Ocinei Trindade — O tédio, os livros, o Rio e as temeridades

Ocinei 16-08-16

 

 

 

Depois do gozo, o que vem? Após a vitória, o que resta?  Passada a euforia, para onde vai a plenitude? O vazio tem lá seus mistérios e necessidades. O sorriso tem também sua vontade de se fechar. E, para aqueles que não sabem dosar suas comemorações esfuziantes, sempre há um jeito do tédio entrar por alguma brecha. Pode ser mau isto, mas nem tanto. Tédio, vazio e tristeza também podem ser oportunidade de acionar a criatividade para reinventar a vida e reconhecer a importância que alegria tem em nossas breves e quase insignificantes existências. Uns, se sentem úteis ao dizer “Fora Temer”. Outros, fogem para o Rio de Janeiro e tentam ser olímpicos. Alguns, preferem ler apenas um bom livro e o silêncio. Destas três, prefiro a fuga para a capital e a leitura. Por enquanto. O tédio em Campos pode ser sinônimo de cabeça de porco enterrada no quintal. Detesto pessimismo e alguns pessimistas. Daí, por que não começar o desenterro?

No último domingo terminou a IX Bienal do Livro de Campos. Foi uma festa modesta aparentemente, diferente das outras, mas com seu valor e encanto, além da queima de estoque de livros que não faz mal a ninguém. O escritor campista já falecido Waldir Pinto de Carvalho foi o homenageado do ano. Tive a honra de entrevistá-lo algumas vezes. Um cavalheiro dedicado a preservar histórias e memórias. Um de seus livros, Gente que é nome de rua, está em minha coleção. No evento literário, entre as celebridades, creio, quem mais brilhou foi o historiador e filósofo gaúcho Leandro Karnal, sensação na Web e nos cafés filosóficos espalhados por aí. O professor da Unicamp atraiu um grande público e pessoas de todas as idades, entre elas, Nizia Bravo, de 84 anos, minha dublê de mãe, interessada em leitura, escritores e internet (ela é um exemplo de curiosidade pela vida).

Depois de assistir entrevistas e palestras de Leandro Karnal pela Internet, quando o escutamos ao vivo, talvez, já não há muitas novidades para nos surpreender. Em sua entrevista ao Roda Viva da TV Cultura, no dia 4 de julho último, o historiador não deixou de citar um dos fatos que mais incomoda os brasileiros atualmente: o suposto golpe na democracia desde o afastamento da presidente Dilma Rousseff e a interinidade do vice-presidente Michel Temer no comando do Brasil. Karnal afirma que a trajetória política do Brasil é marcada por golpes desde o Império. Ao todo, seriam cerca de dez golpes. O problema é que golpistas e golpeados se acham superiores ou livres de uma praga que está no gene da sociedade brasileira desde sempre. Algo que vulgarizamos chamar de “corrupção” e que não nos larga.

Em um país dividido por conceitos tão pobres e maniqueístas de direita e esquerda, de bem e mal, há uma certa omissão ao não admitirmos que os nossos corruptos não podem ser inferiores aos corruptos de partidos adversários. Os nossos corruptos são sempre melhores que os outros. Portanto, merecem e devem estar no poder, pois os corruptos da oposição são insuportáveis e representam o demônio que não pode ser aceito ou tolerado por nós, bons moços católicos e pais de família. Em um dos atos falhos (ou não) de Dilma em seus pronunciamentos, certa vez, em pleno tremor de escândalos de propinas acerca da quebradeira e desvios de dinheiro da Petrobras, além da suspeitíssima e superfaturada compra da refinaria de Pasadena, ela afirmou: “ninguém é incorruptível”. A frase é curta, não ganhou manchete de jornal, pode ter passado batido, mas para uma chefe de Estado à frente de um governo alvo de tantas denúncias de corrupção, fico em dúvida se ela foi infeliz ou muito honesta ao proferir a frase. Afinal, somos corruptos ou não?

