Artigo do domingo — Brasil, possibilidades e suposições

 

Bolsonaro sob os retratos dos generais-presidentes da ditadura militar que diz não ter existido: Humberto Castelo Branco, Arthur Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo

 

Líder em todas as pesquisas sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PSL) foi abençoado com um reforço no debate da Band, da última quinta (09). Afinal, no contraste com o Cabo Daciolo (Patri), é preciso esforço para não parecer equilibrado. Líder da greve de bombeiros e policias militares em 2011, ele foi eleito deputado federal pelo Psol em 2014. Seria expulso do partido em 2015, após propor alterar o parágrafo primeiro da Constituição, de “todo poder emana do povo” para “todo poder emana de Deus”. Mas não sem antes provar como são largas as malhas da legenda que se pretende a renovação da esquerda brasileira.

No lado aparentemente oposto, como candidato a presidente pelo partido chamado Patriota, hoje o mesmo da ex-prefeita Rosinha Garotinho, Daciolo é a prova viva do quão profética é a sentença do pensador inglês Samuel Johnson (1709/84): “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. No debate da Band, primeiro entre os candidatos nas urnas de daqui a menos de dois meses, o cabo bombeiro serviu de escada para o ex-capitão do Exército. Nada que o campista não conheça, depois do que o deputado federal Paulo Feijó (PR) fez para Rosinha na eleição municipal de 2008, ou que Caio Vianna (PDT) tentou fazer por Dr. Chicão (SD), com menos êxito, em 2016.

Embora tenha sido questionado por todos os demais candidatos por sua aliança com o Centrão (DEM, PP, PR, PRB e SD), o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) se mostrou um dos mais consistentes entre os oito presidenciáveis reunidos no debate da Band. Pela experiência na vida pública, é condição que também ostentaram Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Pode) e Marina Silva (Rede). Ainda que tenha reunido em torno de si quem admite estar encurralado pela Lava Jato na maneira de fazer política, o tucano ganhou a disputa com Ciro e Bolsonaro, que também cortejavam o Centrão.

Por conta disso, Alckmin terá 6 minutos e 3 segundos por bloco na propaganda eleitoral gratuita de TV, que começa no próximo dia 31.  É bem mais do que os 33 segundos de Ciro, os 16 segundos de Marina e os 9 segundos de Bolsonaro. Mas no Brasil que derrubou uma presidente em 2016, a partir da mobilização pelas redes sociais, é difícil crer que a TV terá a mesma importância de eleições anteriores. Na guerra clássica, o presidenciável tucano se mostrou um hábil estrategista. Ainda que a guerra de guerrilha das redes sociais prometa ser protagonista na definição das urnas de outubro. Nessa inovação tática relativamente recente, reside a vantagem do ex-capitão na disputa pelos numerosos votos do antipetismo.

Com cerca de 20% das intenções de voto do brasileiro, de pesquisa em pesquisa, Bolsonaro parece ter batido seu teto. Não é suficiente para garantir a vitória no segundo turno, mas projeta acesso a uma das suas duas vagas. Se não conseguir avançar sobre esse eleitor, dificilmente Alckmin terá chance. E a tarefa é difícil pela impermeabilidade à razão de quem relativiza até as declarações racistas do general Hamilton Mourão (PRTB), vice do capitão: “Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena (…) mas a malandragem é oriunda do africano”. Após dizer que “há um certo radicalismo nas ideias, até meio boçal” nos apoiadores de Bolsonaro, o militar foi voluntário para confirmar sua própria advertência.

Filha bastarda do “nós contra eles” implantado no Brasil pelo PT, sobretudo em seu processo de derrocada do poder, a irracionalidade política nunca esteve tão em alta. É capaz de fazer com que o líder nas pesquisas seja um político carismático, mas condenado por corrupção, preso e impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa que ele mesmo sancionou quando era presidente. Sendo seguido nas intenções de voto por alguém que, em seu sétimo mandato como deputado federal, se anuncia como “o novo” “contra tudo que está aí”. Em um ou no outro, cerca de 50% dos brasileiros parecem acreditar, enquanto se odeiam mutuamente.

De fato, o que aí está é a Nova República, construída a duras penas após a ditadura militar (1964/85) cuja existência agora se nega. Arrasta-se moribunda em seu presidencialismo de coalisão, ou cooptação, por conta das reformas do país que os populares governos do PSDB e do PT não fizeram. E que se o próximo presidente não fizer, talvez não termine o mandato.

Além das redes sociais, Bolsonaro tem uma grande vantagem sobre seus concorrentes: ele fala a língua do eleitor comum. Ironicamente, é uma virtude semelhante à de Lula. Para entende-los, a população não precisa da tecla SAP necessária a oradores superiores, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ou Ciro. Mesmo que o receptor padeça das dificuldades cognitivas da também ex-presidente Dilma Rousseff (PT), as mensagens de emissores como Bolsonaro e Lula são sempre claras. Goste-se delas ou não.

Para quem se assusta com a possibilidade de Bolsonaro vencer a eleição presidencial, o espanto pode se tornar ainda maior. Apenas como exercício mental, sem juízo de valor, suponha que a terceirização da economia do país, nas mãos do liberal Paulo Guedes, consiga estancar ou reverter o fechamento de empresas e postos de trabalho. E que, a partir de uma mudança na legislação, o endurecimento policial surta efeito contra a explosão da criminalidade.

Sem aposta ou desejo, mas se essas duas coisas acontecessem num eventual governo Bolsonaro, seu teto seria muito maior do que 20%. Como o próprio Lula já admitiu, na época do “Milagre Econômico” dos anos 1970 — cuja fatura se estendeu até o Plano Real em 1994 —, o general Emílio Garrastazu Médici (1905/85) provavelmente seria eleito presidente pelo mesmo voto popular que sonegou.

 

Publicado hoje (12) na Folha da Manhã

 

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Este post tem um comentário

  1. Sandra Maria Santos

    Extremismo é perigoso e eu tenho medo .
    Nosso passado demonstra isso .Com o período da Intervenção Militar ficamos sem líderes .E os que permaneceram ou apareceram não foram (são) confiáveis .Os partidos se misturaram e perderam as suas identidades .
    Absurdo o tempo na TV ser diferente para cada candidato,deveria ser igual como nos debates ,se bem que hoje a propaganda gratuita praticamente é um zero à esquerda do

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