Brasil entre Lula e Bolsonaro?

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Jornalista Ryan Lizza, da revista New Yorker: “imprensa americana subestimou Trump”

“É interessante que os jornalistas americanos tenham subestimado Donald Trump. O que me perguntam frequentemente é se o público ou a mídia deveriam levar a sério candidatos bizarros como ele. Minha resposta é: sim, nós temos que levar essas pessoas a sério”. Foi o que advertiu (aqui) o jornalista Ryan Lizza, correspondente em Washington da conceituada revista New Yorker, que esteve durante a semana no Rio para uma palestra.

Levada a sério a última pesquisa DataFolha sobre a disputa à presidência do Brasil em 2018, feita entre 27 e 28 de setembro, com 2.772 pessoas, em 194 cidades do país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é apresentado (aqui) como candidato em três situações de primeiro turno. E, vence em todas, chegando ao máximo de 36% das intenções de voto.

A vitória de Lula seria confirmada nas quatro simulações de segundo turno com seu nome. Nestas, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou menos, o líder petista só ficaria em empate técnico (44% a 42%) contra o juiz federal Sérgio Moro, que não é filiado a nenhum partido e já disse reiteradas vezes (aqui) que não participará da eleição.

Moro não será candidato, mas empataria com Lula no 2º turno de 2018

O fato do nome de Moro estar na consulta, deixa dúvida da intenção. Outra dúvida, muito mais importante, é matemática. Segundo o Datafolha, 54% dos brasileiros acham (aqui) que Lula merece ser preso pelos crimes pelos quais já foi condenado, em julho, pelo próprio Moro, ou por aqueles em que é réu em outras cinco ações penais. Da aritmética dos processos à da pesquisa, a contraposição dos seus números sugere uma questão surreal: 15% dos brasileiros pretendem que seu próximo presidente governe da cadeia?

Rejeição de Garotinho em 2014 lembra a de Lula para 2018

Caso contrário, os 54% do eleitorado que querem Lula preso parecem remeter aos 44% (10 pontos percentuais a menos) da rejeição (aqui) de Anthony Garotinho (PR), quando este tentou retornar ao Palácio Guanabara em 2014. Foram estes números que, no voto, barraram o ex-governador do segundo turno, dando início à sua derrocada política e (aqui) financeira de Campos.

Entre prós e contras eleitorais, a primeira ameaça à pré-candidatura de Lula é jurídica. Ele foi sentenciado por Moro (aqui) a nove anos e meio de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex no Guarujá. Como a Lei do Ficha Limpa exige condenação colegiada, a elegibilidade (ou não) do ex-presidente será definida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), que deu previsão (aqui) de julgar o caso até agosto.

Presidente do TRF 4, desembargador Carlos Eduardo Thompson, considera a condenação de Moro a Lula “tecnicamente irrepreensível”

Presidente do TRF 4, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz já declarou (aqui) que a sentença de Moro “é tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”. Por mais que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello sejam conhecidos pela capacidade de surpreender, a situação jurídica do ex-presidente parece difícil.

Para Ciro, Lula “insulta a intelgiência do povo brasileiro com a narrativa de perseguição política”

Ciente da gravidade da situação, o presidenciável alternativo da esquerda Ciro Gomes (PDT), ministro de Lula entre 2003 e 2006, desde o mês passado já não se furtava em atacar publicamente (aqui) o ex-presidente e a versão petista dos fatos:

— Não é possível insultar a inteligência do povo brasileiro e manter essa narrativa (de perseguição política). Nós estamos ferindo de morte a narrativa central de que ainda dava a nós alguma respeitabilidade na opinião pública progressista brasileira, que é a ideia de que o Brasil está sob um golpe de estado. Como é que eu posso então assistir o Lula abraçado com Renan Calheiros (PMDB/AL), que era senador e votou pelo impeachment?

