Poema do domingo — Falo dessacralizado

A partir do seu próprio blog, o jornalista campista Ocinei Trindade tem dado à luz (aqui) suas literatices em prosa e versos. Estes, quase sempre em tom confessional, se distinguem pela qualidade daqueles que caem na armadilha fácil (e chata) de confundir poesia com divã de analista. Muitas vezes fescenina, num erotismo latente, mas suavizado pela ironia, como ensinou nosso grande barroco Gregório de Matos, a obra de Ocinei não está mal representada no poema que o blog traz ao domingo, subvertendo em sua androginia toda a pompa e circunstância dada ao tema pelo genial Sigmund Freud, pai de todos os analistas.

Confira por conta própria:

 

Ode ao falo

 

ODE AO FALO 

 

Falemos do falo.

O falo fala.O meu falo além de falar, canta.

Tenta encantar também.

Samba no pé, samba na mão, que mal tem?

O falo sabe das coisas “como ninguém”.

Versátil, está na boca do céu de todo mundo.

Boca cheia, boca suja, boca imunda.

Meu falo até em bunda numa quizumba do cacete

Tudo falo entre quatro paredes.Quase tudo.

Quase teso, o tesão, o tesudo.

A língua do falo é animal, é Edmundo.

É meter porrada na vala e na cara do vagabundo.

O falo está em todas, paga geral.

Mas se mete em cada uma já que se acha o tal.

Esqueçam o falo falido.

Falo tem que ser bem sucedido.

Não é mole ser falo!

Isso eu falo de cadeira, porque se falo de cama,

Só de falar, já me dá canseira.

É duro ser falo, pois nem sempre é ereto.

Estar eternamente a ponto de bala, seria o correto.

Mas nem sempre é doce a iguaria.

Falo no cuscuz, na baba de moça, no olho de sogra.

Falo também no brigadeiro,

afinal que graça tem

Comê-lo se não for por inteiro?

E como, como!

Falo é poder,

é aspiração de cumprir dever.

Falo tudo sob pressão.

Se ameaçou, já tô botando pra fora.

É, muita história tem o falo pra contar.

Sabemos que nem tudo é festa.

O falo quase sempre vive uma vida modesta.

Reservado, escondido e humilhado sob camadas de tecidos.

É louco para aparecer, mas tem medo, receio,

Pois não sabe se será bem visto, correspondido.

Todo falo tem na cabeça o desejo de ser grande.

O mal do falo é pensar demais.

Na verdade, muito falo sofre por ser calculista.

Insiste em contar errado, vantagem.

Só aceita a partir de quinze, adora se iludir,

Mas também pra quê ser tão realista?

O falo é o máximo, mas também é o mínimo.

Faz parte do salário do pecado mais ínfimo.

É refém da moral, da mulher, do varal.

É escravo do bacanal, do labirinto vaginal.

Falo também é estuprado pelos apelos da carne,

Pela fúria do ânus,

pelo estranho sexo digital.

Falo é carnal, mas sabe ser inteiramente verbal, espírito.

Falo é macho, é fêmea, é gay.

Falo tem voz de Sinatra, Cauby ou Elis

Cantando “My Way”.

Falo é o caralho, é a porra, é a puta que pariu.

Falo é Campos, é Rio de Janeiro, é todo o Brasil.

Falo é o que faço.

Falo é o que prometeu, o que falhou,

o que não entendeu.

Não só falo como calo.

Falo sou EU!

 

(08.02.2004)

 

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Este post tem 4 comentários

  1. Gildo Henrique

    Belo poema. Matos & Guerra.

  2. Ocinei Trindade

    Grato e excitado por isto. Grato pela oportunidade. Um abraço falado a todos os leitores.

  3. Aluysio

    Caro Gildo,

    Sim, Matos & Guerra, nosso maior barroco e, para mim, o maior talento da história da poesia brasileira — o que não quer dizer o melhor poeta. Em “esgrima” com o poema de Ocinei, confira a tremenda ousadia do vate do séc. XVII:

    Mote

    Não quero mais do que tenho.

    A medida para o malho

    Pela taxa da Cafeira,

    Que tem do malho a craveira,

    São dois palmos de caralho:

    Não quer nisto dar um talho,

    E eu zombo do seu empenho,

    Pois tenho um palmo lenho,

    Com que outras putas desalmo,

    Inda que tenho um só palmo,

    Não quero mais do que tenho.

  4. Aluysio

    Caro Ocinei,

    O blog e, tenho certeza, os leitores, é quem agradecem por sua contribuição fálica à poesia goitacá.

    Abç fraterno!

    Aluysio

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