Lembranças de Kapi
Por Aluysio Abreu Barbosa
Cerca de duas semanas atrás, a professora Elizabeth Araújo, a Bebeth, me comunicou que Antonio Roberto de Góis Cavalcante, o Kapi, ganharia na última quarta-feira (19) o prêmio Alberto Ribeiro Lamego. Espécie de mãe adotiva de Kapi, morto em 2 de abril de 2015, ela me pediu que recebesse o prêmio por ele, na condição de seu irmão em semelhante processo de adoção afetiva.
Como considerava o prêmio mais importante da cultura da cidade, afeições à parte, mais que merecido ao maior artista de Campos que conheci em meu tempo de vida, colhi alguns depoimentos. São pessoas que passaram pela história de Kapi, rica e multifacetada como um artista da Renascença. Era diretor de teatro, cenógrafo, produtor, poeta, letrista, carnavalesco, desenhista, arquiteto prático, decorador e turismólogo, curso superior no qual se formou.
Todavia, ao me aprofundar na pauta, descobri que Kapi não seria o único agraciado com o Alberto Lamego. Na verdade, o prêmio que deveria ser conferido anualmente estava sem ser entregue desde 2014. E, mesmo depois que seus 10 vencedores, dois por cada ano dos últimos cinco, foram definidos pelo Conselho Municipal de Cultura (Comcultura), entre setembro e outubro deste ano, a comunicação da Prefeitura só se dignou a comunicar oficialmente seus vencedores (aqui) no final da tarde do dia 17 de dezembro.
Dois meses e meio após a definição dos vencedores do Alberto Lamego, sua comunicação oficial se daria só dois dias antes da entrega do prêmio. E três dias após os nomes dos 10 vencedores já terem sido divulgados (aqui) no blog Opiniões, hospedado no Folha 1. Diante da necessidade de se cobrar esse delay tão assombroso, quanto inexplicável, os depoimentos sobre Kapi acabaram não sendo publicados. Mas como nunca é tarde para se lembrar um dos maiores artistas produzidos nesta planície cortada pelo Paraíba do Sul, vamos a eles:
“A poética aristotélica trata das três grandes formas de criação literária: épica, lírica e dramática. Alguns artistas, tamanha sua genialidade e talento, conseguiram encontrar abrigo nas três moradas. É o caso de Kapi: poeta, dramaturgo, encenador. Mesmo que não tenha, no plano da escrita, se dedicado à narrativa, de certo modo não deixou de fazê-lo no teatro e na vida, onde sua grandeza sempre foi mais épica do que lírica. Kapi era grande por ser inteiro, pois punha o quanto era no mínimo que fazia. E hoje em cada lago sua lua brilha porque alta vive, como vivem as luas dos grandes poetas, dos grandes artistas”.
(Adriano Moura, poeta e dramaturgo)
“Antonio de Góis Cavalcanti: Kapi. Artista múltiplo, uma referência no cenário cultural de nossa cidade. Poeta, transgressor e visionário. Um verdadeiro arquiteto da carpintaria teatral. Digna e justa homenagem a esse gênio que tanta falta nos faz. O prêmio Alberto Lamego vem reconhecer todo seu legado. Aplauso”.
(Fernando Rossi, diretor do Teatro de Bolso)
“Ele não tocava nenhum instrumento, mas escrevia com métrica musical perfeita. Certa vez fui interpretar uma música dele em parceria com o meu irmão Carlinhos num festival em Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, tiramos o terceiro lugar, na volta, paramos na Praça 15 para comer um Angu do Gomes, colocamos o troféu em cima da carrocinha, comemos, pagamos e fomos embora, esquecemos o prêmio e nunca mais o vimos”.
(Paulo César Ciranda, músico)
“Kapi era múltiplo. Autor, diretor, ator, gestor… de qual falar? Vou me ater ao gestor. Talvez o que as pessoas menos conheçam. Na Codemca, quando juntos trabalhamos, conheci a sua capacidade de planejar, organizar, viabilizar e realizar. Um dos melhores fazedores com quem trabalhei. Grande Kapi! Esse prêmio é mais que merecido”.
