Um conto de Santo Amaro

Por Hélio Coelho (*)

 

Saíra de casa apressado e até certo ponto assustado com a quantia de dinheiro que carregava no bolso. O avô lhe fizera todas as recomendações.

– Cuidado! Na hora de fazer o depósito vê se tem alguém te observando. Não fale com estranhos. Não esqueça do recibo. Isso e aquilo e por aí vai …

Atravessou a ciclovia e partiu para o banco, na Pelinca. Enquanto caminhava ia pensando com tristeza na possibilidade de perder a carona para conhecer e observar a tão falada Festa de Santo Amaro. O dia 15 de janeiro tinha chegado e justamente agora estava enrolado com aquele depósito para fazer. Provavelmente filas enervantes e depois ainda teria outras obrigações. No entanto, por mais que isso o angustiasse, jamais diria não a um pedido do avô, tão querido e tão presente em sua vida.

Dito e feito: filas enormes e o sistema fora de linha. Ainda reinava muita confusão sobre aquele dia, se seria feriado ou não. E agora? A essa altura os amigos já haviam passado por lá. Perguntou as horas ao guarda. Onze e meia. Nada funcionando, tudo parado. A ansiedade aumentava o desconforto de ficar ali na fila, em pé, com as pernas doendo e a cabeça esquentando. Calculou mais ou menos meia hora e saiu.

– Ah, o ar da Pelinca deixa o homem livre! Falou consigo mesmo lembrando-se de uma aula de história qualquer … Desassossegado, sem saber exatamente o que fazer, seguiu como quem vai para o Sagres.

Em frente à Boutique Zazá, percebeu um GOL aproximando-se devagar e ouviu um grito que fez brilhar os seus olhos.

– E aí,cara, vai ou não vai?

Os amigos deram um tempo ao saber que ele fora ao banco e antes de botar o carro na estrada, resolveram procurá-lo na área.

Ele era estudante de Ciências Sociais na UERJ, e, lá, um professor chamara sua atenção para a importância das manifestações populares como traço da identidade cultural de um povo. Prometera, então, ao mestre, recolher alguns elementos significativos da Festa de Santo Amaro, tradição que se mantém há quase duzentos e cinqüenta anos. Agora, sim, todos juntos seguiram em direção à Baixada Campista, aonde está a Vila que tem o nome do Santo, situada a quarenta e cinco quilômetros da cidade e à cinco da praia do Farol de São Tomé.

– Olhaí pessoal, se eu não fosse ateu e materialista, ia até dizer que Santo Amaro tá me dando uma colher de chá hoje. Eu já estava sem a menor esperança da gente ir pra lá. Pois é, valeu mesmo!

Foi então que ouviu a voz pausada que veio do banco da frente:

– Rapaz, não se espante com tão pouco. Dia de Santo Amaro tudo pode acontecer!
Era o professor, pai de um dos seus amigos, e que tendo raízes na Baixada, ali estava com uma espécie de cicerone da rapaziada. Relatos dos tempos de seu avô, bem como prosas e prosas com seu pai, desde cedo despertaram nele o gosto pelas coisas e pelos causos daquela região do município de Campos dos Goytacazes imortalizada por José Cândido de Carvalho em O Coronel e o Lobisomem.

Pegaram a 28 de março e no fim (ou começo?) da ciclovia entraram na estrada percebendo, à direita, as sinistras ruínas da Usina Santo Antonio como indicação do fantasma da quebradeira, que, como um espectro, vive rondando os usineiros e os plantadores de cana da Baixada e do município.

Passaram por Donana e chegaram a Goitacazes. O pessoal espantou-se com o crescimento urbano da antiga São Gonçalo. Alguém exclamou:

– Puxa, tão perto e tão desconhecido da gente que só vai pra Atafona e Grussaí!

Ao longo da Rodovia do Açúcar vão sentindo a força das cerâmicas que se multiplicam.
Em Campo Limpo, uma pequena parada para olhar de perto a igreja histórica e pisar o chão de um dos marcos inaugurais da colonização de Campos.

Mineiros. Descobrem a entrada que vai para o Caboio dos Olhos D’Água, para São Martinho e Barra do Furado. Bem que procuraram mas nem vestígios encontraram da Usina que havia por ali.

Apressadamente passaram por Saturnino Braga como quem passa por um nome que lembra alguém ou alguma coisa. É que durante um bom tempo o lugar passou por uma grave crise de esvaziamento. Mas, se tivessem parado pra dar uma olhada com mais calma, teriam visto que o Braga está renascendo com força!

