Sem nocaute de Bolsonaro, Lula vence debate da Globo

 

Entre os assessores de Bolsonaro, seu ex-ministro e ex-desafeto Sergio Moro usou o celular para fazer foto de Lula no debate da Globo (Foto: Reprodução)

 

Só o candidato que está à frente nas intenções de voto se dá ao luxo de não ir a debates. Foi assim com Jair Bolsonaro (hoje, PL) em 2018, quando alongou sua recuperação da facada em Juiz de Fora para evitar debates e se eleger presidente. É assim agora com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente em todas as pesquisas para a eleição de domingo, que por isso não foi aos debates do SBT, no dia 21, e da Record, no dia 23. Mas os dois candidatos foram ao da Globo na noite de ontem (28), último debate antes da urna. Onde qualquer candidato que está atrás na corrida precisa vencer por nocaute, para tentar virar no voto. Mas, diferente do debate da Band do dia 17, primeiro deste 2º turno, quando foi dominado por Bolsonaro no último bloco, dessa vez o petista bateu, tanto quanto apanhou. Não voltou a ficar nas cordas, mesmo quando o assunto foi corrupção. Se veio para tirar o adversário do sério, o capitão dessa vez fracassou. Só por isso, se houve empate ou decisão por pontos na troca de acusações travestida de debate, Lula venceu.

SALÁRIO MÍNIMO — O primeiro bloco, com tema livre e 15 minutos de tempo total de cada candidato, começou com Lula batendo, onde mais dói no eleitor pobre, com o qual tem sua maior vantagem sobre o adversário. Perguntou a este por que não deu nenhum aumento real ao salário mínimo em seus quase quatro anos de governo. Bolsonaro alegou que reajustou o vencimento pela inflação. E questionou por que campanha petista estaria batendo na tecla de que seu governo iria acabar com o salário mínimo, horas extras e o 13º do trabalhador, evidenciando que essa ofensiva estava doendo nele. Tanto que promete um novo mínimo de R$ 1.400,00 se reeleito. Lula reafirmou que até aqui não houve aumento, apenas reposição inflacionária e desconversou sobre o questionamento de mentiras nos ataques da sua campanha, dizendo que não via televisão, porque preferia estar com o povo na rua.

ESQUIVA — Bolsonaro falou a verdade quando lembrou que enfrentou a pandemia da Covid e fez o Auxílio Emergencial. Voltou a acusar a campanha petista de mentiras sobre o seu governo com o povo trabalhador e fez a primeira provocação ao ex-presidente, chamando-o para ficar perto dele. Possivelmente para tentar desestabilizá-lo psicologicamente com a proximidade física, como fez com sucesso no debate da Band. Sabiamente aconselhado, Lula não aceitou a provocação, voltou ao seu púlpito e se afastou do centro do palco. Sozinho nele, o presidente da República, cargo mais alto do sistema, reclamou que o sistema estaria a favor do seu concorrente.

COMPARAÇÃO ENTRE GOVERNOS — Lula ironizou o adversário, com a provocação que repetiria várias vezes: “Se você quiser tempo para falar, eu dou para você falar com a sua equipe”. E lembrou que deu aumento real ao salário mínimo, 74% acima da inflação, quando governou o Brasil. Bolsonaro respondeu comparando os valores do seu Auxílio Brasil e o Bolsa Família do PT. O petista alegou que o benefício era apenas um dos programas de proteção social e transferência de renda em seu governo. Do qual lembrou que a média do PIB do Brasil foi de 4% em oito anos, contra 1% de média nos quatro anos de Bolsonaro. Que este voltou a atribuir à pandemia.

ROBERTO JEFFERSON — Quando se gabou da transposição das águas do rio São Francisco no Nordeste, Bolsonaro entrou no tema corrupção pela primeira vez. Acusou o PT de não ter concluído a obra por ter desviado o dinheiro ao bolso. E Lula contra-atacou de pronto, lembrando da compra de 51 imóveis em dinheiro vivo e das rachadinhas da família presidencial. O capitão retrucou: “Você é um bandido! Cadê o Palocci? Cadê o Zé Dirceu?”. O petista lembrou do bolsonarista Roberto Jefferson: “Está escondendo o pistoleiro dele, que recebeu a Polícia Federal a tiros”. Bolsonaro lembrou que, quando deputado federal, Jefferson operou compra de parlamentares no governo Lula, no escândalo que denunciaria e batizaria de Mensalão. Ecoou Padre Kelmon, presidenciável que substituiu Jefferson no 1º turno, ao chamar o ex-presidente de “descondensado”. E classificou as pesquisas que registram sua desvantagem de “fajutas”.

