Aristides Soffiati — Um delegado federal ambientalista em Campos

 

 

 

Aristides Soffiati, historiador, escritor e ambientalista

Um delegado ambientalista

Por Aristides Soffiati

 

Todo ser vivo nasce, cresce e morre. Alguns morrem no início da vida. Outros no meio. Outros são longevos. Morrem quando a gente espera que morram. A maioria passa pela vida sem perceber. Poucos deixam sua marca no mundo. Rubisson Fioravanti foi um delegado da Polícia Federal que marcou presença em Campos no fim dos anos de 1970. Ele estava à frente da delegacia quando eclodiram os levantes de pescadores na lagoa Feia, em Barra do Furado e na lagoa do Campelo.

Lembremos que o regime militar ainda dominava o Brasil. Lembremos que, há exatamente 40 anos passados, no dia 13 de dezembro de 1977, foi fundado o Centro Norte Fluminense para Conservação da Natureza. Os jovens ecologistas, eu entre eles, defenderam as lagoas da região e apoiaram a luta de pescadores. Não havia, entre os pescadores, nenhum militante comunista infiltrado. Os pescadores queriam apenas proteger seus ambientes de pesca. Os ecologistas tinham ideologia, mas não eram marxistas. Contudo, os órgãos de repressão não sabiam lidar com pessoas independentes de partido e que tinham ideias novas. Foi difícil para a direita e a esquerda alcançar o que desejavam os ecologistas.

Para tais órgãos, não podiam existir movimentos populares sem lideranças subversivas. Assim foram tratados os movimentos dos pescadores. Assim foram tratados os ecologistas. O Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), por meio do seu advogado, listou onze nomes, se não me engano, junto à Polícia Federal por estarem insuflando os pescadores contra as obras do órgão, notadamente quanto à remoção do vertedouro natural da lagoa Feia, conhecido como “Durinho da Valeta”.

A denúncia foi recebida pelo Dr. Fioravanti. Ele tinha de cumprir ordens. Ele devia debelar os levantes e prender os ecologistas como subversivos. Ele devia reconhecer que os movimentos eram liderados por comunistas. Mas surpreendeu a todos ao declarar na TV Globo que não havia subversão, e sim fome. Ele ainda foi mais longe, ao entrar em rota de colisão com Acir Campos, o todo poderoso diretor regional do DNOS. Chegou a haver briga entre os dois.

A voz dissonante de Rubisson motivou intelectuais a refletir sobre a ascensão de autoridades governamentais e sua contestação ao regime. Exagero. Rubisson tinha uma história de combate aos destruidores da natureza. Era um homem alto e forte, com grandes olhos azuis e mãos enormes. Certa vez, tive medo dele. Com seus olhos arregalados, ele me disse, apertando meu frágil braço com sua mão de pá: “Soffiati, eu sou uma pessoa muito afável e educada, mas não me provoquem nem cometam injustiça na minha frente”.

Ao se aposentar, o Dr. Fioravanti fixou residência em Campos. Ele gostava de estudar. Toda vez que me encontrava pelas ruas, expunha suas teses sobre o atraso de Campos. Para ele, a cidade, o município e mesmo a região se apoiavam sobre um tripé capenga. Uma perna era representada pelo branco; a segunda pelo negro; a terceira pelo índio. Faltava esta terceira perna ao tripé. Por isso, ele era capenga. Rubisson gostava a de conversar e de expor suas ideias. Ele deixava seu rumo só para conversar. Em algumas conversas, fiquei sabendo das pressões que ele sofreu do DNOS e de superiores por nos defender. Ele tinha grande simpatia pelos pescadores e ecologistas.

Não faz muito tempo, encontrei sua esposa num consultório médico. Perguntei por seu marido. Ela me informou que ele estava numa cama completamente alheio a tudo o que se passava. Pensei em pedir para visitá-lo. Mas me contive. Eu não queria ver aquele homem forte, determinado, mas suave na fala, inconsciente. Aquele homem que me classificou de socialista idealista por respeito a seus superiores e por amizade a mim.

Leio agora na “Folha da Manhã” que o Dr. Rubisson Fioravanti morreu. Sinto um misto de saudade e de temor. Eu não esperava que Rubisson fosse eterno. Desejava a ele apenas um fim com lucidez. Também senti medo novamente. A morte de Rubisson lembra que nossa geração está saindo da história. Em breve, chegará minha vez.

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Este post tem 3 comentários

  1. Luis Geraldo Buchaul Vieira

    CONHECI DR Robisson FICOU a Frente da Extinta Delegacia da Policia Federal Na RUA 13 de Maio Com beira Valão Ultimamente Esta Morando numa Modesta Casa Próximo A Beneficiencia Portuguesa …. Sem Duvidas Um Grande Homem …… Fico Sentido em Saber Que Veio a Falecer ….. Uma Grande Perda Para Nossa Cidade !

    1. Augusto

      Todos nascemos e morremos, uns deixam na história seus feitos que retratam uma era de honestidade e dedicação à vida, outros preferem trilhar o caminho da corrupção e avareza!

  2. Elisabeth Souza Cruz

    Todo ser humano devia deixar uma história de vida por excelência, capaz de deixar legado para merecer um texto assim, de belo teor, com homenagem que perpetue a sua passagem no plano terreno. Sou de Nova Friburgo/RJ , mas gosto de estar em Campos, mesmo que virtualmente.

Deixe um comentário