Do Habeas Corpus preventivo de Lula não aceito pelo STF que finalizou este julgamento no início da madrugada do dia 05/04, numa célere ação, aproximadamente às 17h do mesmo dia, o juiz Sérgio Moro decreta a prisão do ex-presidente Lula. Para um lado, inicia-se o dia de quinta-feira com uma baita ressaca e termina o dia com a enxaqueca redobrada; para o outro lado, o dia inicia-se auspicioso e termina numa euforia sem conta.
Quem dera fosse arrumadinho assim o comportamento. Não é! O que tem predominado na luta política é a violência, é a mentira, é o desrespeito, é a intolerância, é a irracionalidade, é a passionalidade, é a esperteza, é o fake, é o espetáculo, é a apropriação privada do que é público! Dos militantes às lideranças; de muitos cidadãos e cidadãs às Instituições e Poderes constituídos.
E nesses modus vivendi e modus operandi, fragilizamos, esquartejamos, desrespeitamos a nossa jovem Democracia, a nossa novinha Carta Constitucional Cidadã, que fará ainda seus trinta anos; tiramos do túmulo o flagelo fascista que reconquista espaços e enterramos a memória, as lembranças, a História de um passado aterrador, de curto, de curtíssimo tempo atrás.
A experiência republicana e democrática da República Federativa do Brasil vai se esvaindo…o sonho, torna-se pesadelo.
Diante da profunda crise material-financeira que se agravou a partir de 2010, o pacto conciliatório ‘Lulismo’ e fração liberal da Direita (em especial, os ‘bancos’ e o ‘agronegócio’) começa a ruir, lentamente, mas começa. Dinheiro restrito, riqueza escassa, como atender a todos ou a quase todos? A eleição de 2014 apontou a desestruturação daquela aliança. É o momento do ‘despertar’ das forças mais reacionárias, mais retrógradas, mais entreguistas, mais preconceituosas, mais discriminadoras. Simulacros da verdade na construção do bem-comum e sepulcros caiados da moral e da ética na Política.
Os anos de 2015, 2016, 2017, 2018, foi o tempo necessário para um novo ‘pacto com o Supremo e tudo’. Do ponto de vista econômico vinga o entreguismo das riquezas estratégicas, a internacionalização subalterna; socialmente, a perda de Direitos e o estrangulamento dos investimentos nesta área; culturalmente, instala-se o sopro da barbárie do individualismo exacerbado e o extremismo da violência e dos preconceitos; politicamente, a instabilidade, a hipocrisia, a deterioração do Estado Democrático de Direito.
A ‘Lava-Jato’ foi e é uma das expressões mais concretas do simulacro democrático nesses quatro anos. Não é à toa que ela fez quatro anos agorinha; não é à toa a denominação da operação – ‘uma lavagem rápida’, ‘um but’, não é uma baita ‘lavagem’ em todas as partes (visíveis e invisíveis), portanto, um ‘lavar seletivo e parcial’ quando realizado na materialidade da vida político-social. Foi isso que aconteceu e acontece! Corrupção, impunidade, ‘ninguém acima da lei’, quem, minimamente defensor da justiça republicana, pode ser contra ao seu combate?
Compreendo os desavisados, os inocentes, os cheios de boas intenções, que acreditaram num novo tempo de justiça democrática com a ‘vara curitibana’ e seu Ministério quase teocrático! Abomino a versão fascista, fundamentalista e intolerante que dela deriva e/ou encontra espaço! Rechaço a forma farisaica e utilitária que tratam a Constituição Cidadã — as recentes interpretações, emendas e jurisprudências ‘franksteinianas’. De golpes em golpes o nocaute está chegando para a nossa vida democrática.
- E a ‘república autoritária da hipocrisia’ vai alimentando a consciência acrítica de uma ‘vanguarda do atraso’
“…NINGUÉM SERÁ CONSIDERADO CULPADO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.” (CF,art.5º,LVII) – O princípio da PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
A questão do Habeas Corpus preventivo do ex-presidente Lula solicitado ao STF é mais um capítulo do ‘novo pacto com o Supremo e tudo’ — a culminância da ‘judicialização da política’, fenômeno que também deriva dos ‘lavadores’. É importante ressaltar, que a jurisprudência do STF sobre à proibição da prisão antes do julgamento final, só mudou, quando? Em 2016! Com uma maioria apertada, o Supremo autorizou, a possibilidade da prisão, e, não a obrigação em 2ª instância da antecipação da pena.
Quais os argumentos mais proferidos?
- Da IMPUNIDADE/PRESCRIÇÃO – a justiça brasileira é muito lenta e um bom e caro advogado pode protelar a sentença final de maneira que o bandido/criminoso não vai ser punido.