À DISTÂNCIA — Quando o assunto foi a política externa, Lula voltou a atacar as rachadinhas e a compra de imóveis em dinheiro vivo, antes de afirmar: “Ninguém (entre os líderes mundiais) quer te receber, ninguém quer vir aqui. Eu fui recebido pelo presidente da França, pelo chanceler da Alemanha, pelo Parlamento da Europa”. Ao que Bolsonaro respondeu com a provocação de toada neopentecostal: “Vou fazer um exorcismo para você deixar de mentir”. E voltou a tentar intimidar o petista no centro do palco, chamando-o para o seu raio físico de ação: “Fica aqui, rapaz”. Ao que, vacinado pelo debate da Band, o ex-presidente desmontou a tática do adversário. Deu-lhe as costas e respondeu: “Não quero ficar perto de você”.

 

 

SEGUNDO BLOCO — No segundo bloco, quando tinham que perguntar a partir de um tema pré-selecionado, Lula quis escolher a Reforma da Previdência. Como ela não estava na lista exposta no telão, teve que optar pelo combate à pobreza. Nele, o petista lembrou do poder de compra da população em seu governo, em contraste com os 22 de milhões de brasileiros hoje com dificuldades de fazer refeição, para perguntar: “Por que o povo ficou tão miserável depois que ele assumiu o Brasil?” Bolsonaro citou dados na direção contrária, creditando-os ao Ipea, e ficou batendo na tecla dos R$ 600,00 do Auxílio Brasil. Lula listou a perda dos aposentados com a Reforma da Previdência por Bolsonaro em 2019.

RESPEITO OU MEDO? — Quando coube a Bolsonaro perguntar, escolheu o tema respeito à Constituição, Bolsonaro disse que sempre “jogou nas quatro linhas” dela e “matou no peito as decisões mais absurdas”, antes de perguntar se Lula voltaria a apoiar as invasões de terras em áreas rurais pelo MST de José Rainha e João Pedro Stédile, ou de áreas urbanas pelo MTST de Guilherme Boulos (Psol), deputado federal eleito por São Paulo. Em um dos seus melhores momentos, Lula respondeu: “Diz que respeita a Constituição e desrespeita todo dia um ministro da Suprema Corte (STF), xingando, ameaçando. Ofende as pessoas, coisa que um presidente da República não faz (…) Você não tem respeito à Constituição, você tem medo”. E, no direito de resposta que ganhou ao fim do bloco, complementou: “Ele deveria responder, não ficar gritando, berrando. Se comporte como presidente da República, que você ainda o é”.

TERCEIRO BLOCO — O terceiro bloco, novamente com tema livre, Lula começou falando sobre saúde pública. E perguntou a mais dolorosa estatística do governo Bolsonaro: “Como o Brasil tem 3% da população mundial e teve 11% das mortes por Covid no mundo? Por que ficou 45 dias sem comprar vacina?” O capitão respondeu que comprou 500 milhões de dose de vacina, assim que a Anvisa liberou e buscou o elogio do adversário: “Se você tem vacina no braço, agradeça a mim, tá ok?”. O ex-presidente lembrou que o atual fez imitações de pessoas sufocando de falta de oxigênio. O capitão também recordou que o PT preferiu construir estádios para a Copa do Mundo de 2014, no lugar de hospitais. E o petista cobrou: “Diz algo que você fez pela saúde: quantos hospitais, ambulâncias, UBS? Não sabe porque não fez. O que você fez foi atrasar a compra da vacina, 300 mil morreram e você um dia vai responder por isso”.

VIAGRA — Ainda sobre o tema saúde, Lula complementou: “Sabe o que você fez a mais, que você poderia explicar para o povo? Comprou 35 mil caixas de Viagra, para dar para as Forças Armadas. Explica o porquê se o povo não tem sequer fraldão geriátrico para as pessoas mais velhas de idade, que você retirou”. Bolsonaro defendeu que o medicamento é utilizado também para tratamento de próstata. Antes de emendar, numa das suas típicas tiradas de cunho sexual, indagar ao petista: “Você não usa Viagra?”