Perto de Mussurepe, deram uma entradinha para conhecer o imponente Mosteiro de São Bento, importante referência no processo de construção da história da Baixada desde os tempos coloniais.

Em Mussurepe, foram lembradas e homenageadas as famílias mais antigas e tradicionais do lugar, ressaltando-se a figura inesquecível do “farmacêutico-médico” da baixada Antonio Coelho dos Santos. A pequena estação ferroviária ainda está lá. E de repente, foi como se todos ficassem a imaginar como era uma viagem de trem de Campos a Santo Amaro…

Realidade chegando: Baixa Grande. Usina falida, povo desempregado e antigos proprietários envolvidos em escândalos e maracutaias. Dizem que, a exemplo de outras, a empresa vai mal, o povo de mal a pior, e a família do dono vai bem, muito bem, viajando e morando com aquele requinte dos tempos da Casa Grande…

Finalmente, Santo Amaro.

O professor fala uns versinhos:

“ No dia 15 de janeiro tem
em Santo Amaro Grande festa popular.
De toda parte muita gente vem
pagar promessa e depois rezar.
De manhãzinha tem um foguetório
que faz a Vila inteira acordar.
Depois começa o vai e vem do povo
que chega, chega, chega sem parar.”

Quase duas da tarde e já tem muita gente. A prefeitura fez um atalho pra facilitar o trânsito que flui lento, parando. A turma do 171 ataca pelas janelas do carro, querendo vender fitas milagrosas, imagens poderosas e outros produtos “pra ajudar na Igreja”.

E por falar nisso, a igreja está um brinco, novinha, reluzente. E  Prefeit@ é bob@?

Naquele tumulto, alguém sugere uma ida ao Farol, tão pertinho. Tomar uma gelada, almoçar e voltar na hora da cavalhada.

– É isso aí, inclusive eu nunca fui ao Farol! Disse Leonardo, o universitário interessado na pesquisa antropológica.

Saíram do sufoco e logo chegaram. Lá, o espanto foi com o próprio farol. Inaugurado em 1883, a bela e robusta construção provocou debates se foi ou não projetada pelo famoso engenheiro francês Gustave Eiffel, o mesmo da torre de Paris.

A fome apertou, a sede também, e a conversa mudou de rumo. Tomaram uma “estica o braço” do barril e beliscaram carne seca no feijão em Benicinho e foram comer uma peixada no Alambique do Leley. Entusiasmado, Leonardo, o inquieto observador participante, bateu no bolso da calça e gritou:

– Tudo por minha conta!

Lá pelas quatro e meia, o grupo voltou para Santo Amaro. O professor, de novo puxou outros versinhos:

“E aí se junta grande multidão
a cavalhada já vai começar.
Será o mouro, será o cristão,
Quem dessa vez a luta vai ganhar?”

Com muita dificuldade, estacionaram o carro. Não para de chegar gente, de toda parte, de toda espécie. Compadres, comadres, políticos, romeiros, anônimos e celebridades.

Impressionado com o movimento, Leonardo contratou um fotógrafo para uma série de registros. Levava a pesquisa a sério quando parou numa barraca onde se jogava Campistinha, famoso jogo de dados da região.

Jogou. Ganhou. Perdeu…

Dali, foram visitar a igreja por dentro, ver a imagem do Santo e em seguida dirigiram-se à capela, aonde assistiram comoventes manifestações de devoção, fé e adoração.
Retratos, pinturas, partes do corpo em gesso e em cera, tudo atestando o momento de pagar a promessa e de mostrar reconhecimento pela graça recebida. Calor imenso. É janeiro, verão, e as velas acesas reforçam a sensação de abafamento. Sentimentos de vida resgatada e ao mesmo tempo é forte aquele cheiro de igreja, de velório, de semana santa.

Lá fora respiraram fundo e se emocionaram com a cavalhada. Vestidos de azul, cavaleiros da terra representavam os cristãos, e os de vermelho encarnavam os mulçumanos. Escolhidos a dedo, preparam-se o ano inteiro para esse momento de glória: mostrar a destreza no comando do cavalo, a precisão no manejo da lança e por fim, fazer com que seja proclamada a verdade cristã pela conversão dos mouros. Depois, juntos, vão se prostrar de joelhos aos pés do altar do Glorioso Santo Amaro. Espetáculo fascinante!

