“A gente pede consciência à população. A gente poderia estar completando o ano no CCC em comemoração, mas infelizmente, neste dia, a gente abre o nosso serviço em superlotação. Pela primeira vez, a gente está além dos 100% da ocupação, temos pacientes em todos os lugares possíveis em pode acomodar, à espera de uma vaga regular. Este é o nosso cenário atual”. Foi a alerta ecoado hoje pela médica pneumologista Patrícia Meireles, do Centro de Controle e Combate ao Coronavírus (CCC) em Campos, instalado há um ano, em 30 de março de 2020 (relembre aqui), na Beneficência Portuguesa.
Patrícia foi entrevistada no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, junto ao médico intensivista Vitor Carneiro, seu colega no CCC. Ele cobrou o Hospital de Campanha do governo estadual, que chegou a começar a ser instalado às margens da av. 28 de Março em 2020. Mas nunca foi concluído, em meio ao escândalo de corrupção que levou ao afastamento do governador Wilson Witzel (PSC). Eleito no fenômeno eleitoral de Jair Bolsonaro (hoje, sem partido) em 2018, Witzel passaria de aliado a adversário político do presidente.
— O CCC foi aberto contando que o Hospital de Campanha fosse aberto também aqui em Campos; aquela tenda montada em frente ao Shopping 28, que começou, mas nunca funcionou. O colapso (da rede de saúde pública, conveniada e privada de Campos, com a Covid) acontece hoje porque a previsão feita na época é de que haveria o Hospital de Campanha. A gente chegou próximo disso na primeira onda, lá para maio, junho (de 2020). E agora estamos com essa situação complicadíssima que estamos vivendo neste momento — alertou também Vitor.
Linha de frente de Campos e região no enfrentamento à pandemia, o CCC revela a situação desesperadora de quem precisar hoje de leito, de UTI e até clínicos:
— A gente tem gente na enfermaria à espera de leito de UTI, mais de seis ou sete doentes, dentro da instituição, esperando regulação externa e interna. Hoje, infelizmente, a gente trabalha com altas e óbitos. E também à espera de um leito clínico. A gente conseguiu acomodar ontem, dentro da nossa unidade, cinco pacientes na emergência, à espera de um leito clínico e de UTI. Por exemplo, no dia de ontem, conseguimos acomodar, até quase às 22h de ontem, gente em cadeiras. Porque a gente não tinha onde colocá-los. O CCC não é um centro hospitalar, é um centro de triagem, com uma estrutura hospitalar acima. Quando ela sobrecarrega, eu não tenho mais como acomodar esses pacientes. A não ser em cadeiras, em camas e macas improvisadas ali embaixo. Ontem, a gente conseguiu retirar os pacientes que estavam em cadeiras, o período inteiro, com oxigênio — contou Patrícia.
Dada a explosão da doença no município, como em todo o Brasil, o improviso também tem sido a única saída para sanar a falta de medicamentos que compõem o kit-intubação, necessário à sobrevivência dos doentes graves de Covid:
— Está difícil, a gente tem que usar várias alternativas às medicações usuais, não só para entubar o paciente, mas para manter ele entubado, manter ele sedado no respirador. Isso dificulta o manejo do paciente, prejudica o tratamento. Mas isso é uma falta nacional, não só no CCC; os hospitais particulares também estão sofrendo isso. A gente está sempre usando alternativas para manter esse paciente sedado, em ventilação mecânica. É uma situação dificílima para a gente. A gente pede cotação dessas medicações e não tem nem retorno, as empresas não têm como fornecer. A gente vai usando outras drogas, associando e tentando suprir essa necessidade — testemunhou Vitor como intensivista.
Os médicos do CCC também constataram que, ao contrário do que aconteceu em 2020, a maioria da ocupação dos leitos clínicos e de UTI se dá com pacientes mais jovens. O que parece ser reflexo da vacinação ainda lenta no Brasil estar se dando primeiro na população mais idosa. Que também estaria respeitando mais as medidas de restrição social:
— Hoje a gente tem uma média de idade dos pacientes internados muito baixa, muito menor do que antes. A gente teve uma fase no ano passado em que na UTI só tinha paciente idoso e muito idoso, acima de 75 e 80 anos. E hoje é o contrário, a gente não vê o muito idoso. Alguém de 80 e poucos anos, na UTI, hoje é muito raro de ver um paciente dessa idade. Está povoado de pacientes realmente bem mais jovens, a partir dos 25, 30 anos — constatou Vitor.
— Eu acho que é uma combinação de fatores: o início da vacinação e o fato de essa ser uma população que realmente respeita o isolamento. Então essas são provas da eficiência da vacinação, do distanciamento. E isso trouxe essa faixa etária para baixo — completou Patrícia.
Os dois médicos também pleitearam ao governo munipal o revezamento dos 45 médicos que trabalham no CCC há um ano. E fizeram hoje protesto neste sentido (confira aqui), na comemoração de um ano de atividade do Centro, essencial ao combate à pandemia em Campos e região.
Confira abaixo, em três blocos, os vídeos da entrevista dos médicos do CCC Patrícia Meireles e Vitor Carneiro ao Folha no Ar na manhã de hoje: