— Alan!
O homem se moveu rapidamente. Acendeu a luz. Olhou ao redor. Mais uma vez, estava sozinho. Era a segunda noite consecutiva em que acordava com a voz de uma mulher chamando-o. Não se lembrava qual havia sido a última vez em que dividira o quarto com alguém. Havia semanas. Meses. Anos? Não sabia. Apagou a luz e retornou à cama, refletindo sobre a solidão e o que ela estava causando nele.
Estava quase dormindo. Via-se caminhando por um bosque, desacompanhado, enquanto elaborava uma nova história em sua cabeça. O prazo dado pela editora estava expirando. Ele já tinha negociado todos os adiamentos possíveis com Nelson, que o criticava abertamente pela “irresponsabilidade e falta de comprometimento”. Mas o homem nada entendia sobre seu trabalho.
— Alan!
Pulou da cama e correu até o interruptor. Ainda com olhos meio fechados, analisou todo o espaço. Abriu a porta. Caminhou rapidamente por todos os cômodos. E se sentiu bobo. Infantil. “Atormentado por nada”, pensou no momento em que retornava ao quarto. “Me tornei um grande idiota”, concluiu, entre lamentos.
Mais uma vez, fechou os olhos. Retornou ao ponto em que estava. No bosque. Caminhando. Toda a narrativa se formava sem esforço em sua cabeça. O roteiro invisível parecia levá-lo a um descanso sob a árvore. Ele realmente andava exausto. Passava os dias entre possíveis ideias que poderiam ser apresentadas ao editor. Precisava dormir. Se pudesse, profundamente. E seria ali.
— Alan!
— Não é possível! — e acendeu o abajur. Na escrivaninha em que costumava trabalhar, estava sentada uma mulher. Os cabelos claros jogados para trás em uma desarrumação cuidadosa. O perfume doce quase enjoativo tomando o ambiente. As pernas balançando no ritmo de algum som que somente ela escutava. Os olhos vidrados nele.
— Quem é você? Como entrou aqui?
Ela sorriu maliciosamente. As unhas grandes e escuras ajeitavam as folhas deixadas sobre o computador. Ele detestava que mexessem em seus rascunhos.
— Tire a mão daí — e pegou os papéis enquanto a mulher gargalhava com o mesmo malicioso tom. Ele a olhava espantado. Não se lembrava daquele rosto. Não conhecia ninguém com aquelas roupas. Não seria capaz de dizer de onde e quem era nem como havia entrado em sua casa.
— Qual é o seu nome?
— Você sabe. E sabe bem.
Tentou se recordar. Ninguém tinha a chave de sua casa. Era cópia única. Exclusiva.
— Se soubesse, não estaria perguntando. E ainda quero saber como entrou em minha casa. Nunca a vi.
— Não. De fato. Mas me imaginou. Exatamente como sou. Todos os traços de meu corpo. Do cabelo enrolado à pinta nas nádegas, como você disse. Acho que poderia ser mais simples. Poderia ser bunda mesmo.
Ele continuava sem entender.
— Sim. Não me olhe com espanto. Você tem mania de seguir o pensamento politicamente correto em seu trabalho.
— Mas eu não poderia ver suas nádegas em meu ambiente de trabalho. Aqui, este lugar é o meu ambiente de trabalho. E não o compartilho com colegas, muito menos com estranhos.
— Prazer, Estela.
“Estela. O jeito malicioso era uma combinação desajeitada da menina e da mulher que ela conservava em seu interior. Ora, desaforada. Ora, doce. Por vezes, deselegante com quem julgasse necessário. Não hesitaria em invadir o quarto de um estranho que a interessasse.”
— Mas isso não é possível! – disse Alan enquanto corria para a sua mesa de trabalho. Procurou, procurou, procurou. Revirou os papéis desordenados. Lembrava-se de que havia marcado a folha com um traço de hidrocor vermelho.
— É esta que você está procurando? — perguntou a mulher, sacudindo um papel parcialmente escrito.
— Sim. Essa — e pegou da mão de Estela. Leu trechos da história inacabada. Ali estava o nome dela. — Não é possível.
— É, sim. Há tempos, ando chateada com você. Como é possível você começar a traçar as primeiras linhas sobre minha história e deixá-la de lado, dias depois? Ficarei ao seu lado até que você tenha posto o ponto final.
Ele continuava a observá-la atentamente. Devia ter bebido demais naquela noite. Estava se sentindo desanimado pela falta de criatividade que passara a acompanhar seus dias.
— Então? Não vai começar a trabalhar?
— Pelo amor de Deus, me deixa dormir — e andou até o interruptor. Ao olhar para trás, a mulher estava deitada em sua cama. Não tinha espaço para ele. Ela mantinha a malícia. Ele entendeu o recado. Mudou a direção e caminhou até a cadeira, sentando-se. Ligou o computador. Buscou o arquivo. Estava fechado há semanas. Alan não sabia como retomar a história.
Bateu os dedos no teclado. Apagou. Tentou novamente. Apagou. Estava tenso.
— Dessa forma, não terá condições de me deixar seguir em frente, querido — disse Estela, sentando-se perto do homem. Leu a última frase do texto. — Que tal mudar o caminho? Olhe bem para mim. Acha que tenho cara de final feliz?
Ele a observou. Os traços. A expressão marcante. Encarando-a, notou que havia descrito a personagem de forma superficial. Realmente, não combinava com ela. Como um artista que esculpe seu objeto de trabalho, deslizou, novamente, os dedos sobre o teclado. Desta vez, em ritmo uniforme. Parava vez ou outra para ver o que Estela o dizia com seus movimentos peculiares. Se escrevesse algo que a desagradava, ela reclamava. Em voz alta ou silenciosamente. Acabara de aprender a lê-la.
“Após derrubar a última colher de açúcar, bebeu, de uma só vez, o resto do café amargo. Ponto final”, narrou Alan ao finalizar o texto. Respirou fundo, após fechar os olhos, reabrindo-os em seguida. Admirou o silêncio. Agora, somente agora, fora capaz de perceber que a voz e o cheiro e o gosto da mulher que criara perseguiam-no todas as horas do dia, desde que tentara esquecê-la.
Levantou-se da cadeira. Os primeiros raios de sol invadiam o quarto. Fechou a janela. Sentia-se renovado. Há tempos, não sabia o que era pôr o ponto final em uma história. Deitou-se. Nos últimos momentos de lucidez, sentiu uma respiração em seu pescoço e sorriu ao eco da risada maliciosa.