Mais uma voltinha pelas barracas, desta vez à procura de lembrancinhas da festa e a dura constatação: O Paraguai também é aqui …

A noite chega e começam os preparativos para o grande show de Wando. O locutor anuncia que “o maior cantor romântico e sensual do Brasil vai deixar o público molhadinho com pêssegos em compotas e vai distribuir as mais excitantes calcinhas que uma mulher já usou para o seu homem”. Esse atrevimento foi considerado por alguns mais conservadores como uma afronta, uma imperdoável profanação.

Quando a missa acabou, foram contar o ocorrido para o padre e quase que o show foi cancelado.

Wando era considerado brega demais para a galera e ficou decidida a volta pra Campos antes mesmo do início do show. Nesse momento, passou a procissão e a banda tocava o “Queremos Deus, que é nosso Pai, queremos Deus que é nosso irmão”, entrando aí a tuba com o inesquecível “pom, pom-rom, pom, pom, pom, pom”.

A volta foi um silêncio só, depois de tanta cerveja, cachaça, traçado, peixada, pimenta, e outras especiarias.

– Chegamos! Anuncia o professor que, com a proteção do Santo, conseguira trazer o carro, acordando a todos, deixando-os em casa com uma agradável sensação de felicidade por ter feito a iniciação daqueles jovens em tão relevante traço cultural do jeito especial de  ser campista.

Leonardo entrou em casa com um misto de pânico e remorso por ter gasto, na farra, parte daquele dinheiro que lhe fora confiado para depositar. Tomou a decisão de falar a verdade.Chegou logo dizendo o que havia acontecido e pediu perdão, entregando ao avô o maço com o dinheiro que restara e abaixou a cabeça, olhos fechados.

O avô, perturbado com a situação, começou a contar o dinheiro pra sentir o tamanho do prejuízo.

– Ué, tá certinho! Exclamou. Tá tudo aqui. Não falta nem um tostão! Vai dormir menino, você bebeu demais e saiu do sério.

Leonardo, atordoado como fica todo ateu que se preza numa situação assim, saiu da sala falando sozinho:

– Não pode ser. Não posso acreditar. Como? Eu gastei. Eu vi, eu gastei!

Foi sentar na varanda e respirar o ar fresco da noite. Num dado momento, uma frase, que ouvira mais cedo, ficou martelando sua cabeça.

– … Dia de Santo Amaro tudo pode acontecer.

Será?

Cansado, foi dormir. Sonhou com a imagem do Santo dando-lhe uma piscadinha brejeira e um sorriso maroto.

 

 (*) Hélio Coelho é Professor da FDC e da UFF/Campos. É da Academia Campista de Letras.

Violência à tarde em Atafona e à noite em Grussaí: dois feridos a tiros em show

Em comentário aqui, a jornalista Márcia Lemos informou ao blog sobre mais uma confusão que terminou com feridos à bala em São João da Barra. Se na tarde de ontem, o palco da violência foi Atafona, com um morto e dois feridos por tiros disparados por um agente penitenciário, à noite foi a vez do desapreço pela vida humana cruzar a av. Atlântica para se manifestar em Grussaí. Lá, num show do cantor Tomate, dois jovens (Leonardo da Costa Constante, de 26 anos, e Guilherme de Souza Vieira, 23) teriam sido feridos a tiros, um no rosto e outro no abdómen. O primeiro seria sanjoanense, se chamaria Leonardo e teria sido encaminhado ao Hospital Ferreira Machado, onde estaria fora de perigo (foi liberado na manhã de hoje). O segundo (Guilherme, também liberado hoje do HFM) não seria residente do município e também não teria sofrido ferimento fatal.

Depois de se manifestar no Farol, alguns anos atrás, parece que a violência neste verão se mudou de mala e cuia para as praias do município vizinho de São João da Barra. Veremos o que as autoridades pretendem fazer sobre a questão.

 

Atualização às 15h40: Segundo informou aqui o portal sanjoanense OZK News, os dois rapazes feridos no show em Grussaí seriam Leonardo da Costa Costante, de 26 anos, e Guilherme de Souza Vieira, 23. O primeiro teria levado um tiro na boca e o segundo no abdomén, sendo ambos encaminhados ao Hospital Ferreira Machado, de onde já teriam recebido alta na manhã de hoje. Ainda de acordo com o portal, Leonardo seria primo de Bruno Costa, secretário de Comunicação de São João da Barra. Embora descrito por testemunhas, o autor dos disparos ainda não teria sido identificado ou preso pela Polícia.

