Artigo do domingo — Policial mau? Quem se habilita?

 

A história do policial bom e do policial mau é tão antiga quanto a política. No Brasil da “lei do jeitinho” do Canhotinha Gérson, criar dificuldades para tentar vender facilidades é um hábito que, desde as caravelas de Cabral, extrapola a seara policial, ainda que, como esta, tenha na esfera pública seu palco mais habitual ao protagonismo dos interesses privados. E estes ficam cada vez menos constrangidos no país onde, como escreveu o jornalista Guilherme Fiuza sobre a absolvição dos réus do Mensalão no Supremo, pelo crime de formação de quadrilha:

— O esquema que envolvia ministro de Estado, tesoureiro e presidente de partido, funcionário público graduado e outros companheiros fiéis, todos ligados por um mesmo despachante e uma mesma base operacional, agindo de forma orquestrada e sistemática para o mesmo e deliberado fim, não constituía uma quadrilha. Agora o Brasil já sabe: só há quadrilha quando criminosos que fazem tudo isso juntos são pessimistas perdidos na paisagem.

Lula, que não sabia de nada do Mensalão, mas pensa ter aprendido tudo que precisava saber sobre política a partir da sua atuação sindical, aproveitou um almoço com deputados petistas, no final do mês passado, para publicamente endossar seu apoio à pré-candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo do Rio. Mas talvez nem se possa supor que tenha querido bancar o “policial mau”, junto ao PMDB fluminense do governador Sérgio Cabral e de Luiz Fernando Pezão, vice e pré-candidato à sucessão. Luiz Inácio apenas agiu como quem ainda se julga o titular da delegacia, ou comandante do BPM.

Como a colcha de retalhos do PMDB vai além dos interesses oligárquicos dos senadores Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP), presidente e ex do Senado, ou das bandeiras paulistas fincadas no Palácio do Jaburu, com o vice-presidente (da República) Michel Temer, Cabral e Pezão se preservaram ao papel de “policiais bons” e deram armas e permissão para matar aos mais vocacionados, dentro do seu grupo teatral, para encarnar os maus. E, sem aspas ao adjetivo, quem mais apto do que Jorge Picciani, sem mandato após ser derrotado por Lindbergh na disputa ao Senado, e o deputado federal Eduardo Cunha, ex-amigo íntimo do nosso deputado Anthony Garotinho, quando este era governador do Rio, naqueles “bons e velhos tempos” que sonha agora reviver sob a chancela do PR?

Picciani partiu para o ataque, defendendo a aliança do PMDB com a pré-candidatura tucana de Aécio Neves a presidente, além de chamar de “delinquente e ladrão” o presidente estadual do PT, Washington Quaquá, também prefeito de Maricá. Mas o pior estaria por vir, com Eduardo Cunha liderando a bancada do PMDB e outros partidos descontentes da base governista, para impor à presidente Dilma Rousseff e seu PT uma derrota vexatória na Câmara Federal, na sessão da última terça, quando foi aprovada uma comissão para investigar na Holanda uma das tantas suspeitas de maracutaia na Petrobras, desde que foi transformada de empresa estatal internacionalmente competitiva em cabidário de empregos e interesses “companheiros” do PT.

Bem verdade que Cunha foi vitorioso após ganhar uma força desnecessária, num tiro saído pela culatra da tradicional incompetência petista, até para bancar o “policial mau”, quando soltou sua oligarquia companheira (de novo sem aspas) do PMDB no Senado, para tentar enquadrar publicamente o deputado rebelde. O resultado? Numa breve reedição, em pleno Planalto Central, daqueles “bons e velhos tempos” fluminenses, até os deputados do PR votaram obedientes ao comando do ex-amigo íntimo de Garotinho, no episódio bem definido por outro jornalista, o Merval Pereira: “O dia em que a presidente Dilma ficou menor que o deputado Eduardo Cunha”.

Diminuída ou finalmente desnuda (Deus nos livre!) em seu real tamanho, como num passe de mágica, Dilma recebeu prazenteira em Brasília os “policiais bons” Cabral e Pezão, na quinta, apenas dois dias depois de ser humilhada por Cunha. “Policial má” convertida em “bondade” pela necessidade desastrada da própria soberba, para consolidar sua pré-candidatura à reeleição por um PT que nunca deixou de sonhar com o retorno sebastianista de Luiz Inácio, a presidente destinou a este sua maldade, ao confidenciar aos convidados do Rio: “A candidatura de Lindbergh a governador é uma invenção de Lula”.

Mesmo amigo de Aécio desde antes dos “velhos e bons tempos” da intimidade ainda não prescrita entre Garotinho e Cunha, Cabral abriu seu saco de “bondades” e, em paga pré-acordada, declarou o apoio do PMDB fluminense ao projeto para reeleger Dilma.

Do Planalto Central à Planície Goitacá, com escala necessária pela Baía de Guanabara, o que será mais difícil para algum dos muitos vereadores descontentes da prefeita Rosinha? Encontrar a inteligência, a capacidade de liderança e a amoralidade pragmática de Eduardo Cunha? Ou achar a coragem para bancar o “policial mau” diante de Garotinho?

 

Publicado na edição impressa de hoje da Folha.

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