A primeira pontada foi naquela manhã. Era o sinal de que seu menino, que já demonstrava ser bagunceiro, estava prestes a chegar. Lembrava-se da recomendação médica: “você pode me ligar quando começarem as contrações. A qualquer dia e hora”. Mas ela queria sentir mais um pouco a dor de ser quase mãe. Quase. Ansiava pelo momento de se dizer mãe. Palavra curta e forte. Desde que soubera que estava grávida, pensava muito no verdadeiro sentido da maternidade. Relativamente jovem, sabia que ainda não conhecia o significado da fase em que iria entrar.
Segunda pontada minutos depois. Não sabia exatamente o tempo entre uma e outra. “Ela vai ficando cada vez mais forte. Não hesite em me procurar”, recomendava o médico. “Eu sei, doutor. Pode ficar tranquilo. Eu sei como agir”, dizia, consciente de que não havia verdade em sua frase. Ela não sabia como agir. Para lidar com a gravidez, antes de contar à família, passou uns dias isolada. Precisava ficar em silêncio para aceitar que deixaria de ser filha para se tornar mãe. Responsável por um frágil ser, cuja única forma de contato com ela seria o choro. Ou o riso. Gritos. Sem verbalização de sentimentos, dores e emoções. Sem vozes. Só reações facilmente confundíveis.
“E agora?”, perguntou a si mesma nos dias de afastamento da realidade. Não havia respostas. Era hora de encarar-se como adulta.
Terceira pontada. Mas acostumou-se à ideia de ter um pequeno ser ao seu redor, com lágrimas, risos, cólicas e amor puro. Na verdade, estava ansiosa para conhecer o rosto do menino que habitava sua barriga há nove meses. Queria ver gestos, traços, expressões. Queria, acima de tudo, ver seu reflexo nele. Quarta pontada. O intervalo entre as contrações diminuía. Era hora de telefonar. Quinta pontada. O médico a recomendou que corresse ao hospital. Honesta, a mulher contou que demorara a entrar em contato por desejar sentir um pouco mais as dores de ser quase mãe. Quase. Faltava pouco.
Sexta pontada. Telefonou para o marido. Rapidamente, o homem chegou ao apartamento, organizou as malas da esposa e do filho e desceu. A tensão era grande. Ele sentia o corpo tremer. “Pai de primeira viagem, hein?”, ouvia dos amigos. E morria de medo da responsabilidade que se materializaria em breve. Ainda bem que tinha a companheira. Sétima pontada. Um líquido começou a escorrer pelas pernas da mulher. Era a tal bolsa estourada. Sim. O processo estava próximo ao fim. Sentia-se feliz e plena. Agora, seria mãe. O confronto com a maturidade. Ida para um tempo sempre temido. Ainda assim, prevalecia a alegria.
A intensidade do incômodo crescia. Deitada na maca, era encaminhada com rapidez para a sala de parto. Optara pela cesariana. Não queria sofrer mais do que o necessário. A família concordou. A expressão do médico era de preocupação. Ela não entendia. “Deve ser normal”, pensou. “Não é possível estar angustiado diante de um momento de tanta felicidade”. A conclusão a que chegou parecia ser diferente da dos demais. Havia urgência em todos os olhos que pousavam sobre ela.
Anestesia. Seu corpo adormecia vagarosamente. O tato perdia-se. Os pés já não balançavam. Ficaria acordada. Os primeiros cortes. Sentia um leve ardume na barriga. A dor de ser quase-quase mãe. Cada vez mais perto de seu menino. Seu garoto. Seu guri.
“Corra. Não temos muito tempo”, disse a enfermeira. A quem foi dirigido o alerta, ela não sabia. Todas as palavras tocavam seus ouvidos com certo atraso. Não conseguia compreender o significado do que era dito. A movimentação aumentava em seu entorno. Mãos, braços, dedos e instrumentos cirúrgicos confundiam-se diante dela. O decorrer dos minutos trazia afastamento da realidade. Longe, escutou os primeiros ruídos do que parecia um choro. Uma agulha foi enfiada em sua veia. “Ai”. Exclamação quase inaudível.
“Quase. Quase a perdemos”, comentou o médico, trêmulo. Havia um quê de alegria por tê-la trazido de volta.
A seu lado, havia um pequeno embrulho. Depois da injeção, ela o enxergava bem. Era tão pequeno. Tão indefeso. Tão amado.
“Meu menino. Meu querido. Meu curumim”, disse. Lágrimas embaçavam um pouco a visão da mulher.
Novamente, o corpo adormecido. Sentia incômodo, mas não sabia de onde vinha a sensação. Tentava chamar os médicos com as mãos, mas elas não respeitavam a sua vontade. O mal estar aumentava. Não conseguia pedir ajuda. Seus olhos estavam presos à criança recém-nascida. Queria dizer que logo estariam em casa, mas as palavras escorriam pela boca junto à saliva. O descontrole tomava conta da mulher. Tudo estava denso. Pesado. Respiração lenta.
O menino estava distante. Fugia de seus toques. Logo, seria homem. Antes, quase-quase homem. E bonito. Grande e forte, era assim que tentava imaginá-lo. E seria pai. Primeiro, um quase pai. Depois, seria avô. Seria pleno. Seria o reflexo dela em todos os rostos. Sua fiel representação e protetor de sua memória. Seria o que quisesse. Seria o que ela quase foi. Curumim.
“Fique em paz, meu filho. Cuide-se. Por ti. Cuide-se por mim.”