Todo ativista é chato. Todo militante político é chato. Todo jornalista ou escritor também costumam ser chatos. Na plateia de Leandro Karnal durante a Bienal de Campos, perguntas ao historiador foram franqueadas ao público, e um jovem militante político-artístico ao tomar o microfone, disse: “Primeiramente, fora Temer, fora Patricia Cordeiro”. Ele criticou a gestora de cultura do município, ironizou os governantes Garotinhos, e aproveitou a presença da celebridade visitante para fazer uma espécie de denúncia, além de queixas domésticas. Ao meu ver, foi inconveniente e indelicado, mas há os que apoiam esse tipo de manifestação em eventos com aglomerações de gente que pode votar ou tomar partido deste ou daquele virtual candidato. O “Fora Temer” virou quase mantra, ideia fixa masturbatória, frase vã de modismo ou uma repetição vazia (ou cheia, ou de saco cheio de tanta coisa). Tem sido censurado nos Jogos Olímpicos, assim como qualquer manifestação política dentro dos estádios e competições.

Como brasileiro, considero nosso povo mal-educado e inconveniente. Adoramos uma gaiatice e sermos os “do contra” quase sempre. Nós e alguns outros povos presentes no megaevento do esporte mundial se esquecem que, historicamente, as Olimpíadas foram criadas na Antiguidade Grega, e que tradicionalmente era e continua a ser o momento de pausa e trégua para esquecer da política, das guerras e das diferenças das nações. Olimpíadas são para a celebração do esporte e da tolerância e não para vitrines de ganâncias e disputas políticas. Ainda não compreendo porque eleitores de Dilma rejeitam o Temer, já que eles foram eleitos juntos. Acredito que os crimes de Temer e do PMDB também virão a público, cedo ou tarde. Enquanto isso, em vez do “Fora Temer” ou do “Volta Dilma”, e também do “Fora Moro” ou “Volta Lula”, o tédio e o desemprego nos ameaçam diariamente, assim como nossaviolência extrema, caráter e moral seguem comprometidos com tapetes e peneiras que não dão conta de nos esconder e disfarçar.

Apesar de amá-lo, tenho que discordar de Gilberto Gil, autor de “Aquele abraço”. O Rio de Janeiro não continua lindo, e sim, mais lindo ainda. Estar na cidade em plenos Jogos Olímpicos é uma festa para celebrar pelo menos uma vez a esperança por união e fraternidade (além da tensão erótica e azaração pelas ruas, orlas e praias). O fato raro esportivo, talvez, nunca mais se repita entre nós. Com milhares de estrangeiros circulando pelo Rio, repito o que a cantora Preta Gil disse em seu show na Praça Mauá: “não dá para ter Olimpíadas para sempre no Rio?”. Aliás, o local do show, em pleno BoulevardOlimpíco, é uma redescoberta de um Rio de Janeiro que estava abandonado, feio e sujo. Atualmente, museus de arte moderníssimos, pavilhões e praças com lazer e cultura disponíveis, além de um bonde VLT circulando por construções lindas e históricas são um presente para qualquer morador e turista como eu. Claro que falta despoluir a Baía de Guanabara, mas estar na Cidade Maravilhosa (apesar de caótica, violenta, injusta e desigual) é motivo de encantamento e sonhos.

Constato que Jogos Olímpicos viciam. Não consigo ficar muito longe das transmissões da Sportv. Poder ver a terceira vitória do jamaicano UsainBolt, as conquistas e despedida do nadador americano Michael Phelps, a perfeição da ginasta americana Simone Biles e de tantos heróis que sobem ao pódio, conquistam medalhas, escutam a execução dos hinos de seus países, é muito emocionante. Até agora, só escutamos o Hino Nacional Brasileiro apenas uma vez com a vitória da judoca Rafaela Silva, nossa menina de ouro. Entretanto, ter bandeira e atleta brasileiros na cerimônia de premiação é um feito incrível. Foi o caso dos ginastas Diego Hypolito e Arthur Nary, prata e bronze, respectivamente. Sensacionais as duas conquistas. O argentino Juan Martin Del Potro e o britânico Andy Murray que disputaram a final de tênis por mais de quatro horas, deram exemplo que ouro, prata e bronze podem ter o mesmo valor. A vitória de Murray e o abraço apertado com Del Potro no fim servem para nossa vida diária de tantas rivalidades. Perder também é uma arte desafiadora e ser segundo colocado não é nenhuma vergonha. Reconhecer a vitória e a superioridade do adversário é um exercício para a vida. De fato, nas Olimpíadas não há espaço para Dilma ou Temer. Então, “Fora Ambos” das arenas.

