula constrói um discurso sempre esperançoso, mas não diz muito bem como é que isso vai ser.

Das vacas gordas às vacas magras? – O governo de Lula, nós sabemos que tinha muitos recursos por causa do êxito das commodities da China, principalmente. Era um dinheiro farto que entrava no país. Em situações de dificuldade, vai ser um problema realizar essa proposta: “O pobre tem direito de comer camarão”. Quer dizer, isso não é não é assim pela eternidade. Na política, a realidade é muito mais móvel, vive cheia de percalços. Então há essa de ideia de: por um lado o paradigma da revolução, por outro, o paradigma do consumo. O paradigma da revolução entra, mas ele não pode ocupar tudo, ele tem que ele tem que azeitar a militância, azeitar a crença. Mas, a revolução diz que você tem que fazer sacrifício agora pra se beneficiar mais à frente. E, não, o benefício tem que ser já. Então, entra essa coisa do sindicalismo. De maneira que o Lula não pode ser socialdemocrata, mas ele pode dizer que apoia certas medidas. Ele não pode ser um revolucionário, mas ele não tem como descartar os revolucionalistas que estão dentro do PT. Ele crê na redenção de massas dos pobres, dos excluídos, e isso é o seu discurso esperançoso permanentemente.

“Rumo foi dado pelo Fernando Henrique” – Determinadas fatias, desde a criação do PT, da Igreja Católica e de outras igrejas, dão sustentação a esse Lula. Então, o Lula é esse tipo de personagem. É um tipo de personagem que carrega com ele tudo isso e vai ter uma liderança num determinado contexto; um contexto em que a economia brasileira tinha que encontrar o seu rumo. Esse rumo foi dado pelo Fernando Henrique, o que é a inserção do Brasil na globalização, determinadas reformas internas. Então, o Lula seguiu até um determinado ponto, depois bloqueou isso daí e se colocou como o antagonista ao que o Fernando Henrique fez.

Herança maldita? – Se o Lula imaginou que a herança fernandista era uma herança maldita, e se ele ganhar as próximas eleições depois do Bolsonaro, aí ele vai ver o que é uma herança maldita. Ou seja, aquilo de o Lula dizer que o PSDB foi uma herança maldita, que o período Cardoso foi uma herança maldita, foi um extraordinário erro político e muito nefasto à história do país nos últimos anos. Então, esse Lula, esse personagem dessa esquerda mais protagonista no Brasil, ele é isso, ele é esse amálgama, ele é esse mosaico que, em determinado momento, predomina uma coisa; em outro momento, predomina outra, indefinidamente.

“Lula aprisiona a esquerda brasileira” – Lula, por um lado resolve o problema do PT e de algumas esquerdas que podem se coligar; agora já estão falando de uma grande federação: o PT, PSB, PV, Psol. Quer dizer, o Lula é uma essa a grande referência e resolve o problema eleitoral de todo mundo, porque você faz a campanha junto com o Lula e recebe voto, elege deputado, elege senador, elege governador e assim por diante. A renovação da esquerda brasileira é muito difícil, especialmente a partir do PT, porque o Lula aprisiona todo mundo. Algum projeto vai avançar? Tudo vai depender de que articulação se fizer com o Lula. E é o Lula, não é uma corrente, não é uma ideia, não é um projeto, não é nada disso. Então, essa é feição peronista do lulismo. Não que o lulismo seja um peronismo, é uma feição que, do ponto de vista político, é muito negativa para que a esquerda brasileira discuta problemas profundos e ajude a educar a sociedade brasileira no contexto dessa discussão.

Aprisionamento ruim à complexidade da democracia – Nós sabemos que a sociedade brasileira é uma sociedade, digamos, que rejeita a política, que não é afeita a fazer essas discussões. Isso é muito negativo. Então, o aprisionamento que o Lula faz ao PT e à esquerda resolve o problema eleitoral, mas posterga, de maneira infeliz, a possibilidade de a sociedade brasileira avançar do ponto de vista da democracia, da cultura política democrática, da ideia de que a democracia não se resolve com medidas simples. A democracia é uma coisa complicada, é complexa, e as pessoas muitas vezes não entendem esse tempo e essa complexidade da democracia, preferem sempre: “Ah, nós queremos alguém que decida, alguém que defina, alguém que resolva”. Isso é negativo para a democracia.

