Historiador Arthur Soffiati faz 50 anos na imprensa de Campos

 

Com Cláudio Nogueira e Gabriel Torres

 

Em 5 de outubro de 1975, o então jovem professor e historiador Arthur Soffiati estreou como articulista na imprensa de Campos. Neste domingo (5), 50 anos depois, o já experiente professor e historiador, além de ambientalista e escritor, completará suas bodas de ouro na imprensa goitacá. Para saudar a data, ele foi o entrevistado na manhã de ontem (3) no programa Folha no Ar, na Folha FM 98,3. No qual falou do seu começo como articulista, no hoje extinto jornal A Notícia, onde começou e escreveu por três anos. Como o faz nos últimos 47 anos na Folha da Manhã. Onde escreve desde a fundação do jornal em 1978.

Dos conselhos que recebeu do jornalista Aluysio Cardoso Barbosa, fundador da Folha e falecido em 2012, à inspiração na prosa que o poeta Carlos Drummond de Andrade desfilava como cronista no hoje também extinto Jornal do Brasil, Soffiati contou que chegou a ser processado sete vezes por seus textos. Mas não foi condenado em nenhuma ação. Seu tempo mais difícil enquanto articulista, no entanto, foi na última ditadura militar brasileira, entre 1964 e 1975. Durante ela, chegou a cobrado por seus escritos diante de cinco coronéis do Exército. O historiador também analisou o julgamento e a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), três generais e um almirante, com outros três réus, por tentativa de golpe de Estado. E falou do ineditismo dessa responsabilização na História do Brasil.

 

Porfessor e historiador Arthur Soffiati completa 50 anos como articulista na imprensa de Campos (Foto: Folha da Manhã)

 

Início na imprensa –  A minha intenção não era escrever para a imprensa. Quando eu comecei, a minha intenção era simplesmente ter um artigo meu apreciado por um professor, meu colega na Faculdade de Filosofia (hoje, Uniflu). E eu gostaria que ele me desse a opinião sobre aquilo”.

Orientação – “Eu escrevi sobre política brasileira durante a última ditadura. Ainda peguei o final disso. Escrevi alguns artigos e o Aluysio Cardoso não me censurou, mas me orientou: ‘Olha, pensa bem aqui o caminho que está seguindo’. Mas ele publicava depois de fazer assim. Não era uma censura, era assim um caminho que pudesse ser mais palatável, que pudesse ser mais compreendido. E me acolheu sempre nessas críticas”.

Academia – “A gente vai aprendendo a escrever para o leitor médio, para aquele leitor do dia a dia, e não para o leitor acadêmico. Porque, na verdade, nós da academia escrevemos para nós mesmos e isso não me agradava muito. Escrever para o meu colega, e não para a população do modo geral, não me agradava e até hoje não me agrada”.

Escrita – “Eu aprendi mais com jornalismo do que com os artigos acadêmicos, que acabam circulando num meio muito restrito. A minha intenção no jornalismo, na escrita, é contribuir, é trazer alguma contribuição. Não importa se boa ou se ruim, não importa que todo mundo concorde com ela. É trazer uma contribuição de estudo, de reflexão”.

Primeiros textos – “Quando eu comecei a escrever, eu fazia textos que hoje mesmo acho insuportáveis. Eu leio aquilo e falo: ‘Poxa vida! Isso aí devia ser muito chato!’ Se alguém leu, deve ter chegado a essa conclusão que eu cheguei a respeito de mim mesmo. Mas o que me inspirou muito foram os escritores do passado que eram, por exemplo, romancistas, poetas de renome nacional e até mundial, mas que escreviam para a imprensa”.

Inspiração em Drummond – “Como é que pode o Drummond estar vendo coisas que a gente entra num bonde, numa lotação e não vê; mas ele via. Então, essas pessoas me inspiraram muito. Eu gosto muito dos intelectuais que fazem essa ponte, que conseguem escrever tanto de uma maneira mais específica para um público mais voltado para literatura, como conseguem escrever também para o público de um modo geral. Não vou dizer que eu imitei essas pessoas, mas eu me inspirei nesse tipo de escrita”.

Posição – “A gente tem que ter uma posição diante do mundo. Eu entendo que devo ter e procuro expressar essa posição, que para mim foi uma posição que causou estranheza tanto para um lado quanto parra o outro nos anos 1970”.

