
X. tem 58 anos. Casou-se aos 16, teve dois filhos, um neto e ficou viúva em 2025. Trabalha como empregada doméstica desde os 14 anos, mas com CLT só a partir dos 36. Dois anos depois, fez um curso de cabelereira, economizou, abriu seu salão e passou a ter dupla jornada também como microempreendedora, condição que nunca oficializou.
Nascida e criada em localidade de interior de um pequeno município fluminense, X. se mudou para outra, um pouco maior, aos 35. Onde seu marido também exercia dupla jornada como caseiro e motorista de van. Até que, em 2019, foi alvejado com três tiros por um traficante que passou a ser vizinho, vindo de outro bairro periférico de uma cidade vizinha de porte médio.
Um dos tiros pegou na coluna do marido de X., tornando-o paraplégico. O motivo? Por ser motorista de van, conhecia e falava com muita gente. O traficante que passou a morar ali havia apenas um mês, após ver o novo vizinho conversando aleatoriamente com dois PMs conhecidos na rua, tomou a van como passageiro.
Em um ponto mais ermo do trajeto, quando estavam só os dois no veículo, o traficante puxou a arma e tentou matar seu condutor e vizinho. Para se afirmar como “xerife” do bairro periférico e antes pacato da localidade de um pequeno município fluminense. Foi a última vez que o marido de X. andou.
Esse microcosmo real e quase sempre trágico se repete diariamente nas periferias de todo o Brasil. Nas quais sua imensa maioria de trabalhadores é ostensivamente oprimida, do outro lado do cano de uma arma, pela lei do cão imposta pelo tráfico e as milícias.
Segundo (confira aqui e aqui) o estudo “Governança Criminal na América Latina: Prevalência e Correlatos”, elaborado por pesquisadores de universidades dos EUA e publicado em agosto pela britânica Universidade de Cambridge, cerca de 26% dos brasileiros, entre 50,6 e 61,6 milhões deles, vive hoje submetida à chamada “governança criminal”. O que faz do Brasil, com folga, o país da América Latina com maior percentual da população sob as regras de facções criminosas.
Se fossem um país separado, como de fato são no direito de viver em um Estado Democrático de Direito, esses 50 a 60 milhões de brasileiros submetidos ao crime ficariam entre a 3º e 4º população da América Latina. Só atrás do próprio Brasil, do México e, talvez, da Colômbia. Os mesmos México e Colômbia famosos por seus carteis de drogas. Mas que hoje têm 9% das suas populações, quase três vezes menos que o Brasil, vivendo sob a “lei” do crime.
Só quem ignora ou finge poder ignorar esses números é capaz de não entender outros. Como os de todas as pesquisas que comprovam o apoio da maioria da população à megaoperação policial nos complexos de favelas cariocas do Alemão e Penha, no último dia 28. Que foi a mais letal da história do estado do Rio, com 121 mortos, entre eles quatro policiais.
Na pesquisa AtlasIntel, a ação policial teve aprovação (confira aqui) de 51,8% dos brasileiros e 55% dos cariocas. Na Quaest, a aprovação foi (confira aqui) de 64% dos fluminenses. Na do instituto Paraná, foram 69,6% dos cariocas a favor. As minorias no Brasil, no estado ou cidade do Rio que desaprovam dizem falar em nome dos moradores das favelas. Mas estes, falando por si próprios, foram também pesquisados em cortes específicos pela AtlasIntel: entre as favelas do Brasil, 80,9% aprovam a operação, apoio que chega a 87,6% nas favelas da cidade do Rio.

Ex-vereador carioca, Cláudio Castro só chegou ao poder como vice do também desconhecido Wilson Witzel, eleito governador na onda bolsonarista de 2018. Com o impeachment de Witzel pela Alerj, Castro só se reelegeu em 2022, ainda no 1º turno, graças à arrogância da esquerda fluminense. Que descolada da realidade, deu de cara com ela em turno único, após apostar todas suas fichas na rejeição do eleitor ao ex-deputado federal Marcelo Freixo.
Castro vinha enfraquecido em 2025, desde que se afastou, no início de julho, do presidente campista da Alerj, Rodrigo Bacellar. Após este, como governador interino, exonerar (confira aqui e aqui) o ex-prefeito bolsonarista de Duque de Caxias Washington Reis da secretaria estadual de Transporte. Se pleiteava concorrer a uma das duas cadeiras que o RJ elegerá ao Senado em 2026, o governador entrou em outubro de 2025 falando (confira aqui) em desistir do projeto.
Em movimento coordenado de Bacellar e do senador Carlos Portinho, que disputa vaga à tentativa de reeleição pelo PL com Castro, este era atacado por ambos (confira aqui) na Segurança Pública. Após o maciço apoio popular à ação policial do dia 28, o governador cresceu tanto em aprovação que Portinho já fala em deixar o PL para tentar se reeleger ao Senado. Cuja primeira cadeira pelo RJ, todas pesquisas indicam ser (confira aqui, aqui e aqui) do senador Flávio Bolsonaro, também do PL.
Castro não só ressuscitou com a operação policial que matou 121 em outubro de 2025. Tirou a direita do Brasil das cordas, onde estava agarrada sob a onda Trump que Lula surfava bem desde julho. E jogou o petista (confira aqui e aqui) num dilema. Onde, segundo as AtlasIntel, Quaest e Paraná, a sobrevida eleitoral tende a ser difícil a quem chama de “matança” uma ação policial que 55,9% dos brasileiros, 73% dos fluminenses e 67,9% dos cariocas querem (confira aqui) reeditada.

Na dúvida, um dado sem critério estatístico, mas real: X. é eleitora de Lula. Como era seu marido, morto este ano após uma queda da paralisia em vida à qual foi condenado por cinco anos pela arma de um traficante. Indagada sobre os 57 corpos encontrados, alguns com suspeita de execução, no pedaço de mata atlântica entre os complexos do Alemão e a Penha, a mulher pobre, trabalhadora, periférica e quase sempre afável, sentenciou:
— Não era isso que eles faziam com os outros? Mesmo se fosse gente da própria comunidade? Mesmo se fosse com trabalhador que não tinha feito nada? Não levavam para a mata e executavam? Chega! Agora não vão fazer isso com mais ninguém!
O Estado não pode regredir ao “olho por olho, dente por dente” da Lei do Talião. Mas chamar essa mulher proletária ou seu pensamento de “fascista”, sobretudo por uma esquerda que pensa poder transformar o mundo em sua sala de estar burguesa, que só contrata “secretária do lar” como diarista e nunca coçou o bolso para pagar uma CLT em toda sua vida, diz muito mais sobre quem classifica. E pode custar caro em 2026. A ver.
Publicado hoje na Folha da Manhã.