“Maldição da polarização” – A eleição do Chile (segundo turno a presidente, no próximo dia 19) está polarizada. Na verdade, a eleição do Chile tem duas propostas e duas lideranças (os candidatos Gabriel Boric, de centro-esquerda, e José Antonio Kast, de extrema-direita). Se a gente chama o Brasil do antibolsonarismo e do antilulismo como polarização, isso se dá através de que são dois mitos, duas coisas etéreas, duas coisas que se fazem por si mesmo. No Chile, essa polarização não se dá. Alguns setores da esquerda querem chamar o Kast de fascista, “é o fascismo que está voltando”. É um equívoco. Outros setores querem Boric, porque “o Boric vai ser um novo Allende”. É um outro equívoco, não é nada disso. Então, eu não chamaria de polarizada, é uma situação à chilena. Não tem dúvida, aqui no Brasil a gente tem isso. O que nós temos, na verdade, eu chamaria de uma maldição. É a maldição da polarização aqui no Brasil, e essa maldição começa com o “nós contra eles” desde o PT, o surgimento do PT, “vocês são todos iguais, nós somos a redenção, nós somos a salvação”. Depois, vêm os governos do PT e vem a corrupção. E daí emerge esse negócio dos outsiders, contra o sistema, contra o PT, contra a democracia, contra a política, contra tudo. Então, essa maldição está se configurando agora: Lula, Bolsonaro.

“Maldições” de Doria, Ciro e Moro – Os outros possíveis candidatos carregam outras maldições. Se você olhar, por exemplo, para o governador Doria, aqui de São Paulo, só um bolsonarista acredita que o Doria foi negativo. Só um bolsonarista de “a coisa da vacina, a coisa disso e coisa daquilo”. No entanto, o Doria monta uma equipe extraordinária do ponto de vista econômico, social, de inovação. Muitas vezes, as pessoas admitem isso. Mas, parece que o Doria carrega uma maldição que precisa ser explicada. O Ciro Gomes tem outra maldição: a maldição do passado. Parece que ele quer voltar aos tempos do Brizola, do Getúlio, que é aquela coisa de um nacionalismo entranhado, de um nacionalismo quase que visceral. Se você for falar no Moro, o Moro tem a maldição de que foi o juiz que condenou, que não sei o quê.

“Maldição” e “sina” da democracia brasileira – Então, você não discute muito a ideia do sujeito: “Ah, ele foi tal coisa”. Não se discute substantivamente. Então, essa polarização, eu acho que gerou essa maldição de nós não podermos abrir e dizer: “Olha, eu estou mais de acordo com isso, menos de acordo com aquilo e tal. Vamos conversar sobre isso, o que é que será do futuro?”. Então, é assim: quem é contra Lula é taxado de bolsonarista. Quem é contra o Bolsonaro, os bolsonaristas dizem que quer a volta da do roubo, da corrupção. Quer dizer, isso tudo é uma maldição para a democracia brasileira. E a gente vai ter que encontrar ali, talvez, na cultura do futebol, quem tira esse burro enterrado na trave para que a gente possa vencer o jogo. Superar essa maldição, parece que está sendo uma sina da democracia brasileira.

“Governar sem o Centrão é impossível” – Ganhar a eleição sem o Centrão é possível, porque o Centrão é, por natureza, inorgânico e, do ponto de vista eleitoral, muito dispersivo. Ele é muito localista, regionalista. Agora, governar sem o Centrão é impossível. Por quê? Porque o sistema brasileiro permite essa expressão da sociedade que são os políticos que vêm do Centrão. São políticos pragmáticos, não ideológicos, muito distantes da ideia de um programa de governo, muito fisiológicos, patrimonialistas. Quer dizer, todos os males da sociedade brasileira emergem e estão presentes no Centrão, mas não só no Centrão, até nos setores renovadores. Então, aí há uma combinação sinistra entre renovação e conservação.

