Gratidão nos 24 anos de vida de Ícaro
Nasci em Niterói, fui criado em Campos e, desde a primeira infância, desenvolvi pertencimento com a praia sanjoanense de Atafona, na foz do rio Paraíba do Sul. Lá cheguei a morar por cerca de 10 anos, na primeira fase da idade madura, em tempos pré-Porto do Açu, com uma BR 356 bem menos movimentada. Embora seja defensor intransigente da taba goitacá em meu ofício de jornalista, vivendo há 34 anos de contar suas histórias e levantar suas bandeiras, particularmente costumava afirmar: “a melhor coisa de Campos é ser perto de Atafona”.
Em Campos, escrevo na tarde de sexta, após passar a manhã na cozinha. Sempre acompanhado por Rosemary Freitas, minha secretária do lar há 21 anos e segunda mãe, foi um dia puxado de trabalho a quatro mãos nos preparativos culinários para hoje, sábado de 15 de julho. Quando meu filho único, Ícaro Paes Pasco Abreu Barbosa, completaria 24 anos de vida. Que será celebrada com churrasco e cerveja entre familiares, amigos e colegas de trabalho dos seus quatro últimos e intensos anos como jornalista.
No início da tarde de quinta (13), acompanhei a mãe de Ícaro, a jornalista Dora Paula Paes. Ela colocou o nome dele pelos dois meses da sua precoce morte física, em missa ao meio dia na Catedral. Que, numa dessas coincidências que não há, foi também rezada pelos 101 anos da minha avó materna, dona Maria da Penha Abreu, bisa de Carô e cria da Baixada da Égua de coronéis e lobisomens. O círculo, mesmo alheio à nossa vontade, como na “Roda Viva” de Chico, parecia se completar antes de iniciar a próxima volta sobre nós, nossos vivos e mortos.
Saí da Catedral com Dora para almoçarmos. Da meia luz do interior da igreja ao sol forte sobre a Praça do Santíssimo Salvador, pensei na minha outra avó, Myrthes Barbosa. Morta aos 107 anos em 2015, na Niterói que tomou como lar na terceira idade, a mãe do meu pai carregou até o fim uma lucidez fora de qualquer curva. Enquanto dobrava com a mãe do meu filho a curva do Boulevard, afastando-nos da praça matriz de Campos, lembrei que foi lá, no prédio da Lyra de Apolo, que Myrthes foi dada à luz em 1907. E que essa é a história de Ícaro também.
Na conversa com Dora durante o almoço, comentamos mais uma vez como o afeto e a solidariedade de Campos em torno da perda do nosso filho, era algo que nem ela, eu ou Ícaro poderíamos dimensionar. E que, só um sabendo do vazio inescrutável que o outro igualmente sentia, como esse carinho da tribo, se não cura, era lenitivo à mais indizível das dores para uma mãe e um pai. Depois de cozinhar com Rosemary para celebrar hoje a vida do meu filho com os que o amaram, dentro dos quais ele vive, sentei diante do computador para agradecer.
O exemplo de vida de Ícaro, tão marcante a tantos em apenas 23 anos, me leciona. Tentar adaptar suas virtudes humanas é mantê-lo vivo em mim. Humildade no lugar da soberba, assertividade, orgulho e enganosa autossuficiência, é um exercício diário. E tão difícil quanto necessário. Já fiz várias críticas a Campos e ao que julgo ser o campista médio. São a mesma cidade e cidadão que, como já tinham feito com meu pai, o jornalista Aluysio Cardoso Barbosa, morto em 2012, aos 76 anos, agora abraçaram também meu único filho.
Como pai ou filho, devo a Campos e ao campista mais do que poderei pagar. Darei minha última respiração antes de esquecer disso. Hoje, quando celebraremos a vida do meu doce príncipe, só me resta dizer a você: muito obrigado! “Do coração do meu coração”!
Publicado hoje na Folha da Manhã.
O seu Príncipe Ícaro, onde estiver sente todo esse amor!
Que através desses textos lindos que você escreve, consiga amenizar a sua dor!
Que Deus esteja com vocês!
Quanto sentimento, que beleza de expressão todo o texto, a caminhada com Dora saindo da Catedral, a passada pela Lira de Apollo, a resignação fervorosa da nova vida de Ícaro, agora em outro plano. Meu coração no seu.
As suas dores me comovem… Quando celebramos a vida de alguém que deixou o plano terreno, fica mais fácil de se entender que a partida não significa o fim, apenas a mudança de plano para um patamar que ainda não descortinamos…. (mesmo que nos doa até a alma)