Atualização às 15h58: Leonardo é mesmo primo do secretário de Comunicação sanjoanense, Bruno Costa. Ele estava no show em companhia da noiva, foi ao banheiro e quando voltava, foi atingido por uma bala perdida, que lhe atingiu na boca. Ele também já trabalhou na administração municipal, como diretor de marketing da secretaria de Turismo, mas saiu para trabalhar na empresa TNT, que presta serviço de iluminação pública em São João da Barra.

Atualização às 16h50: Segundo o repórter da Folha Mário Sérgio Júnior apurou com o comandante do 8º BPM, tenente coronel Lúcio Flávio Barachio, o policiamento ostensivo já havia sido previamente reforçado nas praias tanto de São João da Barra, quanto de Campos e São Francisco de Itabapoana. Em todo caso, devido aos acontecimentos violentos ontem, em Atafona e depois em Grussaí, a PM vai intensificar a fiscalização nas vias de acesso àqueles dois balneários sanjoanenses, com blitzen em todos os finais de semana, em busca de armas e drogas, até o final do verão.

Atualização às 17h01: Comandante da Guarda Municipal de São João da Barra, Leandro Ferreira revelou ao blog que conta com efetivo de 270 homens, sendo 55 guardas concursados e 215 seguranças contratados de empresas terceirizadas. Ele informou ainda que um serviço de monitoramento com câmeras é feito durante os eventos de verão. Todavia, no caso dos tiros em Grussaí, pelo contato que manteve com a empresa que faz as filmagens, nada teria sido regitrado porque a confusão ocorreu em área  próxima, não dentro do show.

Ricardo André, the Lion Heart

Aqui, Jane Nunes anunciou que, após sofrer seu terceiro infarto, o jornalista, blogueiro e amigo comum Ricardo André Vasconcelos já está em casa e passa bem. Aqui, já sabendo do sucesso da sua angioplastia, na quinta-feira, da qual fui solidariamente avisado pela própria Jane, escrevi sutilmente sobre o caso, entre outros igualmente graves e simultâneos, com pessoas igualmente queridas.

Seja como jornalista (lida da qual se diz aposentado), blogueiro, funcionário público e, sobretudo, como homem, Ricardo é um porto seguro para valores éticos e de caráter, infelizmente, cada vez mais raros. A felicidade sincera por sua pronta recuperação, portanto, não nasce de nenhum altruísmo, mas do sentimento mais egoísta possível. É que com ele vivo e bem, todos aqueles que o amam, como eu, têm a certeza de estarem (e serem) também melhores.

 

Atualização às 15h11 de 17/01/11 para relegar à relevância menor (e ainda assim superestimada) de comentário quem não consegue nem mais gerá-los no próprio blog.

Discussão por jet-skis em Atafona acaba com um morto e dois feridos à bala

Daniel Menezes chegando à 134ª DP (foto de Mariana Ricci)
Daniel Menezes chegando à 134ª DP (foto de Mariana Ricci)

 

Uma discussão por conta de jet-kis, no cais nos fundos da Igreja Nossa Senhora da Penha, em Atafona, acabou com três baleados (um morto e dois feridos). Segundo testemunhas, um grupo de pessoas estava atracando um jet-ski, enquanto um homem, identificado como agente penitenciário (Daniel Menezes Pinheiro, de 27 anos), queria colocar o seu na água (na verdade, teria sido o oposto). Iniciou-se uma discussão, na qual o agente agente teria puxado uma arma (uma pistola Taurus PT, calibre 380) e baleado um rapaz (Douglas de Moura Monteiro, 17 anos, que levou três tiros e morreu). O atirador teria levado então um murro, caído no chão e efetuado mais três ou quatro disparos, atingindo mais duas pessoas (o pai, Alessandro Pessanha Monteiro, 38 anos, e o tio de Douglas, Marcos Antônio Pessanha Monteiro, 48 anos ). Socorridas na Santa Casa de Misericórdia de São João da Barra, as vítimas estão sendo encaminhadas, neste momento, para o Hospital Ferreira Machado, em Campos. O suspeito teria fugido do local, mas acabaria interceptado e detido pela PM na BR 356. Ele está na 145ª DP, mas será também encaminhado para Campos, na 134ª DP, onde o delegado de plantão fará o registro de ocorrência.

Daqui a pouco, maiores detalhes do caso…

 

Atualização às 18h22: As vítimas acabaram de chegar ao Hospital Ferreira Machado. São um filho, seu pai e seu tio, um deles, que teria levado três tiros, em estado gravíssimo. Na Santa Casa de SJB, foi informado o nome dos dois irmãos: Alessandro Pessanha Monteiro, de 38 anos, e Marcos Antônio Pessanha Monteiro, de 48.

