Fernão Capelo Gaivota — O cineclubismo tem sua origem na França na década de 20 do século XX. No Brasil, ele surge em 1929 com o Cineclube Chaplin Club no Rio de Janeiro. Se dedica à exibição de filmes, promove discussões e análises sobre o cinema entre seus participantes (amantes da Sétima Arte) e foi responsáveis pela formação cinematográfica de grandes cineastas, entre os quais se podem destacar Glauber Rocha, Cacá Diegues, Jean-Luc Godard e Wim Wenders .
Em Campos dos Goytacazes, o Cineclube Goitacá que conta com a participação de universitários, médicos, advogados, dentistas, jornalistas, professores, produtores culturais, artistas e outros cinéfilos, reúne-se às quartas-feiras a partir de 19h30, no confortável e intimista Espaço Oráculo — 5º andar do edifício Medical Center, espaço com 30 lugares. Em sua programação, que sempre inicia com a exibição de curta metragem e logo depois um convidado que indica, apresenta e comanda o debate após a exibição, já foram exibidos filmes premiados nacional e internacionalmente, documentários, animações e clássicos da história cinematográfica, não necessariamente filmes de sucesso unânime de público e de crítica. Aí que os debates e análises ficam mais acirrados e interessantes.
Na próxima quarta-feira (29/04) o longa-metragem exibido, com apresentação do Sr. Peter Lamers, holandês radicado na planície goitacá, será “Fernão Capelo Gaivota” (“Jonathan Livingston Seagull” — no original). Uma produção da Paramount Pictures de 1973, com roteiro, produção e direção de Hall Bartlett, fotografia de Jack Couffer, trilha sonora de Neil Diamond e montagem de Frank P. Keller e James Galloway.
Adaptação cinematográfica espiritualista, que marcou uma geração e transformou o romance homônimo de Richard Bach num best-seller que vendeu 40 milhões de cópias e viajou por 70 países do mundo. A história é centrada em uma gaivota, de nome Fernão, que um dia decide que voar não deve ser apenas uma forma para a ave se movimentar. A história desenrola-se sobre o fascínio de Fernão pelas acrobacias que pode modificar e como isso transtorna o grupo de gaivotas do seu clã. A gaivota, que não se contenta em voar apenas para comer, tem prazer em voar e esforça-se em aprender tudo sobre vôo. Por ser diferente do bando, é banido. Em momentos complexos do enredo, notamos a arte do fotógrafo traduzindo as impressões de Fernão Capelo em seus vôos ascendentes. Cenas como a que vemos um bando de gaivotas sobre o lixo, contrastam com as tomadas de Fernão em pleno vôo, em que se dissolvem no céu uma matiz viva de luzes e sombras, evidenciando o caráter elevado da condição de Fernão em relação aos seus companheiros.
As cenas aéreas (são maioria) captadas por Hall Bartlett e Jack Couffer para contar os experimentos acrobáticos de Fernão junto ao seu bando e sua jornada de ida e volta em busca da perfeição pós-banimento, foram feitas com helicóptero (na época não existia a tecnologia dos drones), com imagens magníficas de vôos rasantes das aves ao pôr e nascer do sol à beira de penhascos, arrebentações de ondas em rochas, áreas desérticas, florestas cobertas de neve e até no lixão, quando aparecem os únicos registros com humanos — os operadores de máquinas. Como resultado a produção foi indicada ao Oscar 1974 para melhor fotografia e melhor montagem.
Com a excelente trilha sonora, o lendário Neil Diamond, depois de quase um ano de muita dedicação com sua equipe, lançou o LP Jonathan “Livingston Seagull” (1973) que voou direto para o topo da Billboard, ficando em 2º lugar. O disco acabou por vender 2 milhões de cópias nos EUA e por quatro anos deteve o recorde da trilha sonora mais bem-sucedida da história, até ser atropelada por “Embalos de sábado à noite” (1977). No Globo de Ouro de 1974, Neil Diamond foi nomeado para o “Best Original Song” (“Lonely Looking Sky”) e levou o cobiçado prêmio de “Best Original Score”. E não só: em 2 de março, na noite dos Grammys, Neil também levou a melhor, deixando dois pesos pesados do rock — Paul McCartney (Com “007 Viva e Deixe Morrer”) e Bob Dylan (“Pat Garrett e Billy the Kid”) — comendo poeira.
A recepção da crítica, na época de seu lançamento (1973), não foi nada favorável e chegou a ser descrito por Roger Ebert como “a maior enganação pseudo-metafísica do ano”. Na época, a Time arrasou o filme e sua “teosofia vomitante”. Depois de desdenhar a sua “pieguice”, o resenhista do New York Magazine conclui que o filme “é o tipo de lixo que só uma gaivota pode gostar”. O filme continua a ser mencionado todo ano na lista dos piores já feitos. A maioria das críticas bate na mesma tecla: dar voz aos monólogos internos de Fernão é um caso de vergonha alheia, um dos piores da história. Dói na alma ouvir as gaivotas trocando aforismos “iluminados”.
Fernão Capelo Gaivota é realização visionária, uma fábula sobre evolução espiritual que fala com sensibilidade dos desejos e fracassos humanos. No ato de voar de Fernão, ricas metáforas para a condição dos homens que compartilham o mesmo sonho da busca interior pela plena realização.
Exibição e debate de quarta-feira no Cineclube Goitacá serão viajantes.
Publicado hoje na Folha Dois
Confira o trailer do filme: