Cresci com as histórias do boxeador George Foreman. Desde criança, eram contadas por meu pai, o jornalista Aluysio Barbosa. Fã de boxe, ele sempre creditou ao pugilista texano o soco mais devastador da história do pugilismo. Que levou na noite de ontem (21) consigo, quando morreu aos 76 anos, em um hospital da cidade de Houston, mais populosa do Texas.
Antes das facilidades do YouTube, criado apenas em 2005, podia apenas imaginar as histórias que meu pai contava. De um Golias capaz de quebrar o braço do boxeador brasileiro Luiz Faustino Pires com um soco, em 1971. E, da mesma forma, tirar da lona os dois pés do então campeão peso pesado Joe Frazier, numa das seis quedas que lhe impôs para levar seu cinturão em 1973.
Mas a grande história que meu pai me contava sobre Foreman, talvez a maior do boxe, era a luta dele, campeão, contra Muhammad Ali, ex-campeão e 7 anos mais velho. Realizada em Kinshasa, capital do Zaire, hoje Congo, ficou conhecida como “The Rumble in the Jungle” (“O Estrondo na Selva”). Na qual Ali usou a inteligência para nocautear a força e reconquistar o cinturão.
Cresci em meio a essa mitologia repassada por tradição oral. Até que soube que Foreman, após abandonar o boxe em 1977, com apenas 28 anos, para se tornar pastor cristão, tinha voltado aos ringues, aos 38 anos. Foi em 1987, quando eu já tinha 15 e acompanhava o boxe atraído pela carreira do então jovem e fulgurante campeão peso pesado Mike Tyson.
Quando Foreman voltou, ninguém poderia supor que seria nada além de uma curiosidade saudosista. Até que 29 lutas depois, com mais 27 vitórias, 25 por nocaute, e apenas duas derrotas por pontos, Foreman chocou o mundo em 1994. Quando se tornou o campeão peso pesado até hoje mais velho da história do boxe, com 45 anos e 10 meses de idade.
Assisti àquela luta, ao vivo, pela TV, com meu pai. Na qual Foreman nocauteou o então invicto campeão canhoto Michael Moorer, de 28 anos. Que, com a rapidez da idade e técnica, vinha castigando nos anos 1990 o rosto da lenda dos anos 1970.
Até que, no intervalo do 9º ao 10º, em seu corner, com seu cantado sotaque texano, Big George disse aos seus também lendários treinadores Cus D’Amatto e Archie Moore: “Push me don’t more” (“Não vai mais me golpear”). E voltou para, a 57 segundos do fim da luta, nocautear o campeão 17 anos mais novo com seu velho direto de direita.
Da carreira após seu retorno em 1987, duas outras lutas de Foreman também foram marcantes. Em 1990, contra outro brasileiro, Adilson Maguila, a quem nocauteou no 2º round. A outra, na derrota por pontos para Evander Holyfield, em 1991. Que foi, entre as lutas que vi, a mais épica na sucessão de vezes que um esteve para nocautear o outro e ser nocauteado.
Naqueles anos 1990, outro dado revela o temor que o poder nocauteador de Foreman, mesmo aos 40 anos, gerava em grandes campeões muito mais novos. Entre eles, Holyfield foi o único com coragem para encarar e vencer Big George por pontos. Enquanto Tyson e o inglês Lennox Lewis sempre fugiram dos riscos inevitáveis desse confronto.
Campeão peso pesado de boxe aos 45 anos, Foreman também ficaria famoso pela defesa do cheeseburguer em sua dieta de atleta veterano e pelas grelhas com seu nome para prepará-lo. E faria mais quatro lutas de defesa do título. Que perdeu em controversa decisão por pontos, aos 48 anos e 10 meses de idade, para Shannon Briggs, de 26, em 1997.
Foreman ainda era campeão quando ele e Ali foram aplaudidos de pé por Hollywood em 1997. Quando o filme “Quando Éramos Reis”, de Leon Gast, recebeu o Oscar de melhor longa de documentário. Lançado só em 1996, registra a histórica luta de 1974 entre as duas lendas do boxe, e seus bastidores, no coração da África tropical.
Campeão olímpico peso pesado pelos EUA em 1968, na Cidade do México, Foreman foi um dos maiores pugilistas dos anos 1970. Quando compôs a era de ouro da categoria peso pesado no esporte, numa trindade encabeçada por Ali e ladeada por Frazier. E voltou da aposentadoria para fazer nos anos 1990, aos 45, o que ninguém jamais fez no boxe, antes ou depois.
O boxe tem uma semelhança com o futebol. Que talvez seja o grande atrativo de ambos entre os fãs do mundo: a capacidade de definir o confronto num único golpe. Egresso de um tempo sem fisiologia, musculação ou anabolizantes, em que a suplementação alimentar se resumia a um cheeseburguer, ninguém teve essa capacidade como Big George Foreman.