Atalização às 18h32: Ainda sem identificação disponível, o mais novo dos três baleados, de apenas 17 anos, junto com seu pai e seu tio, não resistiu aos ferimentos e acabou de morrer no Hospital Ferreira Machado. Aqui, o portal OZK News, de São João da Barra, traz flagrantes de imagens sobre o caso.

Atualização às 19h02: O autor dos disparos foi identificado como Daniel Menezes Pinheiro, de 27 anos. Agente penitenciário, ele teria usado uma pistola Taurus PT, calibre 380.

Atualização às 19h11: Autor dos disparos, o agente penitenciário Daniel Menezes Pinheiro estava acompanhado de dois amigos, que testemunharam o caso, mas não teriam participado da ação. Os três ainda estão na 145ª DP, em São João da Barra, de onde serão conduzidos daqui a pouco, para a 134ª DP, em Campos.

Atualização às 19h15: Segundo fonte ainda não oficial, a versão do agente penitenciário Daniel Menezes seria de que, após a discussão sobre vaga para desembarcar jets skis no cais, os três baleados partiram para cima dele, que teria puxado a arma e efetuado os disparos (pelo menos cinco) para se defender.

Atualização às 19h28: O nome do rapaz,  de 17 anos, que teria levado três tiros do agente penitenciário e morrido (informação ainda não confirmada pelo HFM), é Douglas de Moura Monteiro.

Atualização às 20h43: Ao contrário das primeiras informações apuradas pelo blog, quem estaria retirando seu jet ski da água seria o agente penitenciário Daniel Menezes, enquanto Douglas, seu pai (Alessandro) e seu tio (Marcos Antônio), estariam querendo colocar o deles na água. Segundo um amigo das vítimas, presente na 134ª DP para depor, o agente penitenciário teria tirado a arma do seu jet ski.

Tempo, camundongo pela sala

“A tempo passa tão rápido quanto um camundongo pela sala”. A definição do ator, dramaturgo e cineasta Domingos Oliveira, é perfeita para cada um de nós, não só quando examinamos em perspectiva tudo que já se passou em nossas vidas, como ao lembramos daqueles que passaram por elas e, fisicamente, já não estão mais entre nós. 

Há exato um ano, o amigo Marcos Ribeiro Gomes faleceu precocemente após um acidente de carro. No mesmo dia, escrevi um texto que foi publicado na edição impressa da Folha do dia seguinte, e que meu irmão, Christiano Abreu Barbosa, republicou aqui, em seu “Ponto de Vista”. Depois, Christiano escreveria aqui seu próprio testemunho sobre nosso amigo comum, que tantas saudades deixou. No sentido de matá-las para tornar nossas lembranças mais vivas, seguem abaixo, republicados, os dois escritos, dos dois irmãos…

 

 

 

imão1Como cresce um pai 

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Madrugada de Atafona. Verão de 1989. Na escuridão de um bar abandonado, iluminado apenas pela precoce brasa de cigarros, com o Paraíba do Sul correndo ao lado para desaguar no Atlântico, três adolescentes sobrevivem ao abandono prudente dos demais amigos, após mais cervejas do que seria recomendado àquele tempo em que a vida ainda parecia guardar tantas descobertas quanto o oceano espraiado diante deles, negro de noite e prata de lua.

Trilha sonora composta pelo violão e voz de Paulo Vitor Cortes Lopes, o “Aranha”, com direito a backing vocal meu e do Marcos Ribeiro Gomes, varei a primeira noite da minha vida na mais genuína tradição boêmia. Cantamos, bebemos, tocamos (Paulo Vitor), fumamos (Marcos e eu), identificamos  e demos solução a todos os problemas do mundo.

Só quando os dedos róseos de Homero começavam a apontar no horizonte, abrimos nossa procissão cambaleante e ruidosa, pelas ruas de terra batida de Atafona, de volta às nossas casas.

Não sei se aquela noite teve para Marcos e Paulo Vitor a mesma importância, o mesmo gosto inconfundível de rito de passagem cumprido. Para mim, como o Luiz Fernando Veríssimo diz sobre quando viu Charlie Parker tocar e Puskas jogar, é uma das lembranças que guardo num estojo.

Sobretudo quando se dá em meio a um cenário mágico daqueles, a primeira noite virada com amigos, cerveja e violão, equivale ao primeiro beijo, ao primeiro grito de gol no Maracanã, ao primeiro carro, à primeira transa, ao primeiro nocaute imposto ou recebido numa briga, ao primeiro filho, à nossa primeira casa, quando ela já não é a mesma dos nossos pais.

