Bazófias. A realidade transmitida pelos meios de comunicação, sobretudo os de apelos visuais como a televisão e a internet, nos enche de bazófias. Olhemos para o buraco onde vivemos. As redes sociais digitais nos presenteiam quase exageradamente com bizarrices diárias a cada minuto. Em Campos, assistir ao casal Garotinho falar sobre os adversários de eleição e questionar quem tem competência para tirar o município do buraco é uma amostra de bizarras bazófias. A gravação tem sido compartilhada aos borbotões. Uma zorra, misto de humor e espanto o discurso que não para se ser replicado pelos internautas ávidos por uma ciberinquisição sempre. O casal queima no espaço nestes dias, assim como o prefeito carioca, Eduardo Paes, que durante solenidade, disse em vídeo vazado na rede à uma mulher negra e pobre que recebeu dele uma casa popular: “trepe muito aqui”. Com a internet, morrer pela boca ficou mais rápido e fácil.
Pode ter sido um ato falho, mas em análise do discurso, Maingueneau poderia nos dar uma aula sobre a postura e a fala dos governantes que se expõem em um vídeo caseiro cheio de riscos cínicos para uma eleição. Se Campos está ou não no buraco, resta saber se o resto do Brasil se mudou para a Lua cheia de crateras incontáveis. Constato que política, moral, econômica e eticamente estamos a quase sete palmos abaixo da superfície, com uma pá de cal pronta para ser usada a qualquer instante. Se nossos políticos vão mal de discurso, imaginem a população. Votar em quem e para quê, caras pálidas de pau com cal e óleo de peroba?
Por falar em eleições municipais, me pediram para citar os números de outros candidatos de Campos pelas cartas do tarô, além do Louco (22), Enforcado (12), Diabo (15) e a Morte (13) que disputam. Vamos lá. O PP que tem o número 11 representa a Força (não confundir com forca). O número 35 do PMB é a carta do Desconsolo. Já o 23 do PPS é a carta do Lavrador. Estes são apenas trocadilhos que nada têm a ver com jogo de buraco, mas quem souber jogar… Entretanto, se dependermos do jogo da propaganda política na tevê, no rádio e na internet, posso afirmar que os concorrentes a prefeito e a vereador estão bem fraquinhos e pouco convincentes. Em tempos de crise, contratar marqueteiro ficou difícil. Então, que tal realizar um “vivo” pelo Facebook ou Whatsapp agora? Ai, que medo.
Falta pouco para saber se o buraco da Dilma Rousseff é mais embaixo, em cima, mais ao centro, à direita ou à esquerda. Enquanto o país aguenta um governo tampão que substitui interinamente um governo ruim (porém legítimo eleitoralmente, apesar de indefensável), caminhamos para o enterro político da presidente afastada, e quiçá, da era lulista que encheu o Brasil de orgulho, esperança e prosperidade. Porém, estas conquistas foram reduzidas a quase pó nos últimos tempos pela ganância, mentira e pela corrupção dos nossos políticos que nós brasileiros fingimos não possuir, mas que adoramos criticar naqueles que elegemos de quatro em quatro ou de dois em dois anos. Para governar e se manter nos cargos políticos, dizem, mentir é mais que necessário. É criar ou inventar verdades que nunca existiram ou existirão, coisas como fazer boi voar e galinha ter dentes. Temos políticos bem criativos. Enquanto uns fritam Dilma sem batatas, outros a dilaceram e a servem crua mesmo, com sangue escorrendo, inclusive alguns de seus companheiros de partido que carregam bandejas com Dilma em pedaços. Na política, trair, mentir e coçar, é só começar.
Eu não sou como Regina Duarte, mas tenho medo. Temo o ódio e a intolerância, independentemente de partido (se é que temos alguma ideologia nesse aspecto). Temo o fanatismo religioso misturado às questões políticas, igrejas cristãs que levantam bandeiras de guerra aos adversários contrários de qualquer segmento e que são apoiadoras de candidatos políticos suspeitos ou fichas-sujas. Depois que a Igreja se separou do Estado há séculos, estamos retrocedendo em massacres e discriminações medievais, pois a ignorância e a cegueira são tamanhas nos templos, apesar de tanta informação, internet e todas as mídias. Em um país com 13 milhões de analfabetos, saber ler e interpretar texto é quase um milagre. Brasileiro é um preguiçoso adorável, macunaínamente falando, e que adora pecar pela omissão, praticamente um vício.
Andam confundindo políticos com Deus. “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”, diz o Salmos 33. Campos e o Brasil são democráticos ou teocráticos? Em regimes teocráticos como o do Irã, ser contrário a um aiatolá é mortal. Em algumas cidades brasileiras, o risco de morte também existe, pois poder e dinheiro em jogo fazem a gente matar mãe e filho e chorar sua morte sem remorso, quiçá a de um inimigo. Temos nos comportado como os radicais muçulmanos que vêm espalhando terror pelo mundo, maculando a verdadeira face do islamismo. Temos alimentado a discriminação de quem se veste ou pensa e age diferente de nós. Até governantes da França, berço de revoluções humanistas vem cerceando a liberdade de expressão das mulheres muçulmanas, querendo obrigá-las a tirar o véu e o burkini — traje típico de banho público e esporte feminino, pois qualquer um pode ser suspeito de terrorismo. Temo a demonização dos ateus e oposicionistas e críticos a qualquer governo. Temo a censura e a opressão das autoridades no Brasil e no mundo afora. Exagero meu? Pode ser. Ou, é a utopia, talvez distopia, nossa de cada dia. Temer ou não temer: eis a questão que pode nos deixar no buraco para sempre. Mas quem verdadeiramente se importa?
Nos últimos dias, o Brasil perdeu três personalidades notáveis (não vou citar João Havelange, apesar de saber a importância de seu legado). Refiro-me à atriz Elke Maravilha, símbolo de arte, cultura, beleza, amor, humor e inteligência que assisti desde criança na televisão, no cinema, nas entrevistas e nos espetáculos. Quem quiser pensar em ser uma pessoa melhor e cheia de sabedoria, procure acessar os muitos depoimentos e participações de Elke disponíveis na rede. Sua essência e profundidade podem nos ajudar bastante antes de cairmos de vez no buraco escuro da morte. Perdemos também o jornalista Goulart de Andrade, um mestre que sabia tudo de televisão e entrevistas em comandos pela madrugada. Muitas vezes, quando ele dizia, “vem comigo”, eu fui.
Outro jornalista mestre que partiu foi Geneton Moraes Neto. Hoje, antes de escrever este texto, assisti a uma de suas corajosas entrevistas-dossiê com o general Newton Cruz, símbolo da repressão no período de ditadura militar brasileira. Fiquei pensativo e impactado ao ver como temos políticos eleitos democraticamente e que agem e se comportam feito o polêmico Cruz, um militar inteligentíssimo disposto a tudo para abater oponentes ou opositores. Ele foi retrato de uma memória triste e desumana do Brasil que ainda nos caracteriza. Nossa arrogância e nosso abuso de autoridade nos entregam dentro e fora dos buracos. Como mudar isto? Estou pensando na resposta. Sobre a perda de Geneton, o cantor Caetano Veloso resumiu: “Quando morre um bom jornalista, a verdade fica mais triste”. Pois é. “Tristeza não tem fim, felicidade sim”, canta o poeta Vinicius de Moraes.