MULHERES, PASTORES E GEDDEL — Do dinheiro público gasto com a virilidade masculina de militares impotentes às questões femininas, Lula cobrou o corte das verbas federais de combate à violência contra a mulher: “Você tem mulher em casa, explique!” Bolsonaro citou programas do seu governo voltados à mulher e disse que os números de feminicídio caíram. Depois voltou a provocar com corrupção: “Posso até falar palavrão, mas me desculpo e não sou ladrão”. O petista lembrou dos pastores indicados pelo adversário para atuarem no MEC, mesmo sem cargo público. Citou as barras de ouro que eles cobravam de propina para liberação de verbas a prefeitos, e disse que o produto do suborno seria transportado em pneus de caminhão. O presidente contra-atacou com os R$ 51 milhões apreendidos no apartamento de Geddel Vieira de Lima, dizendo que o ex-deputado federal hoje seria coordenador da campanha de Lula na Bahia. E cobrou: “Tem foto do dinheiro do Geddel. Tem foto do caminhão?”

QUARTO BLOCO — No quarto bloco, novamente com perguntas a escolher entre temas pré-definidos, Bolsonaro optou pela criação de empregos, e fez a pergunta. Irônico ou não, Lula disse: “Não entendi nada, ele fala para dentro”. Autorizado pela moderação de William Bonner, o capitão repetiu, sem ter o tempo descontado, pedindo a aprovação do adversário: “No meu governo, entre 2020 e 2021, nós criamos 250 mil empregos por mês. Que tal você me dar os parabéns, agora?” O petista questionou a medição desses empregos, alegando que estariam inflados por trabalho informal, quando no seu tempo só empregos com carteira eram contabilizados. O debate seguiu até Bonner informar ao final que Bolsonaro teria mais 10 segundos. Que o candidato usou para repetir seu lema, copiado do integralismo, adaptação brasileira do nazifascismo nos anos 1930: “deus, pátria, família e liberdade”.

MARINA x SALLES — Na vez de Lula escolher um tema para perguntar, escolheu o meio ambiente: “Até quando vai com sua política de desmatamento dos biomas brasileiros, sobretudo da Amazônia”. Bolsonaro respondeu citando dados que atribuiu ao Inpe, para dizer em rede nacional o que todos os especialistas da área, no Brasil e no mundo, afirmam ser mentira: que em seus quase quatro anos de governo, as queimadas na Amazônia teriam sido em média menores do que nos oito anos do adversário. O petista respondeu: “Ainda bem que trouxe a Marina Silva (Rede, deputada federal eleita em São Paulo) nesse debate e ela foi minha ministra (do Meio Ambiente). Reduzimos o desmatamento da Amazônia em 80%. Desmontamos as madeireiras ilegais e você tinha ministro (Ricardo Salles, PL, também eleito deputado federal em São Paulo) vendendo (madeira ilegal)”.

DEPUTADO FEDERAL? — No quinto e último bloco, os candidatos fizeram suas considerações finais. Lula conclamou o eleitor a votar, não nele, para combater uma abstenção alta que é apontada pelos analistas como a melhor chance de Bolsonaro na urna. Se eleito, o ex-presidente prometeu gerar emprego, distribuir renda e que o povo voltará a comer bem. Pela sua reeleição, o capitão disse: “Se for da vontade de Deus me dar mais um mandato de deputado federal… — e consertou o ato falho — de presidente da República”. E acusou o adversário de querer implantar o aborto e a legalização das drogas no país, pautas que o PT, em 13 anos de governo e com todos os seus erros, jamais colocou em pauta.

DEMOCRATA? — Já encerrado o debate, último da eleição, o capitão foi questionado pela jornalista Renata Lo Prete, da Globo, se respeitaria o resultado da votação, ganhe ou perca. O presidente respondeu “Não há a menor dúvida, quem tiver mais voto leva. É isso que é democracia”. A declaração seria absolutamente normal em qualquer outro presidente da História do Brasil. Mas, sem condicionantes de “eleições limpas”, mesmo sem nunca apresentar nenhuma prova de sujeira, não é o normal de Bolsonaro. O mais comum veio na coletiva após o debate, quando um jornalista afirmou ser mentira que a visita de Lula ao Complexo do Alemão no dia 12 teria sido organizada por traficantes. O presidente abandonou a entrevista irritado. E deixou o senador eleito Sergio Moro (União/PR) falando sozinho por ele.

 

 

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