Esquerda e liberais – “Esperavam os meus colegas mais à esquerda uma opinião mais firme, mais sólida como esquerda, e os colegas mais liberais esperavam que eu fosse mais liberal. E eu desagradei a todo mundo. Eu desagradei um lado e o outro nesse aspecto. Porque me inspirei mais em autores novos e autores que estavam falando sobre o nosso mundo contemporâneo e não examinando o nosso mundo a partir do século 19”.

Final da ditadura — “O tempo mais difícil como articulista foi, de fato, no final da ditadura militar. A gente tinha que ter muito tato. Eu não escrevi muito a respeito de política, não, mas mesmo assim precisei da orientação do seu pai (Aluysio Cardoso Barbosa, pai de Aluysio Abreu Barbosa), bastante da orientação dele de como escrever, de como me inserir. Eu que não tinha experiência ainda de como me inserir de uma maneira tal que não me comprometesse”.

Processado sete vezes – “Quando comecei a tratar da questão ambiental, isso me causou problema. Causou tanto que eu fui processado sete vezes. Por quatro prefeitos, pela Cedae, por uma juíza e por um procurador do Estado. Por conta de quê? Por conta de artigos. Artigos que não eram tão incisivos, mas causaram problemas”.

Desagrado e saber escrever – “Sei que a gente desagrada muitas pessoas quando escreve, mas essas pessoas não se manifestavam. Quando se manifestaram foi no sentido de se sentirem ofendidas ou retrucarem através de um artigo. Isso daí também é outra coisa a ser observada. As pessoas se sentem ofendidas, mas não sabem escrever. Quer dizer, quando eu digo que não sabem escrever, não é que não saibam mais ou menos as regras da gramática. Saber escrever é diferente de saber escrever, vamos dizer assim”.

Diante dos coronéis — “Enfrentei dificuldades grandes que não chegaram a processo. Por exemplo, eu ser chamado ao Rio de Janeiro para prestar esclarecimentos e entrar num gabinete, no tempo ainda da ditadura militar, com cinco coronéis aposentados trabalhando no serviço público e mais um indivíduo que se sentiu ofendido. E eu tendo que explicar aquilo. Você imagina o que é estar ali no meio de um meio militar e lidando com um indivíduo que se sentiu ofendido com o que eu falei”.

Histórico de golpes de Estado e tentativas na História do Brasil – “Nós nos assemelhamos muito aos países da América do Sul, como aos da América Latina de modo geral. Essa questão de tentar derrubar um governo não pelas urnas, mas pelo golpe armado de alguma maneira. Então a gente tem essa tradição.

Lição aos Estados Unidos – “Um primo meu que é chileno, mas mora em Lisboa, me disse que o Brasil deu uma lição para o mundo. É assim que os democratas na Europa estão vendo. A Europa também está dividida entre extremos, ou pelo menos um extremo, que é o da extrema direita. Ele (o primo) disse: ‘Deu uma aula para nós todos. E deu uma aula inclusive para a pátria da democracia, que são os Estados Unidos’. Não sei se aceitaram a lição, mas (o Brasil) deu uma demonstração de que foi possível fazer alguma coisa nesse sentido”.

Penas dos condenados – “Eu fico muito temeroso com o futuro com relação a isso. Porque acho que as penas acabam sendo, não vou nem dizer através de uma lei de anistia, mesmo sem a lei de anistia, que anistie todo mundo com um relaxamento, um afrouxamento das penas”.

Moraes vítima e juiz – “Os pares dele dizem que ele está legitimado para cumprir esse papel de relator e da figura mais expressiva no julgamento. Foi o que falaram. Eu gosto muito do Flávio Dino com aquele jeito dele de se expressar, colocando humor com expressão, quer dizer, com fundamentação para julgamento e tudo mais. Mas acabou com ele (a relatoria do processo a Moraes). Aí cabe questionamento, mas esse questionamento nosso vai adiantar o que agora? Será que rende alguma coisa mais no futuro? Um questionamento de que o indivíduo mais envolvido ou um indivíduo muito envolvido seja o relator do processo?”

