Marcelo Amoy — Você vai se submeter?

 

 

 

O Brasil se declara majoritariamente católico, mas nós sabemos que há uma grande mistura de crenças convivendo nas mentes de muitos desses “católicos” que também acreditam em reencarnação, vão a terreiros cultuar orixás e adotam preceitos religiosos/filosóficos orientais. Se a espiritualidade dos brasileiros fosse um restaurante de comida a quilo, toda hora veríamos gente misturando no prato estrogonofe de filé com moqueca baiana e a sobremesa, tudo junto de uma vez, pra só comer a salada na saída junto com a lasanha e o cafezinho – se não o tomassem ao entrar. Desfrutamos de uma liberdade religiosa que é ímpar pela variedade na mistura, mas que nada tem de exclusiva por ser brasileira: essa é a liberdade que nós, ocidentais, estamos acostumados a ter. Mesmo que em outros países não seja tão comum que cada pessoa misture elementos de várias religiões para formar sua crença personalizada, no Ocidente cada um é livre pra acreditar no que quiser – podendo, inclusive, mudar de idéia no decorrer da vida quantas vezes desejar.

Eu admiro imensamente a Liberdade – e até mesmo o costumeiro dissenso entre interesses opostos a engrandece. Já imaginaram se a liberdade não fosse mais possível? Talvez só nesse momento a maioria das pessoas desse valor ao que perdesse. Melhor dizendo: talvez só nesse momento a maioria das pessoas se desse conta do que tinha tido antes de perder – naquele tipo de constatação: “eu era feliz e não sabia”. Eu já sei e, por isso defendo a liberdade e a democracia. Ao mesmo tempo que entendo a religião como necessária para muitos como única fonte possível de inspiração moral (é a única filosofia ao alcance da maioria), vejo nela a semente de um grande risco: a de que tudo seja permitido em nome do deus que cada um escolher adorar, ou pior: do aspecto escolhido para ser adorado (amor, paz, vingança ou obediência?) e com quais métodos (convencimento, comunhão ou força?).

Sem pedir desculpas pela franqueza, eu vejo o islamismo como um inimigo da liberdade e da democracia – mesmo que eu continue defendendo o direito de cada um ter sua fé. É que não gosto de doutrinas (religiosas, políticas, etc) que se desejem hegemônicas ou que tenham verve autoritária. O fanatismo não é exclusivo do islamismo (nem das religiões, já sabemos), mas tende a ser mais frequente nele por razões intrínsecas à sua própria filosofia. Quem professa essa fé nunca se contenta apenas com seu encontro pessoal com a espiritualidade: deseja converter os demais. Mais do que deseja, precisa. No Islã, isso é bastante diferente de “querer espalhar a boa nova” ou de “levar ao mundo a Palavra”: um de seus imperativos, inclusive, é a dominação territorial e política (o Islã não é “só” uma religião, é uma “doutrina de tudo” – pretende dominar todos os aspectos da vida humana, não só o espiritual); e um bom fiel de Maomé só se realiza por completo como fiel se cumprir com essa obrigação: a de converter para dominar.

Cada gota de sangue derramado na Europa e pelo mundo afora em atentados cometidos em nome do Islã contra “os infiéis” – mesmo que na África, na Ásia ou na América e mesmo que matando outros muçulmanos e não “apenas” ocidentais – conta essa mesma história. Cada novo grupo terrorista muçulmano que surge nos demonstra que nunca se pode ser radical demais no Islã: o EI foi fundado para ir além do al Qaeda e foi. Que tal? Vamos continuar acendendo velinhas, cantando “Imagine”, acenando com lencinhos brancos e empilhando buquês de flores em cima de poças de sangue e pedaços de gente a cada atentado como se essa fosse a solução: recitar “paz e amor, bicho!” até cansar os terroristas? Woodstock já morreu… Nosso Vietnã é bem mais pesado – até porque não está lá longe, está aqui, nas nossas ruas. Bem vindos à Saigon! A Caaba é logo ali à esquerda, depois do altar dos sacrifícios. Obrigado, de nada. Que Oxalá e Buda os abençoe; amém, aleluia, salve-salve. Toc, toc, toc.

Superstições à parte, tão revoltante quanto os atentados em si é observar a reação de auto-imolação de certas mentes ocidentais. Os cadáveres de pessoas como você ou eu, que estavam corriqueiramente levando suas vidas até serem assassinadas por um TERRORISTA ABJETO, ainda nem tinham esfriado e vem um representante da BBC Brasil – pasmem: mesmo sendo da sucursal brasileira, é da BBC: BRITISH Broadcast Company! – dizer, na página oficial do Facebook, a seguinte e monumental asneira : “Terrorista é uma palavra carregada de conotações, por isso evitamos usá-la. O terrorista para uns é um defensor da liberdade de outros. O terrorista para outros é o vingador das injustiças contra outros. Não cabe à BBC julgar os motivos de quem executa ataques, por mais cruéis e sangrentos.”

Eu me indago porque é tão difícil para o representante da BBC imaginar, como fazem 90% da população mundial, que o terrorista é mesmo e tão somente um assassino vulgar e que a palavra é carregada, isso sim, de sangue, morte e sofrimento. O que leva alguém do lado atacado só se lembrar de mencionar hipóteses que são facilmente identificáveis como qualidades morais superiores em quem ataca inocentes? “Defensor da liberdade”? “Vingador das injustiças”? Ultrajante! Mas me desculpem, o erro foi meu: esse representante da BBC não está do mesmo lado que eu, o lado do Ocidente. Ele está do lado de lá, o dos terroristas – e não venham me falar que não é uma questão de escolher um lado. Pra mim, é sim.

Meu lado é o do Ocidente, o da democracia liberal. É o lado da liberdade, inclusive de culto e de dizer asneiras como fez o cara da BBC. Só que reconhecer a liberdade alheia não significa assistir passivamente a destruição do que eu prezo. Ver a maneira desavergonhada com que gente que forma opinião trata um assunto tão grave como a ameaça a nossos valores me choca tanto quanto o homem que explode a bomba ou aciona o gatilho e dá facadas. Aliás, me choca mais porque o estrago é pior. Acho que o Ocidente está em sério risco não apenas devido à essa “nova onda” de expansão islâmica, mas particularmente porque existe uma “onda” aqui mesmo de relativização moral, de condescendência e de auto-imolação nihilista que acoberta e até incentiva os ataques – ou vocês acham que aquele jovenzinho rebelde de vida sem sentido não vai se sentir o máximo caso decida virar um “defensor da liberdade” ou um “vingador das injustiças” como o representante da BBC fez parecer o terrorista dessa semana em Londres?

Não bastassem certos movimentos intrínsecos ao Ocidente que, vira e mexe, põem em risco as liberdades democráticas, é fundamental que aprendamos a lidar com a ameaça islâmica também. Não acho que a solução esteja em muros, nem em vetos migratórios por si: mesmo que encantem a tantos, não resolvem nada (o assassino dessa semana era inglês). Ocidente e Islã estão cara a cara; o problema é complexo e precisamos tirar a faca dos dentes – o que NÃO significa baixar a guarda. Precisamos aprender a lidar com essa nova realidade: como garantir a liberdade que nossa cultura nos impele a conceder até mesmo a quem nos despreza e, ao mesmo tempo, preservar nosso modo de vida apesar dos ataques (que só têm aumentado). Só não podemos dar de ombros e deixar perder dois milênios de conquistas que o Islã, cá pra nós, por sua própria natureza ideológica, jamais será capaz de alcançar.

Ou é isso ou é “Mantenha a calma e… se deixe matar.”

 

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