Fernando Henrique e Lula: “conservação sem renovação” – Um cientista político e sociólogo aí do Rio de Janeiro, Luiz Werneck Vianna, já analisou muito bem essa situação brasileira, que é essa dinâmica entre renovação e conservação. É necessário introduzir um processo no qual a renovação supere a conservação, e isso vai ser através de um processo político longo. Não vai ser uma revolução, vai ser um processo político com muito vagar, muito gradativo. E os atores desta renovação precisam ter muita sabedoria para fazer isso. Em algum momento, por capacidade técnica, científica, e até política, o Fernando Henrique foi capaz de fazer isso. Em outros momentos, Lula foi capaz de fazer isso. Mas, nos dois nós percebemos foram poucos os momentos em que a renovação se sobrepôs à conservação, e não deixaram raízes substanciais na sociedade. Então, eu acho que esse processo é um processo muito difícil na sociedade brasileira. É a nossa sina. Eu não chamaria de maldição no sentido que eu usei, mas é uma sina.

Latifúndio e escravidão – Como disse também o Werneck Vianna, nós nos modernizamos mantendo o latifúndio. O latifúndio se modernizou. Não houve o espraiamento da reforma agrária no Brasil. Isso gerou consequências estruturais muito pesadas para a sociedade brasileira: de segregação, de desigualdade, de apartação das pessoas. E a outra questão é a questão da escravidão. O fim da escravidão foi um processo também sinistro, um processo que não ajudou a integração, a homogeneização da sociedade com a ideia republicana de que todos são iguais, todo mundo tem direitos. A abolição vem junto com a República, e a República carrega os males da escravidão por muito tempo. Então, esses dois pilares foram encontrando soluções diferenciadas. O latifúndio virou uma grande empresa agrária. A integração dos negros tem momentos significativos na nossa história, antes das cotas, tem momentos significativos que fizeram isso avançar. Nós temos que seguir nessa trilha, isso vai renovar a sociedade brasileira. Agora, a política precisa estar sensível a isso.

Lula no primeiro turno? Bolsonaro? – É difícil dizer isso agora. O Lula nunca ganhou no primeiro turno no auge da popularidade. Pode ser que ganhe agora? Eu tenho muitas dúvidas. Eu acho que não, acho que não ganha no primeiro turno. Imagina-se, pelas pesquisas e pela situação, que o Bolsonaro vai decair. É possível, mas ele é o presidente. Ele acaba de conseguir aprovar uma política pública muito favorável a ele, que é o Auxílio Brasil, e isso vai jogar politicamente para ele.

Terceira via? – Acho que o Moro é a novidade na conjuntura. É possível que ele agregue setores, ultrapasse essa situação e chegue a destronar Bolsonaro da segunda posição nas pesquisas, mas a campanha está começando lentamente. Nem mesmo o Lula disse que ele é candidato. E assim por diante. Mas, nós sabemos que essas coisas se se põem dessa maneira mesmo.

Brasil entre momentos plebiscitário e o de “quem eu quero para sair dessa maré?” – Do meu ponto de vista pessoal, a eleição tem um primeiro momento, que é um momento plebiscitário, de avaliação, de dizer “sim” ou “não” ao governo Bolsonaro. O outro momento é: “Quem é que eu quero no futuro para gente sair dessa dessa maré?”, como sempre lembra o Fernando Gabeira. Como sair dessa maré bolsonarista, desse negacionismo, desse governo muito ruim que foi o governo do Bolsonaro? Então, eu tenho a impressão de que, a partir dessa premissa, tudo está aberto, e nem mesmo a liderança nas pesquisas do Lula está garantida. Pode ser que apareça um candidato ou uma candidata, já que a Tebet também se lançou, que consiga gerar uma expectativa agregadora da sociedade, de maneira que, dependendo do resultado, a gente vai ver se nosso futuro é benfazejo ou não. É, no máximo, o que se pode dizer. Uma coisa é certa: nós temos que ultrapassar um governo que foi ruim. Eu acho que esse é o primeiro ponto. O segundo ponto, eu acho que está bem aberto. E eu acho que ninguém pode fazer esse jogo dessa maneira. Tem que, talvez, jogar que nem o Grêmio ontem (na quinta): começou e parecia arrasador. Mas, infelizmente, a coisa não deu (ganhou de 4 a 3 do campeão Atlético Mineiro, mas não evitou o rebaixamento à série B), porque jogou mal o campeonato inteiro.

