Juíza de Campos sofre ataque racista de advogado

 

Fórum de Campos, batizado com o nome da falecida juíza Maria Tereza Gusmão Andrade

 

Com Júlia Alves e Ingrid Silva

 

Advogado José Francisco Barbosa Abud (Foto: Site do OAB)

“Ainda que em breve observação a Magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites”. Foi assim que o advogado José Francisco Barbosa Abud (OAB/RJ 225313) apresentou petição (confira sua íntegra aqui, no site jurídico Migalhas) à juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins, titular da 3ª Vara Cível de Campos.

O caso de claro teor racista ganhou a mídia nacional hoje (20), a partir da manifestação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), firme (confira aqui) em defesa da magistrada:

 

Nota oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ)

 

TJ-RJ

 

— O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro repudia as manifestações racistas direcionadas à magistrada Helenice Rangel, titular da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes. As declarações proferidas pelo advogado José Francisco Abud são incompatíveis com o respeito exigido nas relações institucionais e configuram evidente violação aos princípios éticos e legais que regem a atividade jurídica — pronunciou-se hoje o TJ-RJ em nota oficial.

— Tal comportamento, além de atingir diretamente a honra pessoal e profissional da magistrada, representa uma grave afronta à dignidade humana e ao exercício democrático da função jurisdicional. O Tribunal se solidariza com a juíza Helenice Rangel e informa que encaminhou o caso ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), para apuração rigorosa das responsabilidades nas esferas criminal e disciplinar — seguiu sua manifestação o TJ fluminense.

— Reitera-se o compromisso permanente contra qualquer forma de discriminação ou preconceito, sobretudo o racismo, prática criminosa que deve ser amplamente repudiada e combatida por toda a sociedade — concluiu sua nota o TJ-RJ.

 

Nota oficial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Campos

 

OAB Campos

 

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Campos também se posicionou em nota oficial (confira aqui) sobre o caso:

— Em virtude do evento ocorrido na 3ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes, a 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil manifesta repúdio aos atos praticados. As condutas racistas, machistas e quaisquer outras formas de violência são contrárias aos valores da profissão, devendo ser tratadas com máximo rigor. Não podemos admitir tamanho retrocesso em nosso tempo — advertiu a nota da OAB goitacá.

— Reafirmamos o compromisso desta Casa no enfrentamento a todas as formas de discriminação, com princípios da Advocacia e o respeito ao Estado Democrático de Direito. O Processo ético e disciplinar já está instaurado e é sigiloso. A 12ª Subseção da OAB/RJ presta solidariedade à Douta Magistrada e a todas as pessoas atingidas por este ato inaceitável — concluiu a nota da OAB-Campos.

 

Referência a empresa de Elon Musk e ao “Anjo da Morte” nazista

 

Com sua empresa Nerurolink citada por advogado de Campos em petição de cunho racista contra juíza, Elon Musk imita a saudação nazista na posse de Donald Trump como presidente dos EUA, em 21 de janeiro

 

Em outro trecho da sua petição à juíza de Campos Helenice Martins, o advogado fez mais ataques de claro cunho racista. Quando falou de “decisões prevaricadoras proferidas por bonecas admoestadas das filhas das Sinhás das casas de engenho”.

Em outro trecho, o causídico também pediu que a magistrada “indefira pedido em Decisum infundado em desfavor a legislação incontestável supramencionada, amparada para seu julgamento pessoalmente subjetivo em déspota infiltrado por facção criminosa denominada PCC no Supremo Tribunal Federal (stf); indivíduo que servirá apenas como uma cobaia da Empresa NEURALINK como nos experimentos do Sr. Josef Mengele”.

Além de ecoar fake news e teorias da conspiração da internet geralmente associadas às bolhas políticas da extrema direita, a referência do advogado foi à Neuralink, empresa neurotecnológica que cria interfaces cérebro-computador (ICs) implantáveis. E pertence ao empresário sul-africano Elon Musk, atual chefe do departamento de “Eficiência Governamental” do governo Donald Trump nos EUA.

Josef Mengele, o “Anjo da Morte” do campo de concentração nazista de Auschwitz na II Guerra, morreria no Brasil, em 1979

Já a referência a (Joseph) Mengele é ao médico nazista conhecido como “Anjo da Morte”. Por sua atuação e experiências genéticas desumanas com os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada pela Alemanha nazista de Adolf Hitler durante a II Guerra Mundial (1939/1945). Após fugir da Europa, Mengele veio incógnito para a América do Sul. Onde morreria em 1979 impune por seus crimes contra a humanidade, afogado na praia de Bertioga, no litoral de São Paulo.

Além de suas referências internacionais, o advogado também usou sua petição para atacar um(a) servidor(a) de gabinete da magistrada, em outro trecho de cunho racial e até de aparente bestialização (perder a natureza humana para animalizar-se):

— Com sério agravante de agir coagidamente e sob forte influência de subordinado(a) servidor de Gabinete de mesmo endereçamento continental e de similares, destoando da Excelentíssima em tendências reprimidas provavelmente resultante (causa e efeito) de uma infância devassada por parentes próximos que perpetuam abusos mais do que comuns a primatas ou primitivos, nada estranho a nossa natureza perversa e indiferente; aqui fica uma “pintura” de que “ainda somos os mesmos/ e vivemos como ““Neandertais””; retornando ao que é essencial a essa ficção, reivindico o deferimento de integração na demanda — escreveu o causídico.

A petição do advogado foi direcionada à 4ª Vara Cível de Campos, do juiz Leonardo Cajueiro D Azevedo, após a juíza racialmente atacada declarar-se suspeita para julgar o caso. Por sua vez, Cajueiro oficiou ao Ministério Público, diretamente ao gabinete do Procurador-Geral de Justiça, para que seja instaurado procedimento criminal para apuração dos possíveis crimes de racismo, injúria racial e apologia ao nazismo.

 

Nota oficial da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj)

 

 

Na tarde de hoje, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), também soltou nota oficial (confira aqui) sobre o ocorrido. Assinada pela presidente da instituição, a juíza Eunice Haddad, ela foi feita em apoio à juíza Helenice Martins, da 3ª Vara Cível de Campos:

— A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), instituição que reúne cerca de 1.200 desembargadores e juízes fluminenses, manifesta apoio integral à juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins, titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes. A Amaerj repudia veementemente o ataque racista praticado pelo advogado José Francisco Abud contra a magistrada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) — disse a nota da Associação dos Magistrados. Que seguiu:

— Por petição e e-mails, o advogado apresentou conduta discriminatória e desrespeitosa, com o uso de palavras de baixo calão, racistas e injuriosas. Esse caso é inaceitável. Racismo é crime e deve ser combatido por toda a sociedade. Desde o ocorrido, a Amaerj vem atuando em defesa da magistrada na adoção das medidas judiciais cabíveis. A Associação se solidariza com a juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins e reitera o apoio ao trabalho dedicado e de alta qualidade realizado pela magistrada — concluiu a nota da Amerj.

 

Atualização às 17h15 para acrescentar a nota da Amaerj.

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Este post tem um comentário

  1. Savio

    Parece que o “fenômeno” da falta ou quebra da Ética também atravessa o meio jurídico. De modo geral, em todas as atividades, inclusive nas mídias, há um “tsunami” da perversão do caráter e da desonra do comportamento profissional.

Deixe um comentário