Ora, vamos ‘flexibilizar’ ou abrir mão de um caríssimo princípio democrático, um direito individual fundamental garantido para todos os cidadãos e cidadãs no Brasil, para resolver a morosidade, um problema de funcionamento do sistema jurídico? É um problema? É! Resolva-se com Reforma do Judiciário com este fim e outros também! A que se destacar, que os ‘acusados/criminosos/bandidos ricos’, em especial, os de ‘colarinhos brancos’, que tem seus advogados caros e experts, representam um percentual ínfimo dentro da totalidade processada ou já em cárcere.
“Todavia, apesar dessa exacerbação laboral, é falsa a afirmação de que o andar do tempo é causador da impunidade. Nesse engano se pervertem os que deveriam proteger direitos e não os subtrair. As prescrições que favorecem ricos e poderosos geralmente, aliás muito geralmente, têm origem na paz das gavetas ou em canetas avessas à gestão dos processos, que desconsideram prioridades. Acusações penais contra políticos, por mais que ocorram ou possam ocorrer, não serão mais que 1% em qualquer esfera judicial. O vilão maior, por suposto, não é tempo. São as escolhas. Embora o artigo 5°, inc. LVII, consagrador do princípio da inocência não autorize interpretação, mas apenas obediência — posto que, claro como a luz do sol, as conveniências que acobertam a realidade foram superadas pelo embuste.” (Airton Aloisio Michels — UFRS e Promotor)
- Da LIBERTAÇÃO de criminosos, como homicidas, traficantes, pedófilos, por exemplo.
Sinceramente, este argumento ‘cheira’ a má-fé. Estes presos, em torno de 40% da população carcerária, estão lá cautelarmente, não tendo relação direta ou indireta com o princípio da presunção de inocência, que trata o habeas corpus aqui citado. Pensando aqui, se houvesse algum impacto, como era a situação do Brasil antes de 2016, quando prender após a segunda instância não era permitido?
É o respeito ou desrespeito a nossa cara Constituição Cidadã que está em jogo! Em especial, os direitos individuais de todos os cidadãos e cidadãs, desnorteando o nosso sentido de nação e a coletividade dos direitos.
- Sobre o ex-presidente Lula neste contexto
Não sou petista. Já fui, de carteirinha (1986 a 1998). Não sou lulista. Nunca fui. No espectro político-ideológico sou muito mais radical que tudo isso — dinossaurica e fora de moda. Respeitosa e racionalmente, estou à vontade.
Lula como presidente nunca foi radical! Nunca propôs nada que alterasse a histórica desigualdade estrutural da sociedade brasileira. Nunca saiu da lógica hegemônica do (neo)liberalismo. A crença na ‘conciliação de classes’ (servir a todos ‘os senhores’) foi o seu guia. E, enquanto o contexto material deixou, não gerando crises para a acumulação, ele teve imenso sucesso.
“Ao seguir pagando religiosamente a dívida externa, reproduzindo a concentração de renda, freando a reforma agrária, militarizando a vida social e esfacelando os serviços públicos (para garantir a taxa de lucro das grandes corporações financeiras, industriais e do agronegócio), seus governos, assim como o primeiro de sua sucessora, Dilma Rousseff, fizeram o que era para ser feito, do ponto de vista dos de cima.” (Felipe Abranches Demier — Uerj e escritor)
Ao mesmo tempo, do ‘outro lado da moeda’, promoveu inclusão social, gerou muitos empregos, expandiu imensamente créditos, aumentou salários, muitos concursos públicos, avançou qualitativa e quantitativamente no âmbito da Educação, ampliou, em muito, as políticas de ações afirmativas. Terminou o segundo mandato com altíssimo nível de aprovação jamais visto. Parecia ter encontrado a ‘fórmula perfeita’ da paz social no capitalismo brasileiro.
Continua Felipe A. Demier:
“…mostrou capacidade de gerir o capitalismo brasileiro melhor, e mais seguramente, do que as próprias representações políticas tradicionais da burguesia brasileira, e que, por isso, se tornou quase invencível no jogo eleitoral de nossa democracia liberal blindada. Não havia, àquela altura, naquela conjuntura, melhor forma de gestão da ordem capitalista num país atrasado, periférico e socialmente fraturado como o Brasil.”
Os quinto e sexto parágrafos desse artigo apontam a ruptura dessa conciliação! Registra os limites históricos desse ‘sexo sem amor’. E os desdobramentos, o ‘novo pacto com Supremo e tudo’, retiram as máscaras da compatibilidade de longa duração entre capital e trabalho. O impeachment da presidenta Dilma em 2016 foi o primeiro passo. Mas havia, paradoxalmente, um obstáculo maior a ser retirado — o Lula. Ora, a burguesia brasileira quer, por enquanto, continuar suas ações antirreformistas, dentro da ‘ordem e de seu progresso’. Mas tem as eleições de 2018. Que fazer? Agora, seu algoz, o ex-presidente, continua super bem nas pesquisas eleitorais.