Tudo isto é história que se conta e se vive. Ainda poderemos revivê-la em forma de literatura. Aliás, não consigo largar o livro Pedra encantada e outras histórias, da nossa autora brasileira de ouro, Rachel de Queiroz, adquirido por dez reais na última Bienal de Campos. Fica a dica para preencher os dias antes e depois que o tédio se instalar com o fim das Olimpíadas, o fim do processo de impeachmente o fim das eleições municipais. Ressaca e dias melhores virão, mas teremos maratonas diárias pela sobrevivência neste país lindo e miserável. Até lá, continue lendo e se exercitando. O corpo e a inteligência agradecem.

 

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Este post tem 5 comentários

  1. Gildo Henrique

    Como ler esse sensato texto ouvindo “Chorando e Cantando”, de Geraldo Azevedo? Pausa. Depois retomo.

  2. Gildo Henrique

    Depois remoto a audição.

  3. Nízia Bravo

    Após tantas coisa boas citadas para uma boa leitura , deixo aqui essas palavras lindas “O livro é um mudo que fala , um surdo que responde ,um cego que guia um morto que vive.” Padre Antônio vieira

  4. SÉRGIO PROVISANO

    Antes debtudo, meu querido Ocinei Trindade, fora Temer sim, pois de golpes eu ando assim, meio de saco cheio e sem querer polemizar, o que vimos foi um golpe na Democracia jovrm de nosso País, mas é claro que teremos vozes dissonantes. Mas concordo com o amigo que essa 9ª edção d Bienal do Livro, foi pobre e digo isso com alguma autoridade moral pois participei da organização e planejamento da primeira e da segunda que foram épicas. Também não gosto de atitudes extremadas como foi a do artista e ativista, pois não gosto de críticas que beirem à deselegância, mas respeito as opiniões…

    Se os crimes de Temer serão revelados, entendo que eles estão aí, publicizados, a dúvida que me assola, se serão devidamente investigados e punidos, haja vista que se depender do STF isso jamais vai ocorrer, vamos combinar, há hoje, um conluio claro entre os poderes executivo e judiciário, que envolve nebulosas transações.

    Que o Rio de Janeiro é lindo, disso só loucos e insanos podem discordar, mas sou suspeito para falar, pois sou carioca da gema… E também campista, pois ao vir para essa planície, bebi água do Paraíba e daí…

    Não consigo ver cidade nenhuma mais ideal do que a Cidade Maravilhosa para sediar os Jogos Olímpicos e patriota que sou, me emociono sempre ao ouvir o nosso Hino Nacional sendo executado quando ganhamos medalha e subimos no lugar mais alto do pódio, assim como me orgulho de qualquer medalha conquistad, seja de que metal for, pois ali, estão os melhores dos melhores.

    E por fim, mas não será o fim, quero te dizer que é sempre um prazer ler teus escritos, mesmo discordando de uma ou outra colocação, mas sempre entendendo que tu praticas com maestria aquilo que eu denomonei de “ócio da escrita” e já que cultivo também o “ócio da leitura”, adoro esse espaço nobre que é o Opiniões, do meu também querido Aluysio Abreu Barbosa, que nos propicia vida inteligente, na irrefreável democracia das redes sociais. Fraterno e forte abraço nos dois amigos queridos.

  5. Robson Fraga

    Adorei o texto, reflexivo. Mostra que o autor não está buscando leitores modelos, então que sejamos empíricos.

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