Em todos os quatro jogos nesta Copa, até as oitavas de final, a Seleção Brasileira podia ser resumida a um craque em busca de um time. Pois ontem, na arena Castelão, em Fortaleza, mesmo com a atuação apagada do craque, foi a boa apresentação do time que garantiu o primeiro jogo convincente do Brasil, ao vencer por 2 a 1 uma Colômbia que tinha uma campanha até então perfeita. E foi neste momento de aparente independência coletiva do seu maior valor individual, que o Brasil agora terá de se reafirmar como time, sem poder mais contar com seu grande craque, se quiser vencer a forte Alemanha na semifinal da próxima terça, dia 8, no Mineirão, para manter aceso o sonho de ser campeão do mundo de futebol dentro da própria casa.
Dentro dessas aparentes contradições, o jogo de ontem teve os gols brasileiros marcados por quem teria como função impedi-los: os zagueiros Thiago Silva e David Luiz. E o protagonismo dos dois grandes defensores, auxiliados pelo volante Fernandinho, outro marcador brasileiro em tarde inspirada, não impediu que também brilhasse o craque colombiano James Rodríguez, que ontem saiu da Copa, mas não sem antes marcar mais um gol e se isolar com seis como maior artilheiro da competição.
O equilíbrio entre as virtudes, com a balança do resultado pendendo com justiça a favor do Brasil, estaria completo, não fosse a fatalidade que, já perto do jogo acabar, se converteu em tragédia para 200 milhões de brasileiros e bilhões de admiradores do bom futebol a despeito de cores pátrias. Aos 41 minutos do segundo tempo, numa saída de bola da defesa brasileira, quando a Colômbia ainda buscava seu direito de sonhar, o lateral direito Zuniga acabou acertando o joelho nas costas de Neymar, em lance aparentemente sem intenção. Apesar de ter saído de campo de maca, chorando e com a mão ao rosto, ninguém ainda suspeitava do porvir.
E o espetáculo do campo, desde seu início, deu bons motivos para não se buscar nada fora dele. Logo aos seis minutos, o mesmo Neymar cobraria o escanteio que Thiago Silva desviaria de joelho canhoto para vencer o goleiro Ospina. E o zagueiro só entrou livre no segundo pau para abrir o placar, porque Fred e David Luiz puxaram a marcação no primeiro, numa jogada ensaiada que anunciou de cara a boa apresentação coletiva do Brasil que tanto se cobrava.
Também cobrado por seu equilíbrio emocional e sua capacidade de liderança, na disputa de pênaltis contra Chile, o capitão brasileiro saiu correndo após abrir o placar contra Colômbia, bateu no peito e gritou diante às câmeras de TV: “Isso aqui é a camisa do Brasil, porra!”
A conhecida marcação sob pressão do time de Felipão também funcionava, dificultando a saída de bola da habilidosa seleção colombiana, com destaque ao desempenho de Fernandinho. Bem verdade que, ao perceber a clara intenção do juiz espanhol Carlos Velasco de economizar nos cartões amarelos para evitar tirar alguém pendurado das semifinais, tanto o volante brasileiro, quanto companheiros e adversários, passaram a não economizar das entradas duras. Em todo o primeiro tempo, o craque James Rodríguez, além da atenção especial de Fernandinho, sofreu rodízio de faltas do time brasileiro.
No segundo, a Colômbia passou a dominar as ações ofensivas, em busca do empate. E o clima ficou mais tenso para o Brasil depois que Thiago Silva atrapalhou a saída de bola do goleiro Ospina, recebendo um cartão amarelo desnecessário, mas inevitável para o juiz, que o deixou o importante jogador suspenso para as semifinais contra a Alemanha. Caberia ao outro zagueiro brasileiro aliviar as tensões. Numa bela cobrança de falta, relativamente distante da área, David Luiz acertou uma bomba no ângulo esquerdo de Ospina, que chegou a tocar com a ponta dos dedos a bola venenosa.
Ainda assim, os colombianos não se intimidaram e continuaram a pressionar, mesmo se expondo às tentativas de contra-ataque, interceptadas em sua maioria pela atuação impecável de outro grande zagueiro: o veterano Yepes, ex-parceiro de Thiago Silva nos tempos do Milan. Seguros atrás, aos 32 minutos, o craque James Rodríguez achou o atacante Bacca dentro da área brasileira. Júlio César saiu e cometeu o pênalti claro, bem marcado pelo árbitro espanhol, cujo cartão amarelo dado ao goleiro acabou saindo barato.
Com categoria e um enorme e gafanhoto verde pousado ao acaso em seu ombro direito, o canhoto Rodríguez deslocou o goleiro brasileiro e cobrou no canto direito para diminuir. Ele pegou a bola e enquanto corria para reiniciar o jogo, ainda sem ver o inseto em seu ombro, beijou um nome que leva tatuado no mesmo braço. Segundo informaram, no Ceará aquele tipo de gafanhoto é chamado popularmente de “esperança”.
Aos 41 minutos, estava marcada pelo destino aquela fatídica dividida entre Zunida e Neymar, obrigando o craque brasileiro a sair de campo na maca, sob aplausos, mas chorando de dor. Antes da divulgação dos exames que apontariam uma fratura da terceira vértebra, excluindo sua participação desta Copa, outra cena de forte carga dramática ocorreu após o jogo, ainda dentro de campo. Ao perceber o jovem James Rodríguez em prantos, inconsolável por ser eliminado de uma Copa em que jogou bem e marcou gols em todos os jogos, David Luiz levantou o braço do colombiano e pediu que a torcida aplaudisse a quem saía de cabeça em pé, assim como fizera antes quem fora obrigado a sair de maca.
Esta Copa perdeu ontem dois dos seus maiores craques, flores do Lácio da América aos 22 anos. Mas o time de um deles permanece, com a esperança pousada sobre o ombro de uma nação.
Comovido pelo drama, como escreveu nas redes sociais e em português outro craque mais maduro, o alemão Bastian Schweinsteiger, agora de alma queimada do sol da Bahia e do Rio: “Vamos Brasil!”