Vitória dos idiotas (*)
Contabilizar mortos, feridos e prejuízos. Identificar os autores do atentado, usando de todos os recursos de perícia e investigação existentes no mundo… Retaliar!
Independente dos fatores, o produto será sempre o mesmo: homens comuns serão conduzidos, matarão, morrerão… Vencerão os idiotas!
Cinéfilo, tenho “Lawrence da Arábia”, de David Lean, Peter O’Toole de protagonista, como melhor filme já feito. Lendo, há cerca de dois anos, em caderno dedicado à Literatura, descobri que tinham reeditado no Brasil “Os Setes Pilares da Sabedoria”, escrito pelo próprio Thomas Edward Lawrence, oficial britânico que comandou a Revolta Árabe contra o Império Turco, no Oriente Médio da 1ª Guerra Mundial (1914/18). Mulçumanos contra mulçumanos, guiados por um cristão numa aventura real, vitoriosa sob condições amplamente adversas, que li com pena de acabar.
Até então, embora já conhecesse relativamente bem os textos bíblicos, as religiões nascidas no Oriente Médio — Judaísmo, Cristianismo e Islamismo — eram-me temas desinteressantes, caros aos alienados. Como a brasilidade que descobri a partir de Euclides da Cunha com seu (nosso!) “Os Sertões”, o guerreiro, historiador, arqueólogo, pragmático e poeta T.E Lawrence, Hamlet do Hedjaz, me transmitiu a certeza de que alienado, pelo menos no Ocidente, é quem, crente ou ateu, não se sabe o fruto social dos padrões sociais morais ditados por Javé, Deus de Abraão, revelado aos homens por Móshe (Moisés), Yeshua (Jesus) e Mohammad (Maomé). Tudo que se possa ler sobre História, Arqueologia, Antropologia e Teologia — Paleontologia, nesses casos, é só para idiotas — endossa o útero comum entre as três grandes religiões.
Em língua prática, um judeu, um cristão e muçulmano crêem no mesmo Deus. Se brigam, o fazem com três flamenguistas que lutassem, até a morte, porque um prefere o Flamengo de Zico, outro o Flamengo de Romário e o terceiro, o Flamengo de Petkovic. Os craques, assim como os reveladores e sua leituras teológicas, são importantes, mas não mais cores comuns do clube, não mais que a irmandade em Deus.
Se os ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington, usando aviões de passageiros sequestrados, matando milhares de pessoas, foi realmente obra de extremistas islâmicos, foi estupidez. Não apenas pelo ato vil, covarde, ignóbil, mas pelo contexto em que o mesmo se deu.
Depois de décadas insistindo nas armas como caminho da auto-afirmação, os muçulmanos pareciam ter aprendido que a abertura gradual e o diálogo entre distintos, que assumir, sem vergonha ou orgulho, o papel de vítima, formavam a conduta mais frutífera para sobreviver num mundo ditado pela mídia. Pela primeira vez, EUA e Israel — o primeiro governado por um incapaz (George W. Bush), o segundo por um genocida (Ariel Sharon) — passavam à condição de algozes, após terem abandonado a Conferência Internacional contra o Racismo, promovida pela ONU, em Durban, na África do Sul, onde se condenava a política sionista de ocupação em territórios palestinos.
Apelar à força, à covardia, quando conversar, mostrando-se vítima da covardia, começa a surtir efeito, é atitude de idiota. E os idiotas continuarão a vencer se houver retaliação, e a retaliação da retaliação, e a retaliação da retaliação da retaliação, e… A vitória da qual ninguém sobreviverá: a vitória suprema dos idiotas!
Os traços de choque e terror que, ontem, nas TVs de todo o mundo, habitavam rostos correndo apavorados nas ruas de Nova York, eram os mesmos das crianças irlandesas acossadas entre católicos e protestantes, os mesmos dos garotos palestinos que enfrentam tanques israelenses com pedras, os mesmos das faces descarnadas pela peste e pela fome na África, os mesmos de um judeu num campo de concentração nazista, os mesmos do brasileiro entre o tráfico e a miséria na favela da sua cidade. Sensibilizamo-nos e reproduzimos em nossas próprias faces os mesmos sentimentos, os mesmos traços, porque, seja em Deus ou na Ciência, em Adão ou na molécula protêica que a tudo gerou, somos todos irmãos!
(*) Artigo publicado na Folha da Manhã, em 12 de setembro de 2001
Meus parabens,apesar de ter sido escrito há algum tempo está bem atual, os governantes, na sua grande maioria, continuam agindo como grandes egoistas. A correlação entre as religiões foi perfeita, obrigada pela aula, suas assertivas foram muito claras, enfim DEUS não merece isto!