Orávio de Campos — Restauração do Hotel Flávio

 

 

 

Desde priscas eras, a sociedade (como a nossa muxuanga) sempre exercitou, de forma lastimável, a duplicidade do discurso sobre cultura. Uma corrente salienta, ainda, sem muita convicção, que se trata de uma atividade fundamental no plano das humanidades, visando a dar sentido à criação do homem no espaço civilizatório, isso para concordar com o pensamento do pranteado professor Darcy Ribeiro, criador do projeto pedagógico dos “ciepes” — jamais assimilado pelo magistério envelhecido da época.

Para outra, como paradigma de economistas, a cultura não é prioridade para quem, com orçamento minguado por circunstâncias (inclusive rasgos corruptivos) precisa dar impulso às áreas estratégicas do governo: saúde, educação, segurança pública, transportes, saneamento… A cultura, por isso, passa do céu ao inferno. Percorre dos direitos humanos, contemplados no Plano Nacional (PNC) até se ver como subproduto das relações de fulcros capitalistas, com seus pecados por privilegiar o circo.

Estivemos prefaciando o assunto principal: “a necessidade de a municipalidade restaurar o prédio do antigo Hotel Flávio”, situado em frente à igreja de Nossa Senhora do Rosário, em pleno centro histórico do município, significando, com razoável investimento, a abertura de um novo equipamento cultural apropriado para dança, música, teatro e centro de informação turística, isso além de poder concentrar um restaurante temático e um rendez-vous (lugar de encontro) para artistas e intelectuais.

O patrimônio, construído na segunda metade do século XIX, para abrigar agregados da família do Visconde de Araruama, cuja residência oficial era o casarão da Praça do Santíssimo, onde hoje funciona o Museu Histórico, foi tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico (Coppam), através da Resolução 005, de 12 de setembro de 2013. Antes era apenas uma peça citada pelo Plano Diretor (Lei Municipal 7.972/2008), instrumento que delimita os contornos do maior conjunto de arquitetura eclética do Estado, perdendo apenas para o centro histórico do Rio de Janeiro, a partir das reformas produzidas por Pereira Passos, em 1904.

Pois bem. Depois de demandas jurídicas, com audiências no Ministério Público (MPRJ) o chamado espólio da senhora Zilda Carneiro da Silva, descendente do Visconde, através da inventariante, Dra. Maria Lucia Mendonça de Lima, residente na capital do Estado, foi doado à Prefeitura de Campos dos Goytacazes, isso no apagar das luzes do Governo de Rosinha Garotinho, que tinha, caso o tempo permitisse, o compromisso de investir no restauro necessário, aproveitando até mesmo um projeto de alunos e pesquisadores da área de arquitetura e urbanismo do IFF.

Na ocasião, outubro de 2016, enquanto agilizava editais com financiamento do Fundo de Cultura (de saudosa memória), comunicamos o fato aos conselheiros, numa reunião no Museu Histórico — cujo edifício, restaurado por Rosinha, hoje está carente de manutenção. Tentamos uma transição administrativa, o que não ocorreu por culpa dos eleitos que, em suma, resolveram sepultar todos os avanços culturais, inclusive as leis que amarram o Plano Municipal de Cultura à nova Lei Orgânica do Município.

Mais de um ano depois, os originais da doação ainda se encontram em nosso poder, mas passamos cópias para alguns interessados (?). Todavia, nada saiu do lugar e o prédio continua esperando por uma ação política, caso os gestores considerem a questão da prioridade como fundamento para restaurar (ou não) o patrimônio — testemunha sobrevivente da antiga área comercial, por onde se escoava a produção regional da estrada líquida do Paraíba, em busca dos armazéns destinados aos consumidores.

Voltando ao começo. Se olharmos para o orçamento deste ano com a percepção de que cultura (e não entretenimento) é direito da sociedade, alguém da gestão atual poderá pensar nos efeitos positivos de um investimento no setor. Sem ter que recorrer a Maquiavel: “(…) o príncipe tem como meta, principalmente, o sucesso, e a preocupação de ser apreciado pelos poderosos (de prestigio e força) e pelo povo (os semelhantes aos homens modernos) (…)”. Nada mais atual. Mas será assimilável? Acreditamos ser este um bom debate, para antes que o prédio em ruinas, volte ao pó de onde nasceu…

 

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Este post tem um comentário

  1. cesar peixoto

    Se isso realmente acontecer eu quero ser uns dos primeiros a dar os parabéns, a essa pessoa que teve a ideia brilhante de restaurar esse prédio histórico da nossa cidade

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