(Murillo Dieguez, empresário)
“Ele me apresentou o teatro profissional e através dele o mundo. Nos dias de ensaio tinha acesso a livros e textos incríveis sobre a história do teatro. Inteligência, audácia e determinação! Foi um orgulho mergulhar tão profundo nos projetos em que estivemos juntos. Salve Kapi, eternizado pela história cultural da nossa cidade”.
(Sidney Navarro, ator)
“Impossível sondar os caminhos que levavam Kapi às suas criações, dada a diversidade de sua produção. Na direção teatral, que o notabilizou, era capaz de dar à luz a imagens improváveis, mesmo quando concebia cenografias faraônicas. O conheci quando o próprio veio me convidar para integrar o elenco do espetáculo ‘Pontal’, que teve a assinatura de sua direção. Nesta peça ele também estendeu a trança de sua poesia com alguns de seus poemas. Ele jogava nas onze! Kapi pesquisador, pensador e operário da arte. Bicho de teatro. Kapi é quase uma unanimidade para quem vive a arte na nossa região. Um dos maiores artistas que já vi”.
(Saullo Oliveira, ator e músico)
“Poucos campistas conheceram e viveram o teatro em seu cerne como Kapi, a sua entrega era total e as suas direções foram marcadas pela competência, coragem e capacidade de emocionar quem assistia aos seus espetáculos. Colocava no palco angústias, sonhos e conflitos, elaborando verdadeiras catarses como só os grandes do teatro sabem fazer. Temos, sim, que homenagear Antonio Roberto Kapi, sempre e muitas vezes, para que o teatro campista não morra de Alzheimer ou coisa parecida”.
(Luiz Fernando Sardinha, ator e produtor cultural)
“Antes tarde que nunca. Dar a Kapi o mais importante reconhecimento por sua dedicação à cultura é um ato de justiça. Tardia, mas justa. Colecionador de fracassos como empreendedor, nunca desistiu de seus planos, mesmo os mais mirabolantes. Alguns sucessos fizeram história, como ‘Arena conta Zumbi’ e a inesquecível montagem de ‘Gota D’Água’, no Trianon ainda em construção. Parabéns Kapi e saboreie de alguma nuvem em que você esteja merecido prêmio”.
(Ricardo André Vasconcelos, jornalista)
“‘Objetivo’, ‘intenção’, ’verbo de ação’. Esses foram meus primeiros ensinamentos, tudo que o ator deve aprender, ou seja, tudo que o ator deve atribuir aos seus personagens. Isso, às vezes, dói e pesa, mas é o que promove a verossimilhança na interpretação, na cena teatral. Isso é arte! E isso só Kapi sabia fazer! Trabalhar o personagem, na sua tortura e na sua maior dor. É o que chamamos de visceral, orgânico. É nisso que Kapi acertava, com sua inventividade, que, muitas vezes, não tinha limites. Isso era o pior e o melhor dele. Evoé!”
(Luciana Rossi, atriz)
“Kapi é mestre. Ao receber um convite para alguma montagem teatral sob sua batuta a resposta sempre foi sim, sem me importar qual era o texto, o autor, quanto tempo duraria, a personagem. Um diretor genial, traço forte, definido e por óbvio a certeza de um resultado final recompensador. Sua maestria era vista, sentida e reconhecida pelo público amante do teatro. Saudades muitas das histórias e risadas que dávamos juntos. Mérito e aplauso total pelo prêmio Alberto Lamego. Evoé, Kapi!”
(Pedro Fagundes, ator)
“Cultura era para Kapi o ar que o mantinha vivo. Poucas pessoas se dedicaram tanto à cultura como ele. Não era seu ofício, era sua missão. Fico muito feliz com a inclusão de seu nome entre os agraciados com o prêmio Alberto Lamego. Fico feliz com o resgate da entrega do prêmio. De certo uma estrela vai brilhar mais forte no céu”.
