Ontem, terça feira, um grupo de senadoras do PT e do PCdoB ocupou a mesa diretora do Senado tentando impedir que seja aprovada a reforma trabalhista.
A atitude resultou inútil. Depois de algumas horas e de alguns intentos de negociação, a presidência da casa reocupou a mesa e o projeto de lei foi aprovado.
Não é minha intenção discutir aqui a qualidade da reforma trabalhista, mas a atitude das parlamentares que, sabendo que iam perder a votação, decidiram, simplesmente, evitar que a votação acontecesse.
O escritor francês Emmanuel Carrère lançou ano passado um romance chamado ‘O Reino’. Nele, Carrère reflete sobre as origens do cristianismo, mas também sobre a sua própria crise como católico. Ao falar da fé, componente indispensável para o sucesso de todo culto, conclui: “O contrário da verdade não é a mentira, mas a certeza”.
As senadoras possuem uma certeza: a reforma da CLT não é boa. Basta isso para habilita-las moralmente a violar as regras democráticas, e impedir o tratamento parlamentar de um projeto de lei.
Quando América Latina sofria golpes de estado, aqueles que os produziam, militares e civis, também tinham a certeza de que interromper um governo democrático era justo.
Acreditar piamente que estamos no lado certo, como dogma de fé, significou ao longo da historia o sofrimento de milhares de pessoas. Quem morria de fome no Grande Salto Adiante de Mao Tse Tung se sacrificou em nome da convicção que o líder chinês tinha do sucesso final do comunismo. Peguem qualquer outro grande ditador e verão a mesma segurança para produzir massacres, pois o fim justifica os meios.
Felizmente, o autoritarismo das senadoras não passou de um evento um tanto ridículo. Mas foi revelador do perigo que se esconde atrás da confiança cega daqueles que se acham com a verdade: para que debater, para que votar, se afinal EU é que tenho razão?
A Democracia, ou pelo menos a nossa democracia liberal, implica a coexistência com aqueles que discordamos, assim como o risco de que se possa perder uma discussão, ao ficarmos numa posição minoritária. Desde que se respeitem os parâmetros da Constituição, não há certo ou errado. Há apenas aquilo que a maioria decide, repito, segundo as regras e os princípios do Direito.
Se as senadoras não conseguiram derrubar a reforma trabalhista, deveriam pensar que, talvez, falharam em demonstrar a seus pares que a CLT, como está hoje, dá segurança e estabilidade aos trabalhadores, ou que é capaz de fomentar novos empregos e que elimina a informalidade.
No entanto, se por acaso acham que o seu fracasso de deve simplesmente ao fato da maioria dos parlamentares serem pessoas ‘do mal’ (isto é, ignorantes, evangélicos, conservadoras e/ou neoliberais, etc.), não parece ser uma boa tática espernear e se aferrar a uma mesa aguardando que um milagroso “Deus ex Machina” progressista venha a resolver o impasse, por mais certeza que possam ter de que são as mocinhas da política.
Afinal, já o dizia Mark Twain: “Ter fé é acreditar numa coisa que você sabe que não é verdade”.
Darcy, Florestan, Nise, Paulo Freire. Dessas certezas se vive. É na prática que nossa vida se transforma. Compreender os atos politicos para alem de sua eficácia é parte de uma coragem utopica ausente nos homens de boa vontade que tenho encontrado.