Lula aqui e Lula lá – O Lula precisa conseguir convencer de que ele é capaz de responder positivamente para nós aqui, brasileiros. Porque ir para a Europa e fazer aqueles discursos que o europeu gosta de ouvir, especialmente a esquerda europeia, isso aí é muito fácil, muito tranquilo. Na hora em que ele foi para uma entrevista mais complicada, com as duas jornalistas (Pepa Bueno e Lucía Abellán) lá do “El Pais”, a coisa começou a ficar difícil. E é mais ou menos o que ele vai enfrentar na campanha. Ele não vai enfrentar aquele Parlamento que vai de pé e bate palma.

Exemplos da França e do Chile ao Brasil de 2022 – A prefeita de Paris (Anne Hidalgo) do Partido Socialista que homenageou o Lula, está na maior dificuldade para se tornar candidata a presidente. Ontem (quinta) mesmo, lançou um apelo a todos os candidatos de esquerda para formar uma frente única, porque senão não vai conseguir tirar a eleição presidencial francesa (em abril de 2022) da disputa entre Macron e a extrema-direita francesa. A política é muito complexa. No Chile, na época do Salvador Allende (presidente de esquerda deposto e morto no golpe militar de 1973), existia um grupo de extrema-direita chamado Patria y Libertad, que fez vários atentados contra o governo. O maior deles foi em junho de 1973: um levante de tanques, morreram mais de 60 pessoas em Santiago. Embora o golpe não tenha dado certo, antes do golpe final de setembro. Tinha um líder do Patria y Libertad que declarou apoio hoje (ontem), ao Gabriel Boric, candidato da esquerda chilena, contra o candidato da direita. Então, a política tem dessas coisas de mudanças profundas, onde as pessoas argumentam e defendem certos pontos de vista que o sistema democrático possibilita que aqueles que convençam a sociedade levem adiante. Quanto mais cultura democrática, pluralismo, audição, debate sincero, mais a democracia pode avançar. Espero que isso aconteça nesse processo eleitoral no Brasil de 2022.

 

Página 3 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Confira, nos três blocos abaixo, a íntegra em vídeo da entrevista do historiador Alberto Aggio ao Folha no Ar de ontem:

 

 

 

 

Pesquisas: Lula líder, Bolsonaro forte e Moro no páreo

 

Lula da Silva, Jair Bolsonaro e Sergio Moro (Montagem: Eçoabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Orlando Thomé Cordeiro, consultor em estratégia política

Como será o amanhã?

Por Orlando Thomé Cordeiro

 

“Como será amanhã?

Responda quem puder

O que irá me acontecer?

O meu destino será

Como Deus quiser”

 

Os versos acima são do samba enredo que a União da Ilha no carnaval de 1978. Sucesso no desfile e eternizado na interpretação de Simone. Toda vez que faço ou leio análises de cenários e tendências essa música me vem à mente.

Nesta semana foram divulgadas novas pesquisas de alguns institutos com dados sobre a avaliação do governo federal, do Congresso Nacional, do STF, além de intenção de votos para 2022.

A primeira informação é a manutenção do desgaste das instituições republicanas que representam os poderes Legislativo e Judiciário. Segundo o PoderData, 38% consideram ruim/péssimo o trabalho do STF enquanto 19% apontam como ótimo/bom. Na série histórica, iniciada em junho de 2020, verifica-se que a avaliação negativa sempre superou largamente a positiva.

No caso do Legislativo Federal, o mesmo instituto nos apresenta os seguintes resultados: o Senado com 45% de ruim/péssimo e 11% de ótimo/bom, e a Câmara com 46% de ruim/péssimo e 12% de ótimo/bom. Nos últimos seis meses apenas em uma ocasião a avaliação negativa ficou abaixo de 40% nas duas Casas.