“Paradoxalmente, a obediência às normas constitucionais parece conduzir à eliminação dessas mesmas normas, a observância à risca da Constituição parece levar inexoravelmente ao fim desta mesma Constituição e, finalmente, a realização de um simulacro de eleições (sem Lula) — ou mesmo a suspensão destas — aparece como a única forma de preservar, hoje, um regime político baseado em eleições. Numa era de desagregação social sem precedentes e de contrarreformas pletóricas, a preservação do regime do sufrágio universal parece só ser possível, para a burguesia, se o próprio sufrágio universal for maculado ou cassado, e se a eleição não for apenas uma contrafação. É isto o que explica, fundamentalmente, a condenação de Lula e sua prisão, decretada pelo juiz Sérgio Moro. Apartamentos triplex, sítios e pedalinhos foram tão determinantes para as sentenças judiciais quanto pastas de dentes destampadas e roupas sujas fora do cesto o são para o término de uma relação.” (Felipe A. Demier)
A ‘casa grande’ e sua ilustrada camada média reacionária, expulsou Lula. Aliás, para muitos desses, nunca deveria ter entrado em seus salões. Porque estar nos seus salões, usufruindo da ostentação dos poderes, significava ao mesmo tempo que muitos pobres e miseráveis, fariam três refeições ao dia; aeroportos e shoppings passaram a ser frequentados pela ‘gentalha’; significava, os filhos da gentalha — pretos, brancos, multicoloridos, mulheres e jovens, invadirem as universidades públicas e os Institutos Federais!
Este limite histórico-cultural, preconceituoso e discriminador, se expõe sem nenhum temor e pudor, muito pelo contrário. Renovam a cultura antiliberal (Lembram de Mussolini? Lembram de Hitler?), ou seja, reacionária, atrasada, tacanha, medíocre, provinciana, subalterna, que se afunda na escuridão. As ‘Luzes’? Ah, isso exige capacidade civilizatória e revolucionária, que eles negam, renegam, a todo momento, porque só conseguem viver, sobreviver e se reproduzir, na escuridão!
- Estamos à deriva e derrotados – é preciso reconhecer
Defender hoje no Brasil os princípios iluministas exige radicalidade. Sou radical neste sentido! Não tem como transigir. Qualquer ação, manobra, para mexer em nossa Constituição e retirar Direitos individuais e coletivos, eu ‘tremo’. Qualquer ação, manobra, para relativizar os Direitos Fundamentais, me ‘assustam’ (não quero mais viver isso!). Acendo a ‘luz amarela’. Por isso, não concordei com o resultado do julgamento do Habeas Corpus preventivo do Lula no STF. Por isso, não concordei com a decretação da prisão do Lula.“…NINGUÉM SERÁ CONSIDERADO CULPADO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.” (CF,art.5º,LVII)
Gostando ou não do Lula. Reconhecendo criticamente seu diferenciado papel histórico, não houve em seus propósitos de poder e governo, a subsunção da nossa Democracia. Esta é hoje para mim a bandeira de luta mais relevante, corporificada na nossa Constituição Cidadã que fará três décadas, apenas, neste ano, juntamente com a defesa intransigente dos Direitos Humanos, frente ao ‘novo pacto com Supremo e tudo’ e Forças Armadas também. A ousadia dos comentários do general Villas Boas nesta semana, não representa pensamento ou achismos conspiratórios.
- “Mas é claro que o sol, vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei…Escuridão já vi pior, de enlouquecer gente sã. Espera que o sol já vem.” (Legião Urbana)
A riqueza de novos projetos de Nação, de caráter moderno e emancipador, ainda não existe em sua forma madura e com viabilidade e enraizamento social. O simulacro democrático, de uma ‘lavagem’ parcial, seletiva, que ‘irrompe como monstros’ na vida do meu país, vitoriosa até aqui, não durará para sempre! Tempo, tempo, tempo! Trabalho, trabalho, trabalho! Unidade, unidade, unidade! Luzes, luzes, luzes! Império da Lei a serviço da Democracia! Radical amor e lealdade pelo bem-comum!
Muito simbólico a opção que Lula fez ao saber de sua prisão decretada: do Instituto Lula (baluarte do seu prestígio) caminha e se aconchega no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo/SP (sua origem política, há muito distanciado).
Finalizando, relembro Ivan Lins, em tempos de escuridão:
“Desesperar jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer
No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora, acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular
Desesperar jamais
Cutucou por baixo
O de cima cai
Desesperar jamais
Cutucou com jeito
Não levanta mais”.
Que consigamos um ‘Habeas Corpus’ para dar continuidade à construção democrática de nosso país!
Guiomar, parabéns pelo texto!