Edmundo Siqueira — Pablo Marçal: o Jeca Tatu de terno slim

 

Pablo Marçal e Jeca Tatu, perosnagem de Monteiro Lobato imortalizado no cinema brasileiro por Amácio Mazzaropi (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Edmundo Siqueira, jornalista e servidor federal

Pablo Marçal: o Jeca Tatu de terno slim

Por Edmundo Siqueira

 

Não é difícil decifrar o código de Pablo Marçal, principalmente vendo as dezenas de entrevistas que tem dado. Ele é alguém que domina as redes sociais, e que entendeu o mindset desta quadra da história, onde vídeos de 30 ou 90 segundos são produtos de comunicação de massa. Portanto, os cortes são mais importantes que o conteúdo. Lacrar é o que vale.

“Código”, “mindset”, “cortes” e “lacrar”. Peço desculpas ao leitor, mas é proposital inserir estrangeirismos e expressões fáceis. Esse é o terreno onde as narrativas (palavra proposital, de novo) de Marçal são férteis. Ele pode ser caricato, com direito a sotaque caipira e aura de coach charlatão. Mas é inegável: ele tem dominado não apenas as entrevistas, desconcertando jornalistas experientes, mas também o debate público do país.

Marçal entra na política com a pose de quem decifrou o segredo do universo. De terno slim, olhar focado e discurso motivacional, acredita que São Paulo — cidade que ele diz ser o espelho do Brasil — pode ser domada como uma reunião de negócios. Moderno, um homem versão 4.0, que acha que a política pública é uma planilha de Excel. Basta incluir alguns números, uma centena de metas e objetivos, e pronto. O gráfico final será “abençoado” com um crescimento vertiginoso.

Mas o que ele parece negar com a cortina de exagero que usa, é que sua alma carrega algo mais ancestral, um resquício perdido do Brasil profundo. Sim, Pablo é o Jeca Tatu da era digital.

Antes que me acusem do mesmo, de exagero, repare bem: o Jeca não era burro, muito pelo contrário. Sua ignorância era estratégica, um recurso para fugir do desconforto da civilização. E Marçal, com todo seu apetite por clichês de autoajuda, faz o mesmo. Promete o impossível, faz de conta que está em controle absoluto, algo como um Jeca Tatu que trocou o banquinho de madeira pelo assento de couro no Uber Black.

Mas é preciso ir além: Jeca Tatu não queria a cidade grande, ele a temia. E Marçal, com seu discurso de modernidade, não quer a cidade, ele a finge. Finge que entende seus dramas, suas mazelas e seus engarrafamentos. Pensa que tudo se resolve com um vídeo motivacional, com a revolução que só existe na cabeça de quem nunca tomou o metrô na hora do rush. O Jeca de Marçal usa termos como “disrupção” e “empreendedorismo”, mas na verdade, é a pura e velha preguiça de encarar o real.

No fundo, Pablo Marçal é o Jeca que trocou a enxada pelo celular, o calo na mão pela palestra em auditório climatizado. Seu projeto de São Paulo não é urbano, é bucólico. Ele quer um campo verdejante e teleféricos rasgando os céus, onde os problemas desaparecem com um clique e as crises são solucionadas com frases de efeito.

Só que São Paulo não precisa de um Jeca de paletó e gravata, nem de um falso profeta das redes sociais. Precisa de quem a entenda em toda sua complexidade — suas feridas abertas, seus becos sem saída. E até aqui, Marçal continua acreditando que é possível governar essa cidade com a força do pensamento positivo.

 

As pesquisas e a religião

Embora Pablo acredite que as eleições já estão ganhas e que terá eleitores suficientes para vencer no primeiro turno da maior cidade do país, o cenário da última pesquisa Datafolha (divulgada nesta quinta, 5) mostra que não é tão fácil como um vídeo de 30 segundos.

Guilherme Boulos (PSOL), aparece com 23% (eram 23%), Ricardo Nunes (MDB), com 22% (eram 19%), Pablo Marçal (PRTB) apresentou 22% (eram 21%) e Tabata Amaral (PSB), 9% (eram 8%).

No segundo turno, Marçal perde em todos os cenários testados pelo Datafolha, explicado em grande parte pelos números de rejeição: 38%, 4 pontos percentuais a mais que na última pesquisa, liderando a rejeição.

O Jeca Tatu Digital se preparou para essa jornada, e com visual e retórica ajustados e milimetricamente pensados, consegue visibilidade. “A moleza tinha desaparecido e ele passava o dia inteiro trabalhando. Não exagerava mais na bebida. Ninguém mais o reconhecia, trabalhava tanto que até preocupava as pessoas. Ele, a mulher e os filhos andavam agora calçados”, escreveu Monteiro Lobato, no livro Urupês, na criação do alter ego rejeitado de Marçal.

Além do sotaque de paulista do interior, Marçal apela à religião. Diz constantemente que irá “abençoar” as favelas, e coloca “Deus” em diversas frases. Evangélico, Marçal comunica como poucos a ideia de prosperidade que igrejas neopentecostais protestantes utilizam desde os anos 1930. Com esse perfil, facilmente atrairia eleitores. Porém, a soberba o fez tropeçar com o público religioso.

“O Salomão tinha jato? Salomão já acalmou piloto de helicóptero? Salomão escreveu três livros, eu escrevi 45. Eu tenho só uma mulher, Salomão tinha mil e não encontrou a paixão da vida dele. Salomão não tem 2,4 bilhões de marcações no TikTok”, disse Marçal em um vídeo, viralizado recentemente. O ex-coach ainda chama o rei de Israel de “neném”.

Ironicamente, o próprio Salomão ensina que a soberba precede a ruína. Talvez o fato de ser muito conhecido ajude Marçal, e há chances de ele ganhar as eleições em São Paulo, e com isso se cacifar como um sério candidato da direita para 2026. Embora Bolsonaro e Tarcísio de Freitas apoiem Ricardo Nunes à reeleição, uma vitória de Marçal certamente mudaria o jogo e a única opção do bolsonarismo seria mudar o mindset e apoiar cegamente o ex-coach.

Mas aos olhos de hoje, Marçal não vence. E a julgar pelas comparações salomônicas recentes, talvez consiga aumentar sua rejeição a ponto de inviabilizar qualquer chance futura. “Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade”.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Deixe um comentário