Na letra de Lobão e na paródia de Russo, uma pocilga chamada Brasil

Renato Russo e Lobão em entrevista à revista Elle, edição de julho de 1995 (clique na imagem para ampliá-la)
Lobão e Renato Russo em entrevista conjunta à revista Elle, edição de julho de 1995 (clique na imagem para ampliá-la)

Não dá para saber como Cazuza (1958/90) e Renato Russo (1960/96) estariam hoje cantando o Brasil há uma década governado pelo PT. De qualquer maneira, letras como “Brasil” e “Que país é esse?” dão boas pistas, assim como a opinião presente de Lobão, tão talentoso e polêmico quanto qualquer um dos seus pares do BRock, que após ter apoiado Lula e o PT de graça, da campanha presidencial de 1989 até estourar escândalo do Mensalão, em 2005, passou a descer a lenha sobre o lulo-petismo e seus “carolas estatizados”, como fez com precisão cirúrgica na letra de “Aquarela do Brasil 2.0”, usada como prólogo do seu último (e necessário) livro, “Manifesto do Nada na Terra do Nunca” (aqui, a R$ 24,21, na Ponto Frio), numa ambiciosa, corrosiva, mas embasada e corajosa crítica sobre a cultura e a política brasileiras:

“Com a santa ignorância dos que defendem, cegos, surdos, suas teses

Acobertando num silêncio um tanto cínico, aloprados e bandidos

de um governo cheio de reveses,

catequizando suas verdades imutáveis e eternas,

a patrulhar, ameaçar, comprar, reprimir (quando não, simonalizar)

todos aqueles que não se alinharam

nessa patuscada triste que eles mesmos inventaram:

A inveja da Pobreza. A cartilha do bom brasileiro.

A terraplanagem é por baixo e a laje é o limite, companheiro!

Para o inferno, vocês, proprietários dessas verdades de merda.

Fascismo não é monopólio da direita nem da esquerda.

Fascismo é imposição inflexível e truculenta de verdades sacralizadas

(…)

O Brasil dos estupros consentidos na surdina,

dos superfaturamentos encarados como rotina,

dos desabamentos e enchentes de hora marcada,

de hospitais públicos em abandono genocida,

de subsídios da Cultura a artistas consagrados,

dos aeroportos em frangalhos, usuários indigentes,

de políticos grosseiros, como sempre, subornados,

de cabelos acaju e seus salários indecentes,

da educação sucateada pelo Estado

em sua paralisia ideológica, omissa e incompetente.

(…)

E não me venha com essa lenga-lenga do tipo

‘não gostou, se manda! vai pr’outro lugar!’,

porque estou aqui para exterminar:

vossa hiponga modorra, vossa preguiça macunaímica,

vosso caráter vacante, vossa antropofagia cínica,

pois esse lugar também me pertence,

e ninguém vai me calar. Ninguém vai me calar.

(…)

E no cagaço metafísico

da multidão de contritos telerredimidos

brota o pavor da morte, da vida, do sexo,

da doença, da pobreza e do castigo.

Fazendo bispos milionários,

gângsteres do paraíso,

lotearem pedacinhos do firmamento

para histéricos apocalípticos aguardarem…

o fim do mundo fora de perigo…

(…)

Bem vindos à Terra do Nunca!

Bem vindos a essa pocilga chamada Brasil!”

A obra e seu autor
A obra e seu autor


Quem não ler o novo livro de Lobão, assim como seu primeiro, o bestseller autobiográfico “50 anos a mil”, estará realmente perdendo a chance de conhecer seu próprio país pela visão de um genuíno (até por antítese a Genoíno) livre pensador do nosso tempo, dono de cultura e inteligência invejáveis, sem paúra de colocar os dedos em muitas das nossas feridas, inclusive as suas próprias. De qualquer maneira, como quem está na crista da onda é o Renato Russo e a sua (nossa) Legião Urbana, a partir dos filmes “Somos tão jovens” e “Faroeste caboclo”, ambos em cartaz nos cinemas de Campos, assim como de boa parte do Brasil, vale a pena também a conferida na esperta paródia da música transposta às telas no segundo filme, que vem registrando igual sucesso na democracia irrefreável das redes sociais…

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Este post tem 2 comentários

  1. Maria

    Que bom que ainda temos pessoas corajosas e inteligentes.

  2. Savio

    Esta letra da ‘pocilga’ feita pelo Lobão bem que podia se tornar o Hino Oficial de Campos! Menino, cabe justinho!

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