Era uma noite de 2008 sob a planície goitacá. Estava em companhia do diretor de teatro e poeta Antonio Roberto de Góis Cavalcanti, o Kapi (1955/2015), na casa ampla que ele alugara na Álvaro Tâmega e funcionou durante alguns anos, num dos seus tantos projetos megalômanos, como sede da produtora Kapitar. De arte e desbunde, aquele imóvel já vinha impregnado, vez que nele se criara o famoso pintor campista Ivald Granato, antes de ganhar São Paulo e o mundo. Buscava em Kapi um amigo com quem comungasse sensibilidade, para também dividir a felicidade pelas minhas duas novas paixões de então: por uma mulher e pela poesia do mineiro, radicado no Rio, Geraldo Carneiro, cujo livro “balada do impostor”, numa edição de 2006, eu havia comprado há pouco e desde então lia, relia, carregando-o a tiracolo por onde fosse.
Depois de mostrar para Kapi alguns versos do livro, liguei à mulher e li dois poemas, ambos com mesmo título, que julgava particularmente escritos para expressar meu sentimento. Mesmo que daquela paixão eu depois tenha involuntariamente gerado mágoa e ressentimento, dada a alternância das musas, tive Kapi por testemunha amiga de quão belo foi o momento. Tanto quanto os dois poemas do Geraldo continuam sendo. Abaixo, entre eles e não por acaso, o “Choro bandido” de Chico Buarque e Edu Lobo, na companhia sempre bem vinda do “maestro soberano” Antônio Brasileiro (1927/94):
navegações
sou quase tão insano quanto Dona Maria,
[a Louca.
preciso espairecer, ser e não ser,
senão naufrago no meu próprio mar.
preciso navegar uma mulher
que me devolva a minha solidão
para que torne a ser o rei dos turcos
e, às vésperas de tomar Constantinopla,
possa dizer adeus a todas as pompas,
depois mirar a proa do meu barco
[no rumo do infinito
e enfunar as velas de púrpura
por pura inspiração do teu amor
em qualquer mediterrâneo da imaginação
eu na galera de Nabucodonosor
navegações (2)
meu coração inventa seus abismos
à revelia do que eu queria ser.
surfo nas águas desse não saber
em que me lanço por navegações
que não supunha minhas.
minha nave singra suas singraduras
conforme os instrumentos que me invento
ou o vento que me enfune as velas:
amar é o mar em que me precipito
e sonho ser mais vasto do que sou.
com essas graças me acrescento e parto:
a solidão é só a miragem-cais
onde se ancora o coração
em busca do que é nunca e não
Um domingo coroado com Poesia e Música, feito diamantes, só pode ser um bom domingo.
Dormia eu. Acordei agora no finzinho de tarde de domingo. Sonhara com minha mãe aos risos comigo. Ela já se foi. Kapi, musas, poetas e varões também. Ficou a poesia hoje.
Caro Sérgio,
Graças a Deus, está sendo.
Abç e bom restinho de domingo!
Aluysio
Caro Ocinei,
Td passa, mas nem td deixa poesia. Tampouco eco de risos em nossos sonhos.
Abç e bom domingo!
Aluysio
Lindo: ” …a solidão é só miragem-cais
onde se ancora o coração
em busca do que é nunca …”
Cara Darcy,
Sim, é. Não por acaso, considero o Geraldo um dos bons poetas brasileiros da atualidade.
Abç, grato pela troca e uma ótima semana!
Aluysio