Condução do julgamento — “Acho que se o Moraes extrapolou, ele foi respaldado por três juízes (ministros da 1ª Turma do STF também favoráveis à condenação de Bolsonaro e outros sete réus do chamado ‘núcleo crucial’ da tentativa de golpe: Flávio Dino, Cristiano Zanin e Carmén Lúcia). Acho que (no plenário) seria respaldado pelos demais juízes, menos três (além do ministro Luiz Fux, que votou contra a condenação de Bolsonaro, os ministros indicados por este na 2ª Turma: André Mendonça e Kássio Nunes Marques). Acho que o voto de Fux foi bastante caótico. Eu, mesmo não sendo jurista, achei que foi uma coisa meio confusa, muito longo e muito contraditório. Acho que mais três juízes referendando o que o Moraes falou, isso de alguma maneira dá um respaldo muito grande a ele. Se fosse para o pleno eu acho que ele não contaria com mais dois votos, mas a maioria votaria com ele também. Não vou invalidar, acho que o julgamento existiu e foi válido”.

Possibilidade de revisão da condenação, como foi com Lula – “Acho que esse julgamento não vai para o pleno não. Acho que são crimes diferentes, acusações diferentes, tanto para o Lula (que passou 580 dias preso, após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com condenação anulada depois pelo STF) quanto para o Bolsonaro. São coisas diferentes. Acho que vai se manter assim mesmo. Refiro-me mais a esse processo lento de esquecimento, a gente vai perdoando, vai caindo naquela história da Débora do Batom: ‘Não foi tão grave assim. A pessoa está idosa, está doente’”.

Legado da condenação – “Nesse caso eu acho que vai ficar a pecha da culpa, a pecha de ter sido um golpista, de tentar um golpe e não ter conseguido. De um golpe que ficou meio esfarrapado com aquela manifestação do 8 de janeiro e tudo mais, vai ficar essa pecha aí. O que a História dirá disso? A História não vai dizer nada. A História, quem faz, quem diz, são os historiadores. A História não existe enquanto uma personalidade independente. Então, nós é que falamos. A gente vai encontrar historiadores de um lado e de outro. Mais de um lado do que do outro. Acho que mais historiadores democratas do que historiadores conservadores”.

Tentativas de golpe – “A questão dessa sequência de tentativas de golpe que o Brasil passou, isso tudo tem um substrato que vai nos falar a respeito da nossa política. Eu não dou garantia de que a nossa política não sofra mais um ataque como esse. Mas, pelo menos, nesse caso, o Brasil deu uma resposta. Uma resposta consistente para a tentativa de golpe, inclusive para os Estados Unidos, em que o Trump fez alguma coisa parecida e está impune”.

Forças Armadas – “Nesse momento acho que as Forças Armadas deram um exemplo muito significativo com os comandantes gerais do Exército e da Aeronáutica. Que disseram: ‘Não, a gente não apoia isso aí’. Então isso mostrou independência de, pelo menos, duas Forças Armadas. A terceira, eu não sei se o Estado Maior da Marinha daria esse apoio (ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier foi condenado por ter posto a Força à disposição para uma tentativa de golpe por Bolsonaro). Mas, de qualquer maneira, acho que foi um exemplo. Isso foi ressaltado. As Forças Armadas entenderam que elas não exercem o poder moderador (que era o 4º Poder, do imperador, sobre Executivo, Legislativo e Judiciário no Brasil Império). Elas (as Forças Armadas) são um poder de Estado e que tem um chefe maior, que é o presidente da República. Isso, para mim, foi muito significativo”.

Condenação é “basta” aos militares do Brasil quanto a tentativas de golpe – “As Forças Armadas estão divididas. Mas esse ‘não’, esse ‘basta’, esse ‘chega’ dos dois comandantes das Forças (do Exército e da Aeronáutica), para mim, foi bastante significativo. Espero que se fortaleça mais: “A gente (militares) não é golpista, não está aqui como poder moderador que dá golpe. A gente está aqui como poder de Estado, que apoia as decisões do nosso chefe maior, que é aquele eleito pelo povo”.

Participação no debate público de Campos – “Sinto-me muito feliz de ter participado da vida campista durante 50 anos. Assim, dessa maneira, não dentro da academia, atrás dos muros da academia, nem totalmente do lado de fora. Mas levando para o lado de fora alguma coisa que me pareceu interessante. Porque, na verdade, pelo menos a minha vida na imprensa campista foi pautada por ideias. Eu não entrei na vida jornalística para atacar uma pessoa ou outra”.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Confira no vídeo abaixo a íntegra da entrevista de Soffiati no Folha no Ar de ontem:

 

 

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