O Botafogo de 2023 e o Garrincha de 1958

 

Garrincha na final da Copa de 1958 contra a Suécia, na Suécia, única vez em que uma seleção nacional da América do Sul conquistou o mundo dentro da Europa

“Esse campeonato, para quem tem problema de coração, dificilmente vai sobreviver até o fim do ano. É um campeonato que é diferente de todos os campeonatos que foram realizados de pontos corridos. Provavelmente, teremos cinco, seis equipes disputando o campeonato de igual para igual, até sabermos quem vai ser o campeão no final. Porque, até o final, não acredito que uma equipe vá disparar”. Foi o que disse na coletiva da noite de quinta (9) o experiente técnico Felipão, após o empate de 1 a 1 do seu Atlético Mineiro com o Corinthians.

Concluída a 33ª rodada na quinta, faltam apenas cinco para acabar o Brasileirão. Que, desde 2003, passou a ser disputado no sistema de pontos corridos. E, desde 2005, adotou a fórmula atual: 20 clubes jogando um contra o outro duas vezes, uma no seu campo e outra no do adversário, em turno e returno. Onde vence quem soma mais pontos em 38 rodadas.

Nada disso existia em 1995, quando o Botafogo foi campeão brasileiro pela última vez. Sob a pressão dos últimos 28 anos na fila de espera, hoje nenhum time representa melhor a imprevisibilidade identificada por Felipão.

Neste ano da Graça de 2023, o Botafogo fez o melhor 1º turno da história do Brasileiro de pontos corridos. Na qual colocou 13 à frente do 2º colocado. E consegue fazer agora a 2ª pior campanha do 2º turno, 14 pontos distante do melhor desempenho. Que é justamente do Atlético Mineiro de Felipão. Mas, entre turno e returno, é só o 6º entre os seis com chances matemáticas de conquistar o título. Numa disputa que ainda é liderada pelo Botafogo.

Se o Brasileirão que sempre mais conta à torcida é o atual, nunca deixa de pesar mais a impressão dos últimos jogos. E nada reflete melhor o contraste entre os desempenhos do Botafogo nos dois turnos do campeonato do que duas viradas épicas de 3 a 4. Que tomou no espaço de apenas oito dias.

Primeiro, do Palmeiras, também candidato a campeão, na quarta (1º) da semana passada. Que saiu do 1º tempo perdendo para o Botafogo por 3 a 0. E a mais recente na última quinta (9), diante do Grêmio, outro candidato ao título. Após terminar o 1º tempo vencendo por 2 a 1, o Botafogo ampliou para 3 a 1 logo ao 1º minuto do 2º tempo. Para depois assistir ao craque uruguaio e gremista Luisito Suárez anotar seu hat-trick — três gols em um só jogo.

Além de Botafogo (1º na tabela, com 59 pontos), Grêmio (2º, com 59), Palmeiras (3º, com 59) e, correndo por fora, o Atlético Mineiro (6º, com 54), também o Bragantino (4º, com 58) e o Flamengo (5º, com 56) têm chances de levar o Brasileirão. O Grêmio não o faz desde 1996. Mas conquistou a última das suas três Libertadores da América em 2017.

Já o Palmeiras levantou a última das suas três Libertadores em 2021. Sem contar o último dos seus 11 Brasileiros, em 2022. Como o Grêmio e o Palmeiras, o Flamengo tem três Libertadores, a última conquistada em 2022. Além de ter vencido o último dos seus oito Brasileiros em 2020.

Do rico interior paulista, o Bragantino tem bom time e grande patrocinador no energético Red Bull. Mas não é um clube de massas, tem pouca tradição e nenhum título relevante nacional ou internacional. Enquanto o Atlético Mineiro conquistou sua Libertadores em 2013. E o último dos seus três Brasileiros em 2021.

Reconhecido pela Fifa, o único título internacional do Botafogo é a Taça Conmebol de 1993. Precursora da Copa Sul-Americana e um ou dois patamares abaixo da Libertadores, está para a América do Sul como a Copa da Uefa à Europa, que tem a Champions como grande campeonato de clubes. O último dos dois Brasileiros botafoguenses foi, sim, o de 1995.

A maior glória do Glorioso é ter sido o clube que cedeu mais jogadores à Seleção Brasileira em Copas do Mundo. Dos botafoguenses Benedicto, Pamplona, Nilo e Carvalho, que o Brasil levou à primeira Copa do Mundo de 1930, no Uruguai, até a de 2022, no Qatar, foram 47 atletas da Estrela Solitária. Nenhum brilhou mais do que Mané Garrincha, campeão em 1958, na Suécia, e bicampeão em 1962, no Chile. Seria desta o grande destaque, posteriormente reconhecido com a mesma Bola de Ouro que Messi recebeu este ano pela oitava vez.

No lugar da ideação persecutória e da megalomania do “contra tudo e contra todos”, abraçado hoje por quem ignora que “tudo” e “todos” têm coisa mais importante a fazer do que se opor ou mesmo saber da nossa existência, o Botafogo poderia sofrer menos. Bastaria ouvir a ressalva de Garrincha, após o apito final da decisão da Copa de 1958. De quando o Brasil foi campeão do mundo pela primeira vez, ao bater a dona da casa Suécia por 5 a 2:

— Já acabou o campeonato? Que torneio mais mixuruca, não tem nem 2º turno!

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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Este post tem um comentário

  1. Lédio Brito

    “Há coisas que só acontecem com o Botafogo”. Essa reportagem dá susbtância ao dito.

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