Carol Poesia — Minitorta de limão

 

 

 

Já se passaram cem dias, mas é como se fosse ontem: a emoção ao saber que finalmente a oposição existe e ganhou as eleições municipais em Campos, no primeiro turno. A esperança era visível nos amigos, parentes e desconhecidos na rua.

Um dia, na semana seguinte à vitória, ao sair do Sesi e comer um pão na chapa na padaria Guarus, encontrei Rafael Diniz, o então prefeito, comprando um queijo ralado, às pressas, ao passo que dava “um alô pra geral”. Eu assenti com a cabeça, com a boca cheia e a roupa de ginástica bastante suada, fazia calor.

Pude ouvir um senhor na fila do caixa adverti-lo — “Rapaz, não anda assim sozinho não. É perigoso pra você”. Rafael agradeceu e explicou que mora ali do lado. Eu achei engraçado e prossegui na minha incoerência quase diária — malhar e em seguida comer um pão na chapa com queijo minas, mais 500ml de suco de laranja, mais uma minitorta de limão e por fim (!) um cafezinho. É um momento prosaico, meia hora de degustação e observação. Gosto de observar as pessoas desconhecidas, o jeito como elas falam, a forma como se movimentam, a pressa, as manias, “os ranços”.

Naqueles poucos minutos em que a observação ordinária foi interrompida pela passagem do prefeito, pensei nesse rapaz, recém-eleito com o meu voto, admirado por mim e por muitos, que estava ali comprando um queijo ralado, muito apressado, obviamente muito ocupado, provavelmente reservado às últimas horas da noite com a família, para jantar.

Até quando duraria a nossa veneração? Quando começariam as cobranças e uma certa frustração? Quanta pressão sofreria aquele homem! A pressão de toda uma gente que aguentou durante décadas um governo coronelista, extremamente corrupto, aos moldes “sinhô” e “sinhazinha”. Quando terminaria o festejo e começaria a reclamação? É… uma torta de limão, pensei… Agora, no início, só se sente o doce, o azedo vem depois.

O azedume, aos meus ouvidos, começou logo ao serem iniciadas as nomeações — “não sei como quer fazer diferente, fazendo tudo igual”, “só nomeou os amigos”, “mais uma vez o que norteou as nomeações não foi competência técnica”, “as autoridades continuam sem abrir diálogo”. Particularmente, eu achei muito cedo para qualquer julgamento. E, além disso, não entendi as críticas, já que as pessoas nomeadas, dentre as que eu conhecia, eram, de fato, muito competentes, não tinham histórico de vantagens pessoais na política, umas dedicaram uma vida à Educação, outras à Cultura. Enfim, achei coisa de “espírito de porco”, e deixei pra lá.

Os dias foram passando e cada vez mais o herói vem sendo humanizado — passivo de erros, críticas e reclamações. Era um caminho óbvio. A veneração anda lado a lado com a idealização. Uma vez que a realidade “bate à porta” — dívidas mais graves do que o esperado, tempo para a ação maior do que o tolerado — a inquietação começa e a atmosfera de vitória dá lugar à dúvida.

Quase nada está fora do lugar. É função do povo questionar. Vencemos o voto de cabresto e rejeitamos a alienação. Só não superamos a ilusão de um Salvador e o anseio por crucificação. Em cem dias de governo, diante de um município falido e devastado pela corrupção, é natural que os “guerreiros” visitem, conheçam, discutam e planejem. Assim como é natural que o povo queira “ação”. Um povo, cuja ansiedade é justificada historicamente pela ausência de um governo minimamente decente. E, um NOVO governo, que, embora recente, já sente “na pele” os efeitos de décadas de descaramento e adulteração.

É tempo de vencer os “ranços”, isso vale para o povo e para a chefia. Infelizmente, talvez, demore mais um pouco que cem dias.

 

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