Os 98 anos de vida de Aída Siqueira pela filha Silvana

 

Dona Aída da Rocha Siqueira faleceu no último sábado, dia 19, mesmo dia em que completou 98 anos. Fez a passagem em casa, como queria e onde toda a estrutura hospitalar tinha sido instalada. Após uma infecção por Covid — para a qual tinha tomado as três doses de vacina — cerca de um mês antes de morrer, ela não resistiu à falência múltipla dos órgãos. Foi velada e sepultada na tarde de domingo (20), no Campo da Paz.

Dona Aída deixou os filhos Francisco Roberto, Sebastião José, Jayme Cézar, Silvana Dorotéa e Sheilla Siqueira; 15 netos e 16 bisnetos. E o legado de uma vida digna. Que hoje foi lembrado por sua filha Silvana, a SilSiqueira, amiga muito querida e escritora, em texto que segue abaixo na transcrição pungente do que foi e permanecerá sendo a sua mãe:

 

Silvana e Aída Siqueira (Foto: Arquivo de Família)

Mãe

Foi num dia de domingo, como cantava Tim Maia, de quem ela era fã.

Foi depois de uma vitória por 3 x 0 do Fluminense, “o melhor time”, como ela dizia.

Praticante de yoga até os seus 90 e poucos anos, colecionava imagem do Ganesha e lia sobre a vida de Yogananda. Fomos a San Diego, nos Estados Unidos, para ela visitar a casa onde o Yogue passou os seus últimos dias. Um sonho realizado.

Católica, devota de São José, contribuía religiosamente com a Canção Nova. Também lia a sorte no tarô e via o futuro na bola de cristal. Era múltipla!

Considerava o mundo um celeiro de oportunidades no qual deveríamos estar abertos ao conhecimento e às novas experiências.

Corajosa. Independente. Ousava!

Nos anos 60 montou um estúdio de beleza na casa da rua do Gás onde atendia às amigas: limpeza e tratamento da pele. Vendia Avon. Sempre foi muito vaidosa.

Academia de ginástica, musculação, pilates. Era puro movimento!

Quando menina, tinha sonho de ser bailarina. Mas a família desaprovava: moça direita não dança.

Um cafezinho era sempre bem-vindo. Só não podia ser “café rosita” — uma das expressões criadas por ela para designar um café frio. Criou outras, que somente a família entendia: chapelão, amara, catatau, caboio, balançou a roseira, Chico Russo, entre tantas.

Comia pouco. No passado foi adepta da alimentação macrobiótica e nos ensinou que açúcar e sal não são benéficos à saúde.

Não gostava de sol. Afirmava que envelhecia. E se besuntava de cremes e mais cremes, chapéu, óculos escuros para proteger e preservar a beleza da pele. Ir à praia era um sacrifício para ela.

Por onde passava deixava um rastro de alegria. Era um espírito livre de preconceitos, muito humana, sempre acolheu as pessoas sem rotular, sem julgar.

Carregava uma bondade inocente.

Tinha alma de artista! Tinha talento nato.

Começou a desenhar quando ainda era muito pequena; usando carvão queimado, ensaiava os primeiros traços. Saltou do carvão para os pincéis e deixou um acervo magnífico de porcelanas e telas assinadas com muito orgulho.

Com o passar dos anos foi perdendo a audição, mas não a vaidade. Aparelho auditivo? Apenas intra-auricular. E, contrariando todas as premissas, comprou um violão e contratou um professor particular. Sonhava tocar “Como é grande o meu amor por você”.

Ficou viúva aos 83 anos. Viveu o luto honrando o grande parceiro de vida. Deu a volta por cima dedicando-se aos filhos, netos, bisnetos e, principalmente, a si mesma.

Viajou meio mundo. Do calor de Corumbá ao frio da  Suíça, aproveitou cada oportunidade.

“Esquenta a cabeça, não!” era quase que um mantra. Muito otimista, tinha sempre uma palavra suave, um conselho sábio, uma saída certeira para um problema que nos afligisse.

Era detentora da sabedoria das crianças.

Deixou no cavalete uma tela inacabada. São rosas que não falam, mas exalam o perfume da pessoa maravilhosa que foi.

Finalizo com o trecho de uma canção que eu costumava cantar para ela:

“ Não se admire se um dia, um beija-flor invadir a porta da sua casa, te der um beijo e partir … fui eu que mandei o beijo, que é pra matar meu desejo, faz tempo que eu não te vejo, ai que saudade d’ocê”.

 

SilSiqueira, fevereiro de 2022

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Sandra Caetano

    Lindo, Sil, q sorte de vcs, mãe e filha com tantas afinidades❤️✨

  2. César Peixoto

    Que história de vida bonita, o meu sentimento a todos os familiares.

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