Foi quando ela ainda era, que conheci o Marcos. Ele foi colega de meu irmão, Christiano, durante todo o antigo segundo grau, no saudoso PA. Chegou a ser também meu, naquele mesmo 1989, depois que resolvi repetir o ano letivo anterior, para posar de James Dean caboclo como rebelde sem causa.

Em todo caso, naquela época, quem tinha o apelido de “Maluco” era o Marcos. Não porque tivesse praticado nenhuma tolice acadêmica como a minha, ou demonstrado, antes ou depois daquela noite em Atafona, um gosto mais destacado pela boemia, como foi o caso do Paulo Vitor e meu. Diferente de nós dois, ele sempre foi um dos sujeitos mais centrados que conheci.

Dado, se não me engano, pelo Rafael Abud, o apelido vinha em parte pelo fato do Marcos ser um tricolor dolosa e assumidamente alienado em futebol, assunto que dominava todas as rodas de conversas masculinas, nos intervalos do PA. “Qual o time atual do Fluminense, Marcos?”, perguntava um colega de escola, nos fins daqueles anos 80, ao que outro, diante apenas do riso do indagado, respondia por ele, dando a defasada escalação do Flu campeão brasileiro, anos antes, em 1984.

A piada se repetia até os dias atuais, sem que a maioria talvez nunca tenha constatado que a ironia maior está em quem é capaz de rir de si mesmo, por algo que optou em ignorar, satirizando no fundo o que parece ser tão importante aos demais.

Mas a característica pessoal que mais parecia justificar a alcunha de “Maluco”, me parecia ser a sua introspecção. Muito embora, após conhecer a pessoa, ele até fosse um cara bem falante, Marcos costumava jogar na defensiva no primeiro contato.

Por iniciativa minha, busquei abreviar essa barreira inicial dele, tão logo me disseram se tratar de um camarada extremamente inteligente. E essa fama tinha reforço ao se dar numa turma cheia de CDFs, como aquela do PA, com gente como Christiano, Rafael, Cesinha Boynard, Luiz Vieira, Heitor Campinho, Juliana Carneiro e Erasmo Júnior.

Encerrado o segundo grau, Marcos continuou a fazer valer sua capacidade intelectual, ao passar e se formar como engenheiro civil na concorrida UFRJ, conquistando depois igual destaque no exercício da profissão. Mas, muito além dos compartimentos da academia e da labuta, sua cultura e sua sensibilidade, a quem tivesse olhos de ver, sempre foram tangíveis em sua personalidade.

Nas nossas conversas mais assíduas na adolescência, ou bem mais espaçadas da vida adulta, ele era uma das poucas pessoas nas “rodas sociais” de Campos, com as quais você podia topar e exceder o óbvio quinteto temático masculino dinheiro/mulher/futebol/fofoca social/política local, para conversar também sobre coisas como literatura, história, antropologia, cinema, teatro, Brasil e mundo.

Tarde de Atafona. Verão de 2011. Após cozinhar e saborear uma moqueca com minha esposa e filho, Paulo Vitor buzina no portão de casa. Meio a contragosto, barriga ainda pesada de peixe, marisco, dendê, pirão e pimenta, levantei do tapete da sala, onde costumo horizontalizar a digestão, para atender ao velho amigo, que me contou do acidente do dia anterior, com Marcos.

Numa sucessão rápida de ligações, após saber de uma parada cardíaca inesperada e da gravidade do quadro, pego o carro e venho a Campos. Na direção, em meio à chuva, quase chegando ao trevo de Grussaí, o celular toca. Com a voz chorosa como o tempo, Christiano me diz: “Marcos acabou de morrer!”.

Não sei se foi coincidência que Paulo Vitor tenha sido o mensageiro original da notícia, recebida naquela mesma Atafona de 22 anos atrás. Na dúvida, fico com Nietzsche: “Coincidências não há”. Nesta maioridade civil de direito daquela nossa emancipação ébria de fato, ao olhar para trás, prefiro ficar e deixar como imagem do Marcos, a última que registrei dele em vida, num churrasco de confraternização, em dezembro último, no prédio de Christiano: com seu pequeno Tomás no colo, de dois anos, brincando com uma das mãos entre os caracóis dos cabelos do filho.

