Diz o ilustre filósofo político Norberto Bobbio que a regra áurea da justiça social está encerrada na seguinte máxima: “Tratar os iguais de modo igual e os desiguais de modo desigual.” Pensando em justiça distributiva, me pus a pensar sobre como justiça relaciona-se ao ideal de igualdade, e como tal ideal é encarado, historicamente, pelos movimentos à direita e à esquerda do espectro político.
Atualmente, é comum ouvir por aí, nos cafezinhos bebericados inocentemente em padarias, que já não existe mais esse negócio de direita e esquerda. Para estes que o afirmam enfaticamente, a única divisão existente na política é aquela que separa os honestos dos desonestos (o segundo grupo, obviamente, sobrepujando o primeiro, quando existente). Para o filósofo político trazido à cena, os atores políticos ainda se orientam segundo as clássicas definições “direita” e “esquerda” e, portanto, a distinção entre os polos continua bastante viva entre nós. “Num universo conflitual como o da política, que exige continuamente a ideia do jogo das partes e do empenho para derrotar o adversário, a divisão do universo em dois hemisférios não é uma simplificação, mas uma fiel representação da realidade”, afirma Bobbio.
O filósofo italiano explica que a queda do muro de Berlim e o desmantelamento da União Soviética foram o estopim do discurso que busca negar o fim da distinção entre direita e esquerda como categorias-chave para a interpretação dos sentidos das ações políticas; enquanto que os termos antitéticos direita e esquerda ganharam o mundo e os escritos políticos a partir da Revolução Francesa, há mais de dois séculos, dada a oposição entre jacobinos e girondinos.
No Brasil, paralelo ao discurso que nega a importância da distinção “destra/sinistra” no cenário político nacional, crescem também os discursos que reivindicam tais categorias. Cada vez mais torna-se imperativo o posicionamento dos indivíduos atrelando-se a um ou outro lado. A velha dupla também pode ser substituída pelos termos “progressista” e “conservador”. E ainda subdivide-se o progressismo e o conservadorismo por área, tal como se faz em relação à área dos costumes e à área da economia. Desta forma, “conservador de esquerda” seria aquele sujeito que defende uma maior justiça distributiva entre as classes, mas que rejeita ou considera irrelevantes bandeiras típicas dos movimentos sociais “identitários”, tais como o feminismo e o movimento LGBT. Já o “progressista de direita” seria aquele que tende a se opor a intervenções estatais na economia, mas defende as tais bandeiras “identitárias”, apoiando o casamento homoafetivo, o combate ao machismo e mesmo a liberação de drogas ilícitas.
Na época das manifestações que defendiam o afastamento da ex-presidente Dilma, não era incomum que portais de notícias realizassem entrevistas com os manifestantes que se reuniam na Av. Paulista ou em Copacabana. Nessas entrevistas, perguntava-se às pessoas o que elas entendiam sobre direita e esquerda e como elas se definiam segundo esta oposição. A partir das respostas, era possível perceber como esses termos são utilizados com certa imprecisão.
No Brasil, também não é incomum relacionar à esquerda a defesa de temas como direitos humanos, feminismo e programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família. Ao analisar a gênese desses movimentos e bandeiras no contexto europeu, é possível notar como os direitos humanos e o feminismo são atrelados a partidos liberais. Da mesma forma, programas de mitigação da pobreza como o Bolsa Família, na Europa, são entendidos como liberais porque apenas provém uma renda mínima às famílias pobres, enquanto mantém intocadas as estruturas de distribuição de renda e riquezas. Neste sentido, esses programas estariam na direção oposta de ideais socialistas/comunistas. Mas por aqui não surpreende que se chame de “comuna” quem defende o programa formulado na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Finalizo retornando a Bobbio, que traz uma clássica definição de direita e esquerda, talvez a mais aceita no escopo da teoria política: a segunda seria mais igualitária que a primeira. A esquerda tende a perceber grande parte das desigualdades presentes no mundo social como injustas, enquanto que a direita entenderia muitas dessas desigualdades como aceitáveis e até mesmo positivas para a sociedade. A direita, segundo o autor, tende a salientar as diferenças existentes entre os indivíduos e a exortá-las. A esquerda, por sua vez, tenderia a atribuir motivações arbitrárias e socialmente construídas a desigualdades presentes na sociedade, ao passo que a direita tenderia a perceber essas desigualdades como parte de uma “natureza” ou de uma “segunda natureza”, ou seja, de tradições e costumes sociais que adquiriram a solidez de uma rocha ao longo do tempo e que, portanto, devem permanecer firmes.