Ricardo André Vasconcelos — Bolsonaro é o nome da tragédia

 

(Foto: Mauro Pimentel – AFP)

 

 

Ricardo André Vasconcelos, jornalista, servidor federal e bacharel em Direito

Bolsonaro é o nome da tragédia

Por Ricardo André Vasconcelos

 

A tragédia que se abateu sobre o Planeta encontrou aqui, neste que já foi considerado o “país do futuro”, aliados do inimigo que, por ignorância ou esperteza, abriram as portas dos lares brasileiros para a maior carnificina humana desde a Gripe Espanhola de um século atrás. De repente, foi como se o relógio tivesse andado para trás e as vacinas inventadas nas primeiras décadas do século XX voltaram a ser rejeitadas por parte da população que julgávamos minimamente civilizada.

Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Vital Brazil, Noel Nutels, o que fizeram com o legado de vocês?

E descobriu-se algo ainda mais assustador. Já se falava à boca miúda, mas agora, como muitos com Q.I. semelhante tinham assento em palácios, assumiram sem vergonha: a terra não é redonda e gira em torno do Sol como nos ensinaram Galileu Galilei e Nicolau Copérnico às portas do Renascimento, por volta de 1.500 d.C., e sim “plana”!

Essa gente vivia entre nós e não sabíamos. Tomávamos cafezinho juntos no Ceceu, quando ainda existia a “rua dos homens em pé”. Almoçávamos juntos no Palace Hotel em dias de bonança, ou prato feito nos pés-sujos da cidade, sem saber que na própria mesa ou ao lado, poderia estar esse tipo raro de fascista, que fica décadas dentro do armário sem saber o que é. Um dia, um ex-capitão saído do Exército pela porta dos fundos, e 28 anos habitando o andar de baixo da política, encaixando os três filhos no mesmo esquema, é guindado à chefia da nação por 57,7 milhões de eleitores. Aí todos os fascistas enrustidos e negacionistas envergonhados encontraram um líder para seguir cegamente, esfregando na nossa cara sua ignorância, crueldade e incivilidade. Muitos, acredito, por absoluta indigência de senso crítico, mas não se pode deixar de admitir o conúbio macabro de oportunistas, sejam eles financistas da Faria Lima, mercadores da fé — estes os mais repugnantes — ou os velhacos políticos cujas velas inflam sempre para vento dominante.

Bolsonaro é, antes de uma reação antilulista e ao desencanto com a política, o encontro do Brasil consigo mesmo, ou melhor, com o lado mais cruel e abjeto do país.  Sim, a pátria mãe gentil é só uma bela frase poética de Osório Duque-Estrada para a música composta um século antes por Francisco Manuel da Silva. Talvez esta seja a constatação mais assustadora na semana em que ultrapassamos a marca das 300 mil mortes pela Covid-19. O país caminha para um colapso em sua estrutura de saúde — pública e privada — porque não há leitos, equipamentos, oxigênio, profissionais e talvez nem caixões em número suficiente para enfrentar a incúria dolosa do Governo Federal. E tem gente com insensibilidade suficiente para vestir-se de amarelo e sair às ruas para gritar “ivermectina sim, vacina, não!”.

Desde os primeiros dias da pandemia, coube ao presidente da República o papel de garoto-propaganda do Sars-CoV-2, o coronavírus, ora subestimando o vírus (pode causar no máximo uma “gripezinha”), ora exercendo ilegalmente a medicina ao prescrever medicamentos incapazes de combater a doença. Fez mais: criou todas as dificuldades para o país ter acesso às vacinas, inclusive ofensas ao povo do país produtor de vacinas, feitas pelo filho 02, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que é, pasmem, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal. Além disso, Bolsonaro pai sabotou de todas as formas às medidas elementares para evitar a propagação do vírus: andava sem máscara (“coisa de maricas”); provocava aglomerações diárias e mantém uma relação de perseguição aos governadores que combatem a tragédia em trincheira oposta. Fez pouco caso quando o número de vítimas chegou a 5 mil (“e daí?”) e (“sou Messias, mas não faço milagres”)… “É infâmia demais”, diria Castro Alves.

A conclusão desta breve reflexão passa justamente por essa relação de líder e liderados. Dono de cerca de 30 % do eleitorado, Bolsonaro fala diretamente com essa massa, ativando o mecanismo conhecido como “apito do cachorro”, cuja freqüência sonora retroalimenta o bolsonarismo num círculo vicioso do qual o presidente acabará refém. O fascista Bolsonaro conta com essa gente para permanecer no poder. Pelo voto ou pela força. Mas, como monstro devora monstro, poderá ser devorado pelo monstro que ajudou a criar.

A tragédia deve chegar a 500 mil mortes, que podem ser nossos pais, irmãos, filhos, amigos, mas a dor alheia parece ser apenas um detalhe nesse projeto de poder. Enquanto isso, a pandemia vai sendo debelada praticamente por gravidade. Vacinação lenta, a conta-gotas, dedicação dos profissionais de saúde e atuação firme de alguns governadores e prefeitos que têm a coragem de enfrentar a ganância de empresários que forçam para manter seus estabelecimentos abertos a qualquer custo. Além dos achacadores do dízimo, que lotam templos. É claro que as pessoas precisam trabalhar, produzir para comer.  Mas é falso o dilema de vida x economia. É preciso garantir incentivo às empresas para que mantenham seus funcionários em casa e dinheiro direto para os desempregados e autônomos. O auxílio emergencial de R$ 600,00 foi pago até dezembro do ano passado e agora querem pagar só R$ 150,00, e mesmo sendo “emergencial”, ainda não liberaram dinheiro.

Ah, vai gerar recessão, inflação? Que venham. A prioridade hoje é salvar vidas, o resto se resolve depois.

A gente se pergunta: chegamos ao século XXI, à era de Aquário, temos a Internet que globalizou a informação e não era para estarmos mais solidários, mais bem informados, mais felizes, enfim? A internet, com suas redes-tentáculos e seus diabólicos algoritmos, deu voz aos idiotas, como previu Umberto Eco. Espalham notícias falsas com cândida inocência ou simplesmente para reforçar argumentos às ideias que acreditam, por mais toscas que sejam. Mas não há de se perder a esperança de que, mesmo aos trancos e barrancos, a humanidade vai sair de mais essa enrascada e prosseguir em sua lenta evolução. Apesar dos Bolsonaros e seguidores que tantas e tantas vezes surgiram no curso da humanidade e acabaram no lixo da história.

 

Publicado hoje (27) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 2 comentários

  1. leonardo souza costa

    Muito fraca a sua visão da responsabilidade no cuidado com a Covid. E o que me diz das ações de PREFEITOS E GOVERNADORES? Do dinheiro desviado e mal usado nós HOSPITAIS de Campanha. Do povo que não respeita regras e muito menos respeita o próximo. E sobre as multidões nas carreatas e passeatas eleitorais, no período de festas natalinas, dos verão e feriadoes das praias lotadas? E todos vocês, estavam onde nesses períodos? É muito fácil a parcialidade para tirar a responsabilidade das costas pra jogar na do Bolsonaro. Ah. nele é mais fácil, porque muitos já apontam pra ele!

  2. leonardo souza costa

    Será que a memória de vocês não voltaM nos governos petistas que já reclamavam a eliminação de cerca de 42 mil leitos nos hospitais? Que o êxtase em construírem estádios superfaturados que seriam pouco usados e que num país com saúde carente de tudo, o melhor seriam construir HOSPITAIS? Que somente com os 2 BI gastos no estádio de Brasília, daria pra implantar 11,5 mil leitos de UTI’s? LEMBRARAM?

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