Ainda FDP! — Para o tímido, a libertação; para o exibido, a glória

Ao reverberar no leito da cultura de Campos o impacto do Festival Doces Palavras (FDP!), realizado entre a quarta-feira (23) e domingo (27) da semana passada, o blog reproduziu alguns textos publicados na Folha da Manhã no correr desta semana. Da abertura do “Ponto Final” (aqui) da edição de terça, à crônica do escritor capixaba Fabio Bottrel (aqui) e do artigo do advogado e blogueiro José Paes Neto (aqui), publicados ambos na quinta, ao artigo de sexta do vereador e pré-candidato a prefeito Rafael Diniz (aqui), este “Opiniões” cometeu a falha imperdoável de não reproduzir também o belo misto de artigo e crônica de Sérgio Arruda de Moura, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em sua coluna semanal “Paralaxe”, publicada toda sexta na Folha Dois.

Mais atento, o grande idealizador do FDP!, o também professor Vitor Menezes, fez aqui o registro devido do refexivo texto de Sérgio, das páginas da Folha à democracia irrefreável das redes sociais, que o blog agora pede licença, antes tarde do que nunca, para também ecoar:

 

 

coreto do Liceu

 

 

Professor Sérgio Arruda de Moura
Professor Sérgio Arruda de Moura

O coreto e a praça

 

A última semana em Campos serviu a muitos propósitos, um deles mostrar a cidade iluminada à noite no seu endereço mais nobre: a praça do Liceu. Espaço privilegiado da cidade, esta praça não está sozinha, acompanhada que se encontra do galante Liceu de Artes e Humanidade, da formosa Casa de Cultura Villa Maria, da majestosa Câmara dos Vereadores e da laboriosa sede da OAB na cidade. O motivo: servir de espaço ao mais novo item de consumo cultural, intelectual e artístico da região, o Festival Doces Palavras.

Segundo a cabeça iluminada de seu criador, o jornalista Vitor Menezes, mais que uma festa do livro ou uma bienal, que aliás já temos, é um Festival múltiplo que venha conjugara arte da palavra com a arte do doce, talento mais que provado da cidade. E não só isso: a reinterpretação acadêmica e memorialista de sua história, a reflexão política de suas contradições, a retomada da voz aos que se encontravam calados.

A praça e o coreto de Campos voltam a simbolizar mais intensamente, no intenso papel de trânsito que têm na cidade. A praça, que tem função de confraternização, harmonia e encontro — função que acaba sendo vital se considerarmos a cidade como organismo vivo e pulsante — volta a ouvir a banda passar. O coreto, então, é o coração dela, de onde também reverberam os acordes da charanga, da guitarra, da sanfona. É praça e, definitivamente, do povo.

Viajando por esse Brasil afora, a cena se repete: tanto é a praça quanto o coreto, dispositivos de vida e de pulsação. Em muitas cidades o único aparelho cultural a disposição democraticamente. Não tirem a praça do povo nem o coreto, porque é lá onde tudo se resolve e se intensifica. A praça é o antigo chão do nascimento da cidade, e o coreto o batistério.

Em Campos também foi assim: uma praça, antigo jardim de uma casa burguesa ou aristocrática, e bem no centro o coreto. É assim que a cidade acaba consagrando, ao lado da igreja, mais uma de suas principais devoções: o entretenimento.

Pelo que vimos durante o Festival Doces Palavras, podemos fazer uma ideia precisa do que o coreto significou para a cidade durante os séculos. O coreto é a boa intenção da festa, é o lugar da melhor festa. É o primeiro indício de que a cidade é boa, apresentando-se ao visitante e ao seu nativo habitante como uma casinha sem paredes, santificada no alto, democrática, portanto sem portas e sem janelas, nem fechadas nem abertas. O coreto é um bem tombado desde sempre no coração do povo.

E Campos dos Goytacazes é assim: uma cidade de janelas e portas abertas, especialmente com tantas varandas naturais debruçadas sobre o rio Paraíba, de largura e extensão tão majestosa, que acaba levando consigo a cidade para outros recantos.

Cidade bem recortada, Campos não tem apenas um coreto e uma praça. Outros espaços como o coreto do jardim São Benedito, o chafariz da praça São Salvador, o palácio da Cultura, auditórios universitários, centro de Convenções e passarela do samba são sintomas do que se faz por cá.

Tantos lugares aprazíveis e práticos dão bem uma ideia das diversas salas de estar de que a cidade dispõe. Daí a acolher um Festival são só o projeto e o esforço que ficam faltando.

E esse esforço resultou no Festival Doces Palavras, pelas mãos fortes da Associação de Imprensa Campista, da Academia Campista de Letras e da administração pública.

Os exemplos de festivais como esse vêm de longa data, e de lugares os mais distantes. Como disse bem claramente o presidente da Academia Campista de Letras, o professor Hélio Coelho, precisamos saber quem fomos e o que somos para sabermos também o que seremos.

Estavam lá para confirmar isso tanto o aluno quanto a autoridade; tanto a dona de casa quanto a professora; tanto os autores de livros quanto os que por eles se interessaram. E eles serão mais nas próximas edições.

A cidade de campos dos Goytacazes consagrou o espaço reinterpretando seu compromisso e sua responsabilidade de liderança cultural e histórica. Foi assim que a primeira edição do Festival Doces Palavras, no seu inconformismo, se lançou no futuro. O coreto abriu o sorriso do homem comum e do incomum. Voltou a ser o lugar da melhor exibição. Para o tímido, foi a libertação interior; para o exibido, a glória dos salões. Todos tiveram o seu momento. Tivemos cantores, declamadores, músicos, intérpretes os mais diversos. E o coreto não ficou mudo.

 

Publicado na sexta (02) na Folha Dois

 

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