Sem favorito entre Kamala e Trump
Com base na análise impessoal das pesquisas, a Folha antecipou a eleição de 11 prefeitos em outubro. No 1º turno, em Campos e outros 9 municípios da região. No 2º turno, na cidade de São Paulo. Em todos eles, alheio à paixão, a objetividade dos números apontava o favorito, confirmado na urna. Através das mesmas pesquisas, não foi possível, por exemplo, antecipar o vencedor a prefeito na disputa voto a voto de municípios como São Francisco de Itabapoana e Quissamã. Como não há favorito nas pesquisas à eleição a presidente dos EUA, realizada ontem, na disputa acirrada entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump.
O número mágico: 270 delegados
Um candidato é eleito presidente do Brasil com o mínimo de 50% mais um voto popular. Um candidato é eleito presidente dos EUA com o mínimo de 270 delegados. O critério da eleição presidencial do Brasil é estabelecido pela Constituição de 1988, sétima em 200 anos entre ditaduras e democracias. O critério da eleição presidencial dos EUA é estabelecido pela Constituição de 1787, única há 237 anos na mesma democracia. Em cada um dos atuais 50 estados dos EUA, quem nele vencer a presidente por apenas 1 voto popular, leva todos os delegados daquele estado. No total de 538 do Colégio Eleitoral do país, vence quem bate 270.
Por 1 voto, todos delegados do estado
Apenas os estados do Maine e Nebraska dividem seus delegados por distrito e pelo todo do estado — como no sistema eleitoral do voto distrital misto da Alemanha. A partir do quantitativo de população de cada estado, o número de delegados varia do mínimo de 3 ao máximo de 54. Quem tem estes é a Califórnia, estado mais populoso e mais rico dos EUA. Não é preciso pesquisa para saber que a maioria do voto popular na Califórnia dará todos os seus 54 delegados a Kamala. Ou que a maioria do voto popular do Texas, segundo estado mais populoso dos EUA, dará todos os seus 40 delegados a Trump.
Estados-pêndulo decidirão
Entre os estados onde a tradição democrata ou republicana foi confirmada fora da margem de erro das pesquisas, Kamala teria 226 delegados, faltando 44 para vencer. Já Trump teria 219 delegados, faltando 51 para vencer. É nos chamados swing-states, estados-pêndulo entre democratas e republicanos a cada eleição, que será definido o(a) presidente. No Sudoeste dos EUA, eles são Arizona (11 delegados) e Nevada (6). No Sudeste, a Geórgia (16) e Carolina do Norte (16). E no Centro-Norte e Nordeste dos EUA, no chamado “Cinturão da Ferrugem”, são Wisconsin (10), Michigan (15) e, sobretudo, a Pensilvânia e seus 19 delegados.
Entre 93 ou 99 delegados?
Ao todo, são 7 estados-pêndulo e 93 delegados. E, em todos, Trump e Kamala estão tecnicamente empatados nas pesquisas. Há ainda outro pêndulo possível: no estado de Iowa (6 delegados), também no Centro-Norte dos EUA e tradicionalmente republicano, uma pesquisa coordenada pela respeitada especialista Ann Seelzer registrou que Trump teria sido ultrapassado por Kamala na reta final da campanha. Nesta consulta aos 47 do 2º tempo, a diferença de 3 pontos a favor da democrata é muito pequena para cravar a virada. Mas uma pulga passou a morder atrás da orelha na anterior certeza republicana em Iowa.
Particularidades pró-Trump
Central na campanha presidencial dos EUA, como é hoje na Europa, a questão da imigração ilegal pode influenciar favoravelmente a Trump nos estados-pêndulo de Nevada e do Arizona, ambos próximos ao México. Como a tradição republicana é maior nos pendulares Carolina do Norte e Geórgia. Embora Joe Biden tenha vencido neste estado em 2020, que tem considerável população negra, o próprio ex-presidente democrata Barack Obama buscou se esforçar na campanha de Kamala para superar uma inesperada resistência. De homens negros em votar na vice de um governo em que identificam perda de poder de compra com a inflação.
O “Cinturão da Ferrugem”
Até a eleição de Trump em 2016, mesmo atrás da democrata Hillary Clinton por quase 3 milhões de votos populares, os estados de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia eram democratas. Foi a decadência das suas indústrias, daí o “Cinturão da Ferrugem”, com a globalização dos anos 1990 no governo Bill Clinton, que os fez pendular eleitoralmente. A entrada de produtos estrangeiros mais baratos caçou vagas de trabalho nos EUA. A filhos e netos desempregados de pais e avôs operários, o slogan trumpista “Make America Great Again” (“Faça a América Grande de Novo”), falso ou verdadeiro, passou a fazer sentido.
2016/2020/2024?
Após pendularem a Trump em 2016 e a Biden em 2020, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia devem decidir o pleito sem favoritos de 2024. Não por acaso, Kamala fez seu último comício na cidade de Filadélfia, onde foi assinada a Constituição dos EUA no séc. 18 e, ainda hoje, a mais populosa da Pensilvânia. Por sua vez, Trump deixou seu último comício para a cidade de Grand Rapids, 2ª maior do estado de Michigan. No mesmo momento, à meia-noite de terça (5), eram abertos e apurados os primeiros votos a presidente dos EUA. Foram apenas 6, na pequena comunidade de Dixville Notch, no estado de New Hampshire: 3 para Kamala, 3 para Trump.
Mais do mesmo ou pega pra capar?
Dos EUA ao mundo, dois principais aspectos: o econômico e o militar. Se Kamala for eleita, a tendência é mais do mesmo — para o bem e o mal. Se for Trump, o protecionismo que levantará contra a China tende a elevar o dólar, a inflação e a taxa de juros em cadeia. Deixará Benjamin Netanyahu, no comando de Israel, ainda mais livre no Oriente Médio. E retirará todo o apoio da Ucrânia, deixando Alemanha, Reino Unido e França se virarem na Europa com a Rússia de Vladimir Putin. Que ameaça com seu arsenal nuclear enquanto sonha com o império czarista e soviético. É o “Sdelayem Rossiyu Snova Velikoy” (“Faça a Rússia Grande de Novo”).
Kamala ou Trump? A História!
No Brasil, Lula errou ao manifestar torcida a Kamala. Como Bolsonaro ao quebrar a cara com Trump em 2020. Se Kamala vencer, será histórico: a 1ª mulher, 1ª negra, 1ª de origem asiática e caribenha a ser eleita presidente dos EUA. Para alçar o identitarismo ao maior poder do mundo. E retomar o direito universal ao aborto no país que traz “In God We Trust” (“Em Deus Confiamos”) na nota do dólar. Se Trump vencer, será histórico: o 1º presidente eleito e derrotado na tentativa de reeleição a voltar ao poder nos EUA. Com uma lista de vingança no bolso, incluindo Pentágono e Judiciário. Para retomar a História pela extrema-direita. A ver.
Publicado hoje na Folha da Manhã.