O prefeito paulistano João Doria desidratou sua pré-candidatura a presidente após ter se aproximado de Temer

De volta à pesquisa Datafolha, ela apontou também a desidratação da pré-candidatura presidencial do prefeito paulistano João Doria (por enquanto, PSDB). Ele já sofre críticas administrativas, não apenas da esquerda, pelos 10 primeiros meses de governo. Sua volatilidade ao sabor das redes sociais e, sobretudo, sua aproximação com o presidente Michel Temer (PMDB) — que tem 3% de aprovação popular, segundo (aqui) pesquisa Ibope/CNI de setembro —, igualaram Doria ao ex-padrinho e governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).

Geraldo Alckmin patina com Doria nos 8% de intenções de voto, mas pode ser de novo o candidato a presidente do PSDB

Nos cenários da consulta Datafolha contra Lula, os dois tucanos não passam dos 8% das intenções de voto no primeiro turno.

Melhor, a ambientalista Marina Silva (Rede) apareceu em terceiro nas duas simulações Datafolha com Lula. Sem ele, ela chegou a liderar no cenário com a opção petista mais provável (aqui): o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.

Marina está bem colocada nas pesquisas para 2018, mas pode ter perdido sua melhor chance em 2014

Mas Marina pode ter perdido sua melhor chance no primeiro turno da eleição presidencial de 2014, quando chegou a pontear a corrida. E confirmou sua criticada fragilidade após ser imprensada na cerca pelos dois candidatos que romperam na reta do segundo turno: a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB).

Que político de centro no Brasil poderia ser o que Emmanuel Macron foi na eleição a presidente da França?

Diante à incerteza jurídica da candidatura de Lula, à ausência de Marina nos principais debates nacionais, aos rompantes de desequilíbrio (aqui) de Ciro, ao PSDB e PMDB reduzidos a fiadores da aliança (aqui) entre Aécio e Temer para fugir da Lava Jato, o centro busca um nome. Quem poderia ser o Emmanuel Macron, presidente francês eleito em maio último, em versão tupiniquim? A 11 meses das urnas brasileiras de 7 de outubro de 2018, só terá chance quem já for conhecido nacionalmente. Isto, somado ao desgaste do establishment político, faz com que se cogite nomes como Joaquim Barbosa e até Luciano Huck.

Protagonista no julgamento do Mensalão, Joaquim Barbosa admite e nega vir candidato em 2018

Figura de proa no julgamento do Mensalão — que Moro admitiu (aqui) ter inspirado a Lava Jato e toda a magistratura brasileira —, depois dele Barbosa saiu do STF por motivos ainda misteriosos. Sobre 2018, já abriu (aqui) e negou (aqui) a possibilidade. Ele seria o candidato a vice dos sonhos de Marina, que busca alguém do Judiciário para compor sua chapa. E teve o nome aventado até no PT, do qual já foi considerado algoz.

Falta de nomes conhecidos nacionalmente fez o DEM manter conversas com o apresentador Luciano Huck

Já Luciano Huck tem mantido (aqui) conversas com o DEM. Entretanto, por mais popular que seja o apresentador de TV, custa crer que a política nacional tenha regredido ao ponto de ter uma metáfora do Brasil como “Lata Velha” na próxima campanha presidencial.

Enquanto a esquerda e o centro se dividem em dúvidas, a direita acena com as assertivas do polêmico deputado federal Jair Bolsonaro (PSC). A direção sinaliza ao mundo na placa da eleição do empresário Donald Trump à presidência dos EUA, em novembro de 2016. E, mesmo na Alemanha, o partido de extrema direita AfD ficou (aqui) em terceiro nas eleições legislativas de setembro deste ano, com 12,9% do eleitorado.

