Feijoada da Folha — Um outro olhar: elites sob análise

 

(Foto: Vilson Correia)

 

“A Feijoada da Folha é um dos eventos sociais mais relevantes e tradicionais do calendário da cidade. Organizado pelo Grupo Folha, grupo privado de comunicação igualmente tradicional dotado de proeminência regional, o evento produz um fenômeno raro: agrupa um rol plural de pessoas que podemos designar de elites”, definiu o cientista político George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos. Que foi adiante:

— Sem rodeios, compreendo as elites simplesmente como uma parcela quantitativamente minoritária da sociedade que tem acesso acima da média a recursos e/ou talentos. Portanto, elites são minorias. Na esfera dos talentos podemos sem muito esforço identificar nas artes, esportes, ciências e em outras tantas atividades indivíduos que se destacam, nos assombram com sua capacidade e, em menor número ainda, quase se tornam sinônimo da atividade em si. Da Vinci, Muhammad Ali, Vinicius de Moraes, a lista é diversa e extensa. As dinâmicas interativas dos círculos de elite são plásticas. Permitem tanto jogos cooperativos, contra um inimigo comum, quanto também permitem alta competição e antagonismo. Elites detém recursos em maior monta que a maioria da sociedade, mas estes não são infinitos — advertiu o cientista político.

— A ideia da Feijoada é o convívio. Classe política, empresarial, intelectual, representantes das instituições da cidade, profissionais liberais. Gente do Brasil oficial. A definição é do nosso maior escritor, Machado de Assis: há dois “brasis”, o oficial e o real. O primeiro é o das relações de poder e das elites, essas de vários matizes. O segundo, a realidade dos seus instintos, verdadeira, criativa e dona de uma alegria sofredora — contrastou o jornalista Edmundo Siqueira. E seguiu:

— A “Campos real” não estava na Feijoada, salvo algumas exceções que confirmam a imagem tida da festa. Faço parte do Brasil oficial, não negarei, me vejo refletido nesses espelhos, mesmo algumas imagens ficando invertidas. Mas ainda refletidas, excessivamente refletidas — projetou Edmundo.

— Não uso o termo elites num sentido negativo, nem positivo, apenas como categoria descritiva. Em geral, o conceito de elites vem acompanhado de uma forte carga moral que identifica no elitismo a responsabilidade e a explicação pelos problemas sociais. Seríamos desiguais e excludentes, por que as elites, intencionalmente, assim conduzem os processos sociais, econômicos, políticos e culturais. As elites seriam do mal e o povão do bem. O grande problema é que essa visão confunde elite com classe social — ponderou o sociólogo Roberto Dutra, professor da Uenf. Ele foi além:

— Elites são os empresários na economia, os políticos na política, os cientistas na ciência, os diretores e atores no cinema, os jornalistas na comunicação de massas. Trata-se, portanto, de posições de liderança que programam decisões e controlam o emprego de recursos específicos como capital, poder, conhecimento científico, opinião pública em determinadas organizações. Num contexto de grande desigualdade como o nosso, é de se esperar que as diferentes posições de elite sejam controladas pelas classes que monopolizam recursos e oportunidades. Mas basta um olhar rápido para constatar que a vida social é mais complexa — complementou o sociólogo.

— Sem a pretensão de cunhar um conceito único para o evento 31ª Feijoada Folha 2024, imagino que poderia se caracterizar como um encontro político/social de importantes lideranças no âmbito da gestão pública; da governança institucional não governamental; do setor privado e da academia, circunscritos no território Norte e Noroeste Fluminense — enumerou o economista Alcimar das Chagas Ribeiro, professor da Uenf. Ele seguiu:

— O capital político e econômico envolvido na Feijoada, em contraste com realidade do território, pode se caracterizar como instrumento norteador de ações articuladas ao desenvolvimento econômico. É evidente a complexidade para se chegar à eficácia da ação política. Entretanto, as sociedades que melhor conseguem articular o seu funcionamento são aquelas em que é possível criar consensos à ação política. O que realça a necessidade de maior compromisso das lideranças com questões estruturais que nos empurrem a uma condição mais exitosa em termos econômicos e consequente melhoria de vida dos cidadãos — ampliou o economista.

— A sociedade é dividida em grupos, onde encontramos interesses e projetos distintos. Nas ocasiões privadas de celebração em Campos, nem sempre a seleção dos convidados abre espaço para perfis muito diferentes ou divergentes se encontrarem e interagirem. Já a Feijoada, dentre as ocasiões de celebração dotadas de natureza privada, tem um caráter um tanto subversivo por justamente não respeitar limites sociais rigidamente estabelecidos entre os grupos. Uma leitura atenta da listagem de convidados evidencia na classe política tanto direita quanto esquerda. No âmbito do empresariado, desde o perfil rentista, curto-prazista, até o obstinado empresário que tem com seu negócio a relação de um monge asceta com seu mosteiro — comparou George.

— Calo-me com mais uma tulipa de chope, vindo de barris cheios, dispostos em Kombis estilosas estacionadas a poucos passos de nós. Enquanto o sol se punha, tingindo de dourado o cenário, o clima de festa ia dando lugar a uma melancolia suave, potencializada pelo rio Paraíba, esse sendo um espelho líquido, que acolhia com reverência os últimos raios solares. Campos precisa se olhar no espelho. Principalmente a Campos oficial. A Feijoada da Folha, tradicional e sempre impecável, é o melhor momento do ano para isso — finalizou Edmundo.

 

Contracapa do do caderno especial “Feijoada da Folha — Um outro olhar”, publicado hoje na Folha da Manhã (edição: Aluysio Abreu Barbosa/diagramação: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

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