Artigo do domingo — Quedado pela gravidade

Ruínas do prédio do Julinho, julho de 2014 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)
Ruínas do prédio do Julinho, julho de 2014 (foto de Aluysio Abreu Barbosa)

 

Era um final de tarde de 5 de abril de 2008. Caminhavam à beira mar, em Atafona, um pai, seu filho menino e um amigo deste, escalando em passos pensados a duna de areia e entulhos do que fora o casarão da família Lysandro, ex-proprietária da usina São João. Em Campos as terras da usina foram as primeiras a ser invadidas e ocupadas pelo MST. Em Atafona, a sem terra era Iemanjá.

Quando chegaram ao topo da duna, entre a areia e as ruínas, a visão do outro lado, espraiada à foz do Paraíba, impressionava. A beleza de sempre ganhara um toque surreal. De tão inclinado sobre sua face norte, o prédio do Julinho, última construção antes da areia do Pontal, parecia a carnação em concreto de uma vertigem de Salvador Dali. Por impossível, a inclinação desafiava a lógica de quem a via. Por certo, a gravidade não deixaria aquilo durar.

Ciente disse, o pai apressou a si, seu filho e o colega deste. Enquanto descia, ele pensava em quantas campanas noturnas, com fogueira e violão, fizera naquele verão, estendidas ao mês de março, junto a outras pessoas, conhecidas ou não, esperando a queda do prédio de quatro andares, que a cada dia parecia inevitável. Único de Atafona, fôra erguido em 1973 pelo visionário empresário Júlio Ferreira da Silva, pai da jornalista Júlia Maria de Assis.

O pai do menino pensava nisso, tentando guiar-se pela lógica em oposição ao absurdo da visão. Quando os três estavam há cerca de 30 metros do Julinho, sua face inclinada soltou um estalo seco, gemido de moribundo, e passou a cair lentamente em sentido norte. No meio da queda lateral, os vergalhões da parte central jogaram cabo de guerra com a face decaída, puxando-a para que toda a estrutura desabasse sobre si mesma, como se fosse operação concebida e executada à perfeição pela intenção humana de um engenheiro.

Estupefatos pelo que acabaram de ver, como todos que ali estavam, a falta de reação se transformou rapidamente em pânico coletivo quando começou a se erguer, lenta como a queda do prédio, a nuvem de poeira do seu último suspiro. O pai agarrou os dois meninos pelos pulsos, retesou o corpo e firmou os pés no chão, pedindo que confiassem nele, não se apavorassem ou corressem, pois aquilo iria passar.

Com os segundos transformados em horas na percepção de quem foi condenado à cegueira momentânea, aquilo que não se via ecoava nos gritos e imprecações das pessoas correndo ao redor, em meio à densa suspensão de partículas. Então, foi inevitável lembrar das nuvens de poeira engolindo pessoas, como um filme de terror na realidade de Nova York no 11 de setembro de sete anos antes, após a queda das Torres Gêmeas do Old Trade Center.

Quando a poeira finalmente se dissipou, o prédio do Julinho, referência de quem eram atafonenses e veranistas por um quarto de século, estava caído.

Quem subir nos escombros do que foi o Brasil, diante do cenário surreal sobre o qual se inclina hoje o país, só pode ter duas dúvidas lógicas em relação à queda do governo Dilma: quando e como?

Independente dos resultados das manifestações de hoje, do abandono do PMDB e até do PT, que já se conformou em entregar os anéis para tentar preservar os dedos (nove, sem algemas nos pulsos), ou das partes ainda não reveladas da delação do senador Delcídio do Amaral, assistir à coletiva de Dilma na última sexta, foi patético. Ver uma presidente fragilizada a ponto de convocar uma coletiva para responder à jornalista Mônica Bergamo, é olhar para um prédio tão inclinado, que à gravidade não resta outro destino a impor.

Para quem ainda não leu, Mônica escreveu (aqui): “A presidente Dilma Rousseff já reage com resignação quando confrontada com o diagnóstico, feito até por ministros da equipe dela, de que o governo pode não chegar ao final”. E ao tentar respondê-la, a dislexia de Dilma produziu a pérola: “Eu me renuncio”.