 

Líderes do partido Altenativa para Alemanha (AfD), Alexander Gauland e Alice Weidel, comemoram o resultado das eleições parlamentares de setembro. No país que lidera economicamente a Europa, a extrema direita terá quase 90 dos 631 representantes do Bundestag (Foto: Martin Meissner/AP)

 

É a primeira vez que o discurso de xenofobia nacionalista ocupa cadeiras no Parlamento alemão, desde a derrocada do nazismo em 1945, ao final da II Guerra Mundial.

Falando em Boston a emigrantes brasileiros, Bolsonaro disse que Donald Trump é exemplo para ele

A cartilha anti-imigração de Trump e do alemão AfD já é pregada no Brasil (aqui) por Bolsonaro, cujos pais eram de ascendência italiana. Em visita recente aos EUA, ele reconheceu (aqui) em Boston, a emigrantes brasileiros: “O Trump serve de exemplo para mim”. Na verdade, segundo seus aliados, a viagem foi (aqui) uma tentativa de desfazer junto aos investidores internacionais sua imagem de estatista, associada à Ditadura Militar (1964/85) brasileira, que o ex-capitão do Exército defende e nega ter existido.

Pela privatizações do seu governo, Fernando Henrique teve a “pena de fuzilamento” pedida por Bolsonaro, que falou em Nova York em privatizar a Petrobras

No esforço de se vender economicamente liberal ao capital internacional, durante entrevista à agência Bloomberg, em Nova York, Bolsonaro admitiu (aqui) privatizar a Petrobras — “menos para a China”, principal parceiro comercial (aqui) do Brasil. Novo defensor do estado mínimo, o pré-candidato quer deixar para trás aquele jovem deputado federal de 44 anos que, em 28 de dezembro de 1999, declarou (aqui) a militares que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) merecia “pena de fuzilamento” pelas privatizações do seu governo.

Ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad é a opção presidenciável mais provável do PT, se Lula não puder concorrer

Antes do tour pelos EUA, na pesquisa Datafolha do final de setembro, Bolsonaro só ficou atrás de Lula, embora em empate técnico com Marina. Quando Haddad é colocado como candidato petista, o ex-capitão é ultrapassado pela líder ambientalista na liderança, mas também no empate dentro na margem de erro.

Prevalência das redes sociais sobre a TV, que marcou a primeira eleição de Obama a presidente dos EUA, promete se repetir pela primeira vez numa eleição presidencial do Brasil

Marco da vitória de Barack Obama à presidência dos EUA, em 2008, a prevalência das redes sociais (aqui) sobre a TV ameaça acontecer pela primeira vez, uma década depois, numa eleição presidencial do Brasil. E esta tem sido, até aqui, a grande vantagem de Bolsonaro sobre os demais postulantes ao Palácio do Planalto: o uso massivo e competente (aqui) das redes sociais.

“Cruzando Jesus com a deusa Shiva”, uma das obras que geraram mais polêmica da mostra “Queermuseu: Cartografias da diferença na arte brasileira”

Quem duvida da sua força para outubro de 2018, teve uma prévia em setembro deste ano, com o cancelamento (aqui) da exposição do “Queermuseu” pelo Santander, em Porto Alegre, após pressão popular. A polêmica seguiu com os protestos (aqui) diante ao Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, após uma mãe deixar a filha de 5 anos tocar um homem adulto nu, numa performance artística.

Viralizada nas redes sociais por grupos como MBL e seguidores do filósofo Olavo de Carvalho, a discussão não se ateve à necessidade de observância do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E avançou para (aqui) a condenação moral e religiosa das questões de gênero, além da própria conceituação de arte por gente pouco capacitada a fazê-lo, numa cruzada virtual contra a classe artística brasileira.

É uma agenda que nenhum presidenciável, além de Bolsonaro, teria coragem de assumir.

Diretor do Datafolha, Mauro Paulino ressaltou que 60% do eleitorado de Bolsonaro têm entre 16 e 33 anos

A vantagem nesse novo flanco virtual, mas de importância real na estratégia da campanha de 2018, é reflexo do eleitorado. Diretor do Datafolha, Mauro Paulino destacou (aqui) ao jornal El País que 60% dos que declaram intenção de voto em Bolsonaro têm entre 16 e 33 anos.

