Guilherme Carvalhal — Aquele triste fantasma

 

(Foto: Paulo S. Pinheiro – Folha da Manhã)

 

 

Através daquele longo gramado onde reinava o total abandono caminhei tomado pela sensação do torpor, por singrar entre um misto de construções homogêneas que aludiam a um passado que não mais podia compreender. Como se além daquele pórtico decadente se escondesse um universo distante e obscuro, guiei-me atrás do caminho aberto pela minha curiosidade ouriçada em busca de uma explicação.

De cara, chamou minha atenção aquela edificação tortuosa e seu teto inclinado. Não fez sentido tal ângulo combinado com as curvas de sua base de sustentação. Seria um enorme erro arquitetônico de outrora? Como alguém admitiria algo tão grotesco, essas ruínas ao longe em destaque, dando a entender que não compreendia nada de traços homogêneos e de equilíbrio?

Perdi alguns minutos conjecturando algum nexo. Nesse período de pensamento disperso que subiu de meus pés um súbito resfriamento, caindo a temperatura sem razão plausível. Essa sensação térmica prenunciou a chegada de um homem translúcido, envolto por uma aura azulada; um fantasma de tempos antigos me interpelava e, ao contrário do que se esperaria, não senti medo. Com uma voz calma e professoral, ele apontou o dedo em direção àquele trapézio e esclareceu que o concebeu um arquiteto de eras remotas, cuja autoria se esqueceu naquelas paragens em decorrência da queda de todo o complexo. E detalhou como ergueram todos aqueles idênticos prédios com a finalidade de ser uma instituição destinada a espalhar o saber.

Perambulamos toda a extensão do perímetro. Em cada bloco ele lembrava de histórias antigas, das máquinas percorrendo, dos operários erguendo colunas de concreto, de uma época em que os alunos subiam pelas rampas e tudo funcionava como um organismo vivo.

No fundo, aquele saudosismo remetia a uma tristeza guardada de então. Uma melancolia engasgada de um observador longínquo, vigilante quando a devastação tomou conta e paulatinamente derrubou os pilares de seu sonho. Daí a brecha para minha pergunta, sobre como algo dessa magnitude converteu-se em um vasto campo onde imperava soberana a desolação.

Informou-me então sobre demônios ocultos dentro dos homens. Demônios que os arrastavam à ignorância, à barbárie. Sua luta contra alguns desses consumiu sua vida, e nos arredores daquela área a população aplaudiu seus esforços. Porém, pouco a pouco esses demônios, eternamente incubados na alma humana, dilaceraram aquela construção até quando em sua glória conquistaram a vitória definitiva. E assim suas lágrimas póstumas semearam os escombros acumulados ansiando pelo retorno triunfal.

Não sei o que mais me tocava, se a paisagem degradada ao meu redor, se a história da queda, se o sofrimento expresso em suas palavras, ou se a conjunção dessas três coisas. Aquela imagem translúcida me induzia a pensamentos negativos, não referente a ela própria, mas às sementes plantadas em meu imaginário. Queria recorrer ao passado e em cores brilhantes assistir a essa ideia tão tresloucada de uma entidade estabelecida para transmitir conhecimento, e descobrir o quanto seu declínio refletiu no atual patamar precário de nosso mundo, enfurnado nos tons de cinza de criaturas brutalizadas.

Sem mais o que ver, eu encafifado com tamanhos histórias, o fantasma em um lamento soturno e particular, despedimo-nos, eu para sair dali com mais dúvidas que certezas, ele para perambular recepcionando algum outro visitante a esmo que o acaso calhasse de guiar até ali. Antes de ir embora, perguntei-lhe qual seu nome. Ele disse que se chamava Darcy.

 

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