Paula Vigneron — Romaria

 

Pôr do sol na Serra de São José, em Tiradentes (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

“Eu disse ‘boa noite’, e eles não responderam. O menino disse ‘pai, mãe, o moço deu boa noite’. Eles não responderam. Eu fico triste com essas coisas. Não por mim, mas por eles, que vivem em um mundinho fechado e nunca vão conseguir sair dele. E eles são o exemplo dessa criança. Coitados.”

Enquanto narrava o fato ao casal, o artista Gilvan, com mãos hábeis, contornava traços em um fio de cobre, entre casos em Contos de Réis. Minutos antes, chegara à mesa comentando sobre seu trabalho. Ofereceu mostrá-lo aos dois que, sentados, degustavam bebidas e comidas. Aceitaram. Sorriram. Não teriam compromisso caso não gostassem do resultado.

No decorrer do tempo, pediu um cigarro, contou sua origem, aventuras e desventuras. Tinha filhos. Garantiu que todos estavam bem. Era da Bahia. Ilhéus. Está em terras mineiras há oito anos. Vivia transportando sua arte pelas ruas de Tiradentes, aberto a encontros e desencontros. Sem que o casal percebesse, estava pronto o trabalho: um porta-retrato, com uma flor e um coração. Entre ambos, os nomes dos dois. Era comum encontrar artistas nas redondezas. Após pagamento e agradecimentos, seguiu pelas vias de pedra. A mesa, agora, estava enfeitada pelos traços de Gilvan entre garrafas, copos e garfos.

Estavam cansados. A madrugada tinha sido de estradas, cigarros, conversas, uma inesperada colisão no para-brisa

— O que foi isso?

— Era uma coruja

e o nascer do sol nas curvas de Piraúba. Café da manhã mineiro. Chegada ao destino sob o sol. Parada no Tunico para os primeiros goles de cerveja antes do descanso. Semana de planos e ansiedade. Roteiros programados. À noite, o frio. Adiante, Euzébio, com 47 árduos anos refletidos em seu corpo, falou sobre a cidade. Cara, de acordo com seu ponto de vista. Não é fácil viver por ali. Retornou ao banco para aguardar o encerramento do expediente e um prato de comida da moça que trabalha nas redondezas.

Nos dias seguintes à chegada, as obras de Aleijadinho diante da igreja de Congonhas. Explicações sobre a trajetória do escultor e do catolicismo, forte na região, no museu da cidade. Próximo ao local, o cavalo de madeira para a menina. Menor que a dele. Mãos entrelaçadas nas subidas e descidas íngremes. A cidade de Ouro Preto, parada final do trajeto. Horas contadas e exatas para o retorno antes do pôr do sol. Mais um dia.

Por São João del-Rei, a fé proclamada nas ruas. À frente da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, o tapete, fruto dos trabalhos dos fiéis, permanece cercado para que os passantes não ultrapassem os limites e o danifiquem. Em um bar, a cerveja preta esfria a garganta seca de um dia quente. A sensação de despedida permeia o ambiente. Na maria fumaça, entre beijos, silêncios e carinho, eles se olham. Acompanham os acenos de homens e crianças. Ora, sorriem. Ora, se distraem com a paisagem. Ora, nada é necessário.

A caminho da planície, as estradas sinuosas. “É só isso que você pode fazer?”, brinca ele, ao volante, desafiando as curvas. A seu lado, ela, em um paradoxo de apreensão e confiança, ri e o observa, quieta. As músicas dão ritmo à viagem. Atrás, o sol se põe, deixando o céu em tons de laranja e azul e a sensação de calmaria. Novamente, eles se olham. Ora, sorriem. Ora, se distraem com a paisagem. Mais nada é necessário. Nada.

 

https://www.youtube.com/watch?v=_7NsdkuVIaM

 

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Este post tem um comentário

  1. Sandra Ma Santos

    Lindo!!!!

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