Um ícone da nossa geração afirmou para indagar: “São crianças como você/ O que você vai ser/ Quando você crescer?”. Pois daquela madrugada alegre em Atafona até o luto sentido de hoje, a mim basta saber que Marcos cresceu o suficiente para se tornar um bom pai.

 

 

imão2O melhor de todos

Por Christiano Abreu Barbosa

 

Entrei na Escola Santo Antônio, em 1980, com 6 anos, para cursar a hoje antiga 1ª série. Na escola comandada pela professora Vilma Tâmega, onde atualmente funciona o Hortifruti, conheci Marcos Ribeiro Gomes.

Desta época, lembro de um aniversário dele, no casarão da rua Doutor Olímpio Pinto. Criado em apartamento desde que nasci, fiquei impressionado com o espaço que a casa proporcionava para o corre-corre de nós crianças.

Do Santo Antônio, fui estudar no Liceu, em 1984, onde encontraria César Boynard e Juliana Carneiro. Marcos foi estudar no Auxiliadora, no mesmo ano, onde encontrou Rafael Abud, Felipe Marins, Maron El Kik, Heitor Campinho, Rodrigo Damiano e Luiz Rodrigo.

Nos encontraríamos de novo em 1988, no Colégio PA, onde todo esse grupo, então com 14 anos, se reuniu em uma mesma turma letiva, unindo alunos vindos do Liceu e do Auxiliadora, antagonistas entre educação pública e privada, na época em que a educação do estado a nível de 1º grau competia com a particular.

Para completar a diversidade da turma, o português Luís Vieira, que encontraria em Marcos e sua família a sua calorosa acolhida no nosso país, Eugênio Moraes, Leonardo Gama e Erasmo Jr, entre outos.

A liberdade que o modelo de ensino do PA trazia para Campos, aliado ao bom nível dos professores, muitos vindos de fora, ajudou a formar a cabeça desta promissora turma, na qual Marcos se destacava.

Os intensos três anos passados no PA, no período efervescente da adolescência, uniram um grupo que depois jamais se separaria, ainda que nunca mais estudassem juntos novamente. Ali foi formado o apelido juvenil desta turma, que é mantido até hoje, apesar dos cabelos já grisalhos e das entradas proeminentes: galera.

A bem da verdade, Marcos somente estudou no PA por um ano e meio. Ele fez intercâmbio nos EUA por seis meses e no último ano foi estudar no Rio, visando sua preparação para o vestibular.

Estudioso, responsável e inteligente, Marcos passou com louvor para engenharia civil na concorrida UFRJ. Como ele, a grande maioria da galera passou em vestibulares para o Rio. Na época, as opções em Campos se restringiam a Medicina, Direito, Odontologia e Comunicação Social.

A união dos tempos de PA prosseguiu no Rio, que foi berço de grande lapidação de nossa formação, com todas as suas possibilidades. O contato com outros valores, diferentes dos encontrados em nossa cidade, nos deu uma amplitude de visão maior do que a média local.

No Rio vivemos amores, desamores, andamos de ônibus, andamos de carro, estudamos, nos divertimos, estagiamos, trabalhamos. Vivemos juntos os arroubos da juventude.

Pouco a pouco, a maioria retornou a Campos, após estarmos formados. Em novembro de 1999, Marcos se casou com Ana Lúcia, que seria sua grande companheira de vida. Sempre discreto, ele fez a cerimônia na casa de seu pai, em linda festa.

Em 2002, nasceu Daniel, seu primeiro filho. A nova família se completaria em 2008, com a chegada de Tomás. Nós todos vivenciamos, juntos, as etapas da vida: casamento, casa própria, rebentos e crescimento profissional. Jamais perdemos contato, tendo em Marcos um dos principais elementos agregadores, e ainda tivemos alguns importantes acréscimos.

No plano profissional, ele vinha conduzindo a Conenge Engenharia com extrema competência, levando-a a ser a principal referência nos grandes condomínios verticais da cidade, em parceria com a Cyrela, a principal construtora do país.

Na última quinta-feira, estava saindo do jornal para buscar a minha mulher e pegarmos a última sessão do cinema. O celular tocou e soube do acidente. Rumo ao Ferreira Machado. Dentro do hospital, tive o meu último contato com ele. No dia seguinte, já no Beda, recebemos, em nossa vigília no saguão, a inesperada notícia do seu falecimento.

Pela união e história de vida conjunta, acabamos todos nos tornando uma segunda família uns dos outros. Somos irmãos de vida, ainda que não tenhamos esta lacuna em nossas famílias.

