Wiliam Passos — Um domingo e dois Brasis

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística no IBGE

Um domingo e dois Brasis

Por William Passos

 

“Os dois Brasis” é o título de um livro publicado pela Companhia Editora Nacional, na década de 1960, de autoria do economista francês Jacques Lambert, com a pretensão de capturar a fotografia de um momento do Brasil. Considerando a “fotografia” do último momento antes das urnas deste segundo turno, as projeções divergem entre os dois institutos com a maior taxa de acerto das urnas do primeiro turno, pelo método da discrepância média. Considerando a distância ponderada entre os resultados das urnas e as últimas projeções de cada instituto antes de 2 de outubro, o Instituto MDA Pesquisa, que trabalha com a tradicional pesquisa presencial, o padrão-ouro das pesquisas eleitorais, foi o instituto com a maior taxa de acerto. Foi seguido pela AtlasIntel, que já atua em outros países e entrou no mercado brasileiro nas eleições deste ano trazendo uma novidade, a medição das intenções dos eleitores a partir da aplicação de questionários pela internet, metodologia conhecida como websurvey.

Na pesquisa MDA divulgada ontem, o instituto projetou o encurtamento da distância e a possibilidade de virada de Bolsonaro nesta reta final. Considerando os votos válidos, que são aqueles contabilizados pelo TSE, a diferença, na véspera da eleição, era de apenas 2,2 pontos, com Lula aparecendo com 51,1% e Bolsonaro alcançando 48,9%, dentro da margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos. Nos últimos dias, segundo o último levantamento da MDA antes das urnas deste segundo turno, a intenção de voto em Bolsonaro cresceu, enquanto a de Lula caiu, com a curva da rejeição a Lula superando a de Bolsonaro, o que significa tendência de reeleição do capitão.

Já a AtlasIntel de ontem projetou estabilidade do cenário de intenção de voto, com Lula abrindo uma confortável vantagem de 53,4% a 46,6% nos votos válidos. Mesmo com o impacto das abstenções proporcionalmente desfavorecendo o ex-presidente, Lula da Silva, que disputou seis das noves eleições presidenciais desde a redemocratização, seria eleito para um inédito terceiro mandato, já que “nunca antes na história desse país” um presidente foi eleito por três vezes pelo voto direto.

Nascido na localidade de Caetés, no município de Garanhuns, no interior de Pernambuco, em 27 de outubro de 1945, dois dias antes do golpe de Estado que depôs Getúlio Vargas para a instauração da democracia, Lula é o sétimo de oito filhos de um casal de lavradores analfabetos. Abandonado pelo pai poucos dias antes da mãe dar à luz, ainda criança imigrou para o município do Guarujá, no interior de São Paulo.

Também no interior paulista, no município de Glicério, apesar do registro em Campinas, 10 anos depois do retirante nordestino, nascia Jair, numa família de imigrantes italianos e alemães, o terceiro de seis irmãos. Entretanto, a São Paulo que une os dois candidatos que são o retrato do interior do Brasil também é a mesma que separa “Os dois Brasis: Brasil do Norte e Brasil do Sul”, conforme o título de um livro de Rui Antonio Amorim, autor paulista nascido em Oriente, que narra a crônica de um país dividido por um impasse de governabilidade. A solução encontrada foi a divisão do território nacional em dois países, com base no mapa eleitoral das urnas presidenciais de 2014. Naquele segundo turno, Dilma Rousseff, que venceu no Norte e no Nordeste, mas perdeu no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul, foi reeleita impondo a Aécio Neves uma estreita margem de cerca de 3,5 milhões de votos. Em números redondos, 52% a 48% dos votos válidos.

A diferença de 4 pontos das urnas de 2014 é exatamente a mesma projetada pelo Datafolha de ontem, em favor de Lula. O instituto paulista cravou numericamente os resultados das urnas nas pesquisas de véspera das duas últimas eleições presidenciais (2014 e 2018). Considerando o conjunto dos institutos de pesquisa com maior credibilidade do país, o que se tem de concreto, além da vitória de um candidato que já presidiu o Brasil, é que, novamente, assim como em 2014, a vitória será dos detalhes. Será definida pelo impacto da alienação eleitoral, isto é, dos eleitores que faltarem, anularem ou branquearem o voto, como a grande variável determinante do resultado eleitoral deste segundo turno. Além dos votos “virados” de última hora, vencerá aquele que conseguir maior comparecimento às urnas da fatia do seu eleitorado. Ganhe quem ganhar, o mais importante é que a democracia triunfe e o que o resultado eleitoral seja respeitado. Sem a suspeição como a lançada em 2014 por Aécio Neves, que pediu a recontagem dos votos.

Num Brasil tão dividido por clivagens ideológicas, que têm retornado a cada eleição, e que deverá opor o Brasil do Nordeste, onde Lula deve massacrar nas urnas, ao Brasil do restante do país, onde Bolsonaro deverá vencer, por maior ou menor margem de votos, nosso amadurecimento enquanto povo, sociedade e nação passa pela coexistência entre a nossa separação de ideias, opiniões, desejos e aspirações e a nossa união pelo respeito ao jogo democrático. Na democracia, nem sempre escolhemos quem queremos que governe. Muitas vezes escolhemos a quem queremos fazer oposição. Para você, que tem nos acompanhado, o meu agradecimento e o desejo de um bom voto neste domingo. Viva a democracia! Viva o Brasil, uma das maiores democracias do planeta!

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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