Por outro lado, chama a atenção o percentual de apoio à participação de militares no governo. Para 41% é “bom para o Brasil” enquanto para 35% é “ruim para o Brasil”, representando uma virada em relação aos resultados apurados em agosto quando os percentuais foram, respectivamente, 32% e 52%.

A combinação dos resultados acima permite algumas reflexões, entre as quais percebermos que ainda é culturalmente muito forte na sociedade a perigosa ideia das FFAA como uma tábua de salvação.

Sobre a avaliação do governo Bolsonaro, além do PoderData, tivemos os resultados da Quaest e do Ideia Big Data. Todas elas apontam para uma reversão na trajetória de queda na aprovação que vinha sendo verificada nos últimos meses, mas não é possível afirmar que seja uma tendência definitiva já que a desaprovação segue alta, em percentuais iguais ou superiores a 50%, sendo que a diferença entre negativo e positivo varia de 26% a 32%.

Por fim, temos os dados relativos às eleições de 2022 indicando uma folgada liderança de Lula, seguido por Bolsonaro e com Sergio Moro se consolidando na terceira posição, a uma distância de 15% em média para o segundo colocado. Revelam também que Ciro e Doria, em que pese toda exposição, não têm conseguido chegar a dois dígitos. E os demais postulantes não ultrapassam 1% de intenção.

Com base nesses cenários, penso ser possível apontar algumas tendências. A primeira constatação relevante é que o Ideia Big Data, a exemplo do que havia sido detectado pelo Instituto Atlas na semana passada, mostra um descolamento entre a aprovação do governo (25%) e da figura do presidente (31%). Ou seja, a preço de hoje, Bolsonaro continua sendo um fortíssimo candidato para chegar ao segundo turno.

Já Lula tem aparecido com percentuais elevados a ponto de algumas análises apontarem para sua possível vitória sem necessidade de segundo turno. Acho essa hipótese improvável. Afinal, mesmo em 2002 e 2006, no auge de sua popularidade, não conseguiu maioria absoluta de votos no primeiro turno. Por outro lado, em todas as eleições desde 1989, à exceção de 1994 e 1998 quando FHC foi eleito no primeiro turno, o PT esteve presente. Assim, é possível afirmar que essa situação se repetirá no próximo ano.

Para muita gente, as cartas desse jogo já estão definidas com a disputa ficando restrita aos atuais dois primeiros colocados. Porém, há uma novidade representada pela entrada de Sergio Moro que, apoiado em uma largada muito forte, briga para ser uma cunha e se colocar como uma alternativa competitiva.

Alguns fatores jogam a favor do ex-juiz. O primeiro, paradoxalmente, é ser uma figura pela qual o mundo político institucional demonstra alta rejeição, pois isso pode ser o gatilho que atraia aquela parcela do eleitorado que se move pelo sentimento antissistema.

Outro dado é a recuperação no imaginário da população da bandeira de combate à corrupção, cujo auge foi durante a Lava Jato. Aliás, as recentes decisões do Judiciário, anulando condenações dela decorrentes, servem como combustível para isso.

Adicionalmente, o comportamento de Bolsonaro durante seu mandato, culminando com sua adesão inconteste ao Centrão, tem gerado uma sensação crescente de frustração entre boa parte dos eleitores que o apoiaram em 2018.

Por isso, ouso afirmar que, se nas pesquisas de março/abril, Moro aparecer com índices próximos de 20%, terá início uma migração a seu favor de parte significativa daquelas pessoas que vêm declarando voto tanto em Bolsonaro quanto em Lula simplesmente pelo desejo de evitar a vitória de um deles. Poderá ser uma onda irresistível que o leve ao segundo turno, mas somente mais adiante saberemos como será o amanhã.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Direita, esquerda e eleição presidencial no Folha no Ar desta 6ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

A partir das 7h da manhã desta sexta (10), quem encerra a semana do Folha no Ar, na Folha FM 98,3, é o historiador Alberto Aggio, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e especialista de História da América Latina. Ele tentará analisar o Brasil de Jair Bolsonaro (PL) em perspectiva histórica. Falará também do apoio a ditaduras por parte da esquerda brasileira e latino-americana.