A nossa perda não foi só de um amigo, foi de um irmão, o que tornou ainda mais sofrida a despedida, até então inédita entre nós. Na dor e na busca de explicações onde não há, o alento veio no belo texto de Aluysio, meu irmão, e de uma senhora loura, que cantou bonitos hinos no velório.

Nas intermináveis horas que se seguiram, a busca por explicações insistia em continuar. Olho para Bárbara, há cinco meses no ventre de minha esposa. Vejo Maria Luiza, a menos de um mês de ter Maria Júlia. Chega o pequeno Tomás e com ele os traços e a continuação do DNA do pai, além dos caracóis do cabelo narrados em prosa por Aluysio. Ouço Vitória, minha filha de 11 anos, contar que na sexta-feira, dia do falecimento de Marcos, teve a sua menarca.

A própria vida se encarrega de mostrar que ela é um ciclo e que estamos aqui somente de passagem.

Na nossa breve despedida, cujos laços se perpetuarão em sua esposa e filhos, decidimos, lembrando a retidão de caráter e a pureza de alma de Marcos, colocar uma frase em nossa coroa de flores em sua homenagem, que o sintetiza: “Ao melhor de todos. Saudades da galera”.

 

Atualização às 19h56: De plantão na Folha, ainda à espera do fechamento da ocorrência policial para concluir a cobertura jornalística do lamentável episódio de hoje em Atafona, relatado no post acima e inverso às lembranças do verão descrito em meu texto neste post, recebi a ligação de Christiano para me lembrar que hoje é aniversário de Daniel, filho mais velho de Marcos. Também por telefone, acabei de dar os parabéns ao primogênito do amigo saudoso. Prenhe de razão está meu irmão em seu texto: esta vida é um ciclo. Saibamos, pois, aproveitar nossa passagem.

O que Soffiati vai propor ao MPF como solução às cheias

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

O relatório que o historiador ambiental Arthur Soffiati está preparando a pedido do procurador da República Eduardo Oliveira, a partir das vistorias feitas ontem, junto com uma equipe técnica do Ministério Público Federal (MPF), só será entregue próxima segunda-feira. Entretanto,  por telefone, o ambientalista adiantou ao blogueiro os principais pontos do que pretende, com os devidos detahles técnicos, recomendar ao MPF.

Em linhas gerais, serão quatro pontos:

1) Transposição das casas da localidade de Três Vendas, em Campos, e das partes baixas da cidade de Cardoso Moreira, nas duas margens do Muriaé, para áreas mais altas. Os habitantes da primeira, poderiam ser inseridos no programa “Morar Feliz”. Já os cardosenses residentes nas áreas baixas da cidade, teriam que ser atendidos por um programa habitacional naquele município.

2) Utilização das lagoas como áreas de escape para as águas dos rios, opção ignorada pela ação humana nesta última cheia. Em relação ao Paraíba do Sul, das lagoas vistoriadas, poderiam ser usadas a Cantagalo, que está praticamente seca, e a do Jacu, que está fechada. Já quanto ao Muriaé, poderiam ser usadas as lagoas Limpa, que está sem água do rio ainda cheio; a Boa Vista e a Lameira, que receberam água da cheia; além da lagoa do Onça, que foi drenada e transformada num canavial, hoje parcialmente abandonado com a inatividade da usina Sapucaia e inundado pelas águas que buscaram seu lugar natural.

3) Além das lagoas, o ambientalista também vai propor que o uso de terrenos de várzea como áreas de escape às águas dos rios. Diferente das lagoas, que são patrimônio público, essas áreas de várzea, hoje nas mãos de particulares, teriam que ser desapropriadas.  

4) Quanto à questão de se apurar responsabilidades, a única que Soffiati foi capaz de atribuir foi a do Insitituto Estadual do Ambiente (Inea), do governo fluminense, em relação ao abandono das lagoas. Ele cita como exemplo a lagoa Limpa, que não pode ser usada para receber a água do rio Muriaé porque seu sistema de comportas, abandonado há oito anos, está completamente enferrujado e inutilizado.

 

Em outra frente, mas partindo da mesma fonte, relevante ainda ressaltar que a blogueira Gianna Barcelos, além de postar aqui, em seu “Reflexões”, o artigo escrito por Soffiati a pedido deste “Opiniões”, encaminhou as propostas do ambientalista com soluções definitivas para as cheias em toda a região para a presidência da República, o ministério da Casa Civil e o vice-governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, que revelou aqui os projetos que o governo estadual apresentou ao federal para tentar resolver o problema.