Mais que outra de tantas estultices, o ato falho, mas preciso, teve o timbre do mesmo estalo seco, gemido de moribundo, de um prédio condenado pela própria gravidade. Oxalá caia apenas sobre si mesmo, sem ferir ninguém e seus escombros sirvam, como o prédio do Julinho, para determinar limites que não podem ser novamente ultrapassados.

E, para quem preferir se guiar por dogmas de fé, ainda dá para pichar sobre as ruínas que Jesus está voltando.

 

 

Pubicado hoje (13/03) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 4 comentários

  1. MARCOS MOREIRA

    Estou vendo hoje as manifestações publicas contra o governo Dilma ,ou Pt, sei lá,a verdade é uma só,o povo é massa de manobra,o que vejo é um Partido tomando o Pais Para ele e teus colaboradores,nem partido Politico é,se fosse,já teria expulso certos afiliados,como manda o estatuto.
    mas enfim,toda situação esta sendo orquestrada,por aqueles que tambem querem roubar,e o PT não deixa ,usa-se,um povo que se quer sabe para que serve teu titulo de eleitor como massa de manobra,que o PT,Dilma ,Lula E todos que estão envolvidos em investigação ,é obivio,mais todos estão na rua,’FORA DILMA<FORA LULA<FORA PT',s3e perguntar o que estão fazendo ali,o que revendicam,se tem conhecimento da causa,não vão saber dizer,a verdade é uma só desde de Sarney,que saiu a francesa,a guerra partidaria pelo poder fala mais alto,do que o direito de uma nação mais organizada,mais humana,vai ai minha pitagóra,'SE QUEREM REALMENTE REINVINDICAR MATAR O MAL PELA RAIZ,SOLUCIONAR DE VEZ ESTE EMBLEMATICO TEMA,FOME PELO PODER,BASTA APENAS QUE O CIDADÃO,RECONHEÇA QUE SEU TITULO DE ELEITOR,É UM DOCUMENTO DE CIDADANIA,QUE TE CARACTERIZA COMO CONCINTE DOS DEVERES E DIREITOS COMO CIDADÃO,DENTRE ELES O DIREITO DE VOTAR OU NÃO,SE VAI PARA RUA BEBER CERVEJA,ATRÁS DE TRIO ELETRICO,DEVERIA SABER QUE BASTA APENAS NO DIA DA ELEIÇÃO NO HORÁRIO DE VOTAÇÃO PERMANECER DENTRO DE CASA,É O MELHOR E MAIS REAL PROTESTO,DUVIDO QUE A MAIORIA O FAÇA,E PERDE A BOQUINHA SE ELEGER O CANDIDATO SAFADO ,AI ELE NÃO DÁ O DINHEIRINHO DA BOCA DE URNA,TIPO CAMPOS,DUVIDO QUE ESTA MANIFESTAÇÕES FOSSEM FEITA EM DIA DE SEMANA DEPOIS DO HORARIO COMERCIAL,TIVESSE EFEITO.

  2. MARCOS MOREIRA

    REPITO,EM ESTA DE CITIO,JÁ ESTAMOS PARA GUERRA CIVIL,É DAQUI PARA LI,

    1. Aluysio

      Caro Marcos Moreira,

      Não, não estamos numa guerra civil. E, felizmente, não entraremos numa, por mais que a deseje a acefalia radical dos pólos opostos.

      Abç e um domingo de paz!

      Aluyio

  3. Savio

    Nem preciso comentar sobre a manifestação, a não ser que participo sempre, desde que seja para afastar estes governos corruptos do nosso país!

    Mas, o que eu quero mesmo comentar é o “achado” que é esta foto dos escombros e estas incrições (citações) do “Apocalipse”!

    __É o “olho” do jornalista, ou o olho do repórter-fotográfico, quem atinou para o registro? Ou teria sido o poeta-escritor, cujo ‘olho’ jamais dorme? Isto dá uma ‘baita’ capa de livro, dá sim!

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