Nascidos após a Ditadura, esses jovens não viveram a hiperinflação legada por ela, nem a estabilização econômica por FHC, mas lembram da corrupção sistêmica dos governos lulopetistas, eviscerada pela Lava Jato. Tanto na idade inferior, como no nível de escolaridade e renda familiar mais altos, são opostos ao eleitor padrão de Lula. Mas enquanto este tem seu reduto nas regiões Nordeste e Norte, que relativiza a corrupção e é saudoso da prosperidade do primeiro governo do ex-retirante, os simpatizantes do pré-candidato da direita são pulverizados pelo país.

Político mais popular do Brasil, Getúlio Vargas tem o herdeiro do seu título de “Pai dos Pobres” hoje ameaçado por Bolsonaro

Enquanto o centro não apresenta seu nome, ou comete a estupidez eleitoral de multiplicá-lo, o “nós contra eles” que passou a dividir o Brasil, nos 13 anos do PT no poder, parece ter encontrado gente disposta a jogar o mesmo jogo — dentro de regras de devoção acrítica e maniqueísmo semelhantes por oposição. E foi tratar Bolsonaro como bufão que o promoveu, de rival do deputado federal Jean Wyllys (Psol), para surgir hoje como sério opositor do político mais popular do Brasil, desde Getúlio Vargas (1882/1954).

Quem não seguir o conselho da imprensa dos EUA, nem que seja a revelação do segredo do cadeado após a porta arrombada por Trump, corre o mesmo risco.

 

 

 

Publicado hoje (22) na Folha da Manhã

 

A partir desta segunda (23/10), até 04/11, os colaboradores deste “Opiniões” vão trazer suas visões sobre o tema eleito pela maioria: o avanço da direita no Brasil

 

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Este post tem 4 comentários

  1. Pedro Pontes

    Análise lúcida da realidade do Brasil e do mundo. Critica e aponta virtudes de todos os lados. Não é ofensivo ou toma partido. Raridade nas discussões de hoje.

  2. ivana

    se lula não puder ser candidato jaques wagner também entra no páreo do pt

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Ivana,

      Mesmo se não puder ser candidato, segundo o Datafolha, Lula seria capaz de transferir 26% do eleitorado. Saindo dessa base, creio que Haddad seria a opção petista mais capaz de agregar. Ainda que a Bahia seja um estado importante, seu ex-governador Jaques Wagner representa o PT maniqueísta, soberbo e sem autocrítica, que a maioria rejeita. Já o ex-prefeito paulistano, como bem definiu a jornalista Cristiana Lôbo, é “o mais tucano dos petistas que o Lula conseguiu”.

      Abç e grato pela chance das observações!

      Aluysio

  3. NHOCK

    SEM CHANCES IVANA, PT NUNCA MAIS NESTE PAÍS!
    UM PARTIDO ALTAMENTE CORRUPTO, QUE O BRASIL NÃO SUPORTA MAIS!
    UM BOM NOME PARA O NOSSO PAÍS SERIA O JOAQUIM BARBOSA, QUE MOSTROU COMPETENCIA EM SEU CARGO COMO JUÍZ. PENA QUE ELE NÃO DEVE ACEITAR ESTE DESAFIO.
    AGORA PELO AMOR DE DEUS, BOLSONARO PARA PRESIDENTE??? ESTE SERÁ O MESMO O PIOR QUE O LULA NA PRESIDENCIA!
    PARA TERMINAR, NÃO CREIO QUE ESTE PAÍS PODERÁ MUDAR, POIS A CORRUPÇÃO ACABA CONTAMINANDO TODOS QUE CHEGAM AO PODER!
    ISTO É UMA…VERGOOOOOOOOOONHAAAAAAAAAA!

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