(Jane Nunes, jornalista)
“Homenagem justíssima que só chega com atraso exatamente por conta da maior virtude de Kapi: colocar à mesa aquilo que pensava, sem negar o sorriso fraterno, mas sem negociar. Por conta disso, injustamente, ficou de fora da engrenagem oficial que acaba por fazer girar a roda cultural durante um período considerável. Ainda assim, driblou sem piedade sua ‘censura’ e foi digno de aplausos negados aos ‘eleitos’. Um dos maiores conhecedores do universo cultural de Campos e do Norte Fluminense, das nossas tradições e do relicário de suas manifestações”.
(Antunis Clayton, jornalista)
“Kapi era genial, criativo e ousado em suas produções. Recordo do belo trabalho dirigido por ele, quando atuei dançando com minha saudosa irmã Giza no espetáculo ‘Bodas de Sangue’, do espanhol Federico Garcia Lorca, na Casa de Cultura Villa Maria. Boas lembranças que ficaram eternizadas”.
(Ronaldo Vasconcelos, dançarino)
“Era amoroso ao seu jeito, belo, sarcástico, sonhador, revolucionário, inteligente… sujeito imenso. Kapi esteve em minha vida e na de muitos de um modo que marcou. E a gente fica procurando algo dentro de si mesmo para avançar em uma ‘estrada’ que se modificou para sempre depois de sua partida. O teatro na cidade, certamente, nunca mais será o mesmo sem ele. E a vida da gente também não”.
(Aucilene Freitas, atriz)
“Kapi a rigor carregava o palco dentro de si. Viveu mergulhado no fazer poético. Deveriam ter lhe aberto mais palcos enquanto vivo. Tive a alegria de privar de sua amizade, de compartilhar profissionalmente de projetos na cultura local. Popular e erudito. Incansável e grandioso na construção do fazer artístico. Apurava à exaustão o seu ofício. Imortal cravado no teatro campista, Kapi é das melhores referências da história cultural desta planície”.
(Luciana Portinho, produtora cultural)
“Kapi foi poeta, artista plástico, carnavalesco, diretor e produtor teatral, um homem que viveu fazendo arte. Que acredito, por opção, fazia arte em Campos para Campos. A planície goytacá teve nele um grande amante. Visionário. Sonhava em encenar uma obra teatral no leito do Rio Paraíba. Posso dizer que o teatro de Campos teve um ótimo encenador. Lembro como foi bacana dirigir com ele a peça Gota D’água, que encenamos em meio às obras de construção do atual Teatro Trianon. Pessoas como Kapi deixam muitas histórias”.
(Lúcia Talabi, atriz)
“Ótima a notícia de que o prêmio Alberto Ribeiro Lamego, instituído nos anos 80, retornou. De vez em quando ele se esconde. De vez em quando, volta. Ele nunca devia sair de circulação. Ótima notícia também saber que ele será conferido ao nosso saudoso amigo Kapi. É lastimável que ele não esteja mais entre nós para receber o mais alto troféu da cultura com suas próprias mãos. Seja como for, faz-se justiça a uma pessoa que deixou seu nome inscrito nas artes cênicas de Campos, além de ser poeta de talento reconhecido. Esteja onde estiver, segundo as diversas crenças, aceite o prêmio, nossas desculpas e nossas congratulações, grande amigo”.
(Arthur Soffiati, historiador)
“Lamento que Kapi não tenha recebido esse prêmio em vida. Seria mais que justo por tudo que ele fez pela cultura de Campos. Quando assisti à sua montagem do ‘Romanceiro da Inconfidência’ na Igreja da Lapa, com texto de Cecília Meireles, que meu filho Flávio musicou, pensei: ‘Meu Deus! Essa criatura tão culta, sensível e inteligente não terá da sua cidade o reconhecimento que merece nessa vida’. Quando assisti à sua encenação de ‘Gota D’Água’, no Trianon ainda no esqueleto e sem teto, olhei para o céu e pensei que estava num anfiteatro há milhares de anos, talvez no Egito, que nós conhecemos juntos”.
(Elizabeth Araújo, educadora)
Publicado hoje (23) na Folha da Manhã