Paula Vigneron — Entre moinhos

 

Céu do Arpoador, Rio, 17/12/14 (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)

Observava o passar do tempo ouvindo o barulho da água batendo na janela. A chuva chegara há umas horas. Desde a véspera, quando o céu havia mudado de cor, começou a desejar por gotas, relâmpagos e trovões. Na infância, temia. Mas, com os anos, todo o medo tinha se transformado em prazer durante as tempestades.

Dias nublados eram sinônimo de voltar ao passado. Caminhar por trilhas já percorridas. Relembrar os momentos, bons e ruins, que a levaram até aquela chuva. A música ajudava a retornar às épocas da sua vida. Tinha o hábito de escutar determinada canção quando desejava reviver sensações de tempos remotos.

Transitou da infância à adolescência em ritmo de rock. A mochila cor de exército. Os cabelos enrolados em nós. Casaco azul ou cinza. Dependia de seu humor. Viu-se entre as paredes do colégio. Mais uma manhã daquelas divididas com os amigos por três anos. Os corredores da escola, cheios de vozes e jeitos e caras e bocas, eram passagens diárias. Os caminhos sempre iguais. As chegadas, saídas. Debates sobre a vida ou sobre um lanche na hora do intervalo.

Era aula de português. A professora, de voz firme, ensinava algum trecho da gramática. Ou seria um movimento literário? Muitas vezes, no ritmo das falas, seus pensamentos viajavam para outros mundos, tanto em fuga quanto em busca de soluções para os problemas típicos e atípicos de uma adolescência.

Naquele dia, no entanto, uma pergunta marcara a manhã. A mulher olhou para os alunos e questionou se eram felizes. A simples pergunta transpareceu os conflitos dos meninos e meninas que ocupavam as cadeiras da classe. Para uns, a resposta mais óbvia seria: “claro”. Mas, para outros, permaneceu a dúvida. Duas das garotas se olharam. Sabiam que pensavam a mesma coisa. “Não sei.”

Após o sinal, indicando o término do horário, os quatro amigos se sentaram em algum canto da grande escola e conversaram sobre a aula.

— Você é feliz? — perguntou um deles.

— Eu sou. E vocês? — respondeu o outro.

As duas meninas voltaram a se encarar. A resposta estava nos olhares.

— Não sei — responderam ambas. Os dois rapazes as observaram boquiabertos. “Mas como vocês não são felizes?”, questionou um deles, o mais inquieto com a resposta. Para ele, a felicidade parecia ser natural. O bom humor presente nos diálogos e a cada sorriso distribuído. O outro também mantinha a alegria e o carisma no trato com o próximo. Elas, mais fechadas, seriam capazes de ouvir longas conversas sem emitir um som, caso não se sentissem à vontade.

Anos se passaram desde o dia da resposta indefinida. Ainda ao som da chuva, lembrou os traços dos olhos e rostos deles. Entre sonhos e realidades, deixaram para trás os sinais mais expressivos da inexperiência, adquirindo, vagarosamente, ares de cinismos. O mundo e seus moinhos.

Antes de dormir, apagou a luz, caminhou até a cama e se deitou sob as cobertas, já esticadas para aquecer um pouco o lençol. Respirou fundo e reviveu os momentos recentes em sua cabeça, ainda incapaz de definir até onde eles a levariam. Vencida a luta entre o peso dos olhos e dos pensamentos, foi capaz de ouvir, antes de pesar a respiração, a mesma voz firme da sala de aula de sua adolescência. Naquele breve momento, refletiu, era feliz.

 

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Este post tem um comentário

  1. Letícia

    Lindo!

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