Por fim, Aggio tentará projetar as eleições presidenciais do Chile, que tem seu segundo turno disputado em 19 de dezembro entre a centro-esquerda e a extrema-direita, a no Brasil em novembro de 2022. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta sexta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

Mendonça no STF — Preconceito é problema de quem o alimenta

 

André Mendonça (Foto: Agência Brasil)

 

Elio Gaspari, jornalista e escritor

A intolerância persegue André Mendonça

Por Elio Gaspari

 

O advogado André Mendonça assumirá sua cadeira no Supremo Tribunal Federal depois de ter comido o pão que Asmodeu amassou. Ele é acompanhado pela pecha de suspeição que Jair Bolsonaro lhe atribuiu ao dizer que escolheria um ministro “terrivelmente evangélico”.

Mendonça é pastor de uma igreja, aceitou o rótulo e foi apoiado pela bancada evangélica, que se mobilizou em sua defesa. O doutor fez carreira no serviço público, foi um correto advogado-geral da União e um medíocre ministro da Justiça. Sua retórica é pedestre e áulica. Já chamou Jair Bolsonaro de “profeta” e foi buscar na frase do astronauta Neil Armstrong ao pisar na Lua a imagem de sua chegada à Corte: “É um passo para o homem e um salto para os evangélicos”. Menos, doutor.

Na caminhada para o Supremo, Mendonça alimentou um tempero teatral em torno da sua fé. Quando isso poderia lhe custar o voto de alguns senadores, passou pela sabatina com respostas de advogado.

Foi um exagero deixá-lo na geladeira por quatro meses. Currículo por currículo, o seu está na média das indicações para o tribunal. Exagero maior tem sido a desvalorização de um servidor por ser evangélico. Quem botou a fé nessa roda foi Bolsonaro. Mesmo assim, é má ideia acompanhar a lógica do capitão.

O Supremo Tribunal já teve bons e falsos católicos. Luiz Fux é judeu, e sua fé nunca se tornou critério para julgá-lo como profissional do Direito. As malfeitorias de alguns pastores tisnam o conjunto dos evangélicos. Felizmente, os malfeitos de alguns padres não produzem o mesmo efeito sobre o catolicismo. No fundo, o que há é intolerância.

Na Suprema Corte dos Estados Unidos, historicamente composta de protestantes, havia um discreto preconceito contra juízes católicos. Eles eram vistos como conservadores, até que brilhou a estrela do católico conservador Antonin Scalia. Ele era tudo isso e também brilhante. Maior foi o preconceito contra os judeus até metade do século passado.

Em 1916, o presidente Woodrow Wilson nomeou para a Suprema Corte o judeu Louis Brandeis. Ele era um ativista e foi um dos grandes juízes do tribunal. Seu colega James McReynolds, um americanão de vitrine da época, recusava-se a dirigir a palavra ao colega e a posar para uma fotografia da Corte porque ficaria a seu lado. Ele dizia que os judeus eram como as pulgas dos cachorros. Esses preconceitos nunca andam sozinhos. McReynolds deu as costas numa sessão em que falava um advogado negro. Solteirão, também se recusava a ouvir sustentações de mulheres. Passou o tempo, e ele é considerado um dos piores juízes que estiveram na Suprema Corte.

A teatralidade recente de André Mendonça alimenta o preconceito contra os evangélicos. Sem ela, seu colega Kassio Nunes Marques é tratado com mais tolerância, porque é um mestre do silêncio. Ganha um fim de semana às margens do Rio Jordão quem souber o que é um juiz “terrivelmente evangélico”. Seria um magistrado que reza pela cartilha conservadora? Nesse caso, seria alguém parecido com Scalia, que era católico. McReynolds pertencia à denominação protestante dos DiscípAndrulos de Cristo.

A fé de um juiz não quer dizer nada. O preconceito contra judeus, católicos e evangélicos, negros e mulheres é um problema de quem o alimenta.

 

Publicado hoje em O Globo.