Edmundo Siqueira — Campos é mesmo conservadora?

 

(Foto: Folha da Manhã)

 

Edmundo Siqueira, servidor federal, jornalista, integrante da bancada fixa do programa Folha no Ar e blogueiro do Folha1

Campos é mesmo conservadora?

Por Edmundo Siqueira

 

“Como contamos nossa própria história? O que descrevemos diante do que vemos no espelho?”, é o que indaga o cientista político George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos, no início de seu recente texto “O campista, este swing voter! — ou, da insustentável natureza conservadora do eleitor goytacá”, onde traz uma reflexão sobre a escolha pendular dos campistas nas últimas eleições, nas escolhas entre o conservadorismo e o progressismo.

George é o que chamamos de “intelectual público”, o que Tocqueville define, na gênese desse intelectual moderno, como os hommes de lettres: filósofos, escritores e livres pensadores. Frequente debatedor nos meios de comunicação de Campos — já lido e ouvido na Folha da Manhã, no Folha1 e na FolhaFM em diversas oportunidades —, sempre traz ponderações instigantes sobre o cenário político local. Nesta, o professor questiona o que parece ser inquestionável: o conservadorismo campista.

Na última terça-feira (21), foi entrevistado no Folha no Ar o presidente do Sindipetro-NF Tezeu Bezzerra, e entre outros assuntos foi tratado sobre as eleições em Campos e a suposta resistência ao PT, partido que Tezeu é militante e se colocou (confira aqui) como pré-candidato a vereador. Em sua resposta, citou alguns números da eleição passada (2020), onde Lula foi a escolha de 36,86% dos eleitores, recebendo 100.427 votos no segundo turno.

Embora Bolsonaro tenha sido a escolha da maioria naquele pleito (171.999 votos, o equivalente a 63,14%), em uma cidade tida como amplamente conservadora, Lula ter recebido mais de 100 mil votos e somados os 26,38% (97.612) de eleitores que não votaram ou votaram em branco ou nulo, é algo interessante para refletirmos.

O jornalista Aluysio Abreu Barbosa, lembrou, na bancada do mesmo programa, que “Campos já votou majoritariamente em Lula e Dilma”, citando o fato de que se “o primeiro turno presidencial [em 2014] fosse em Campos, o segundo turno seria entre Dilma e Marina”.

Ambos intelectuais públicos, Aluysio e George, não podem ser considerados como pensadores de posições ideologizadas. Embora tenham suas convicções, por óbvio, não deixam suas análises encobertas por nuvens polarizantes. Fazem, inclusive, críticas constantes ao PT e seus governos. E parecem convergir aqui: o eleitor de Campos é pendular.

“Se dependesse do eleitor campista, o segundo turno para presidente teria Dilma, pelo PT, concorrendo com Marina Silva naquele momento no PSB. Duas mulheres, ambas mais pela esquerda que Aécio Neves, PSDB. Na cidade, no primeiro turno, Dilma conquistou 87.703 votos, Marina com 76.786 votos e Aécio 66.753, respectivamente”, informa George em seu texto, falando o mesmo (em mesmo tempo e sem combinar) que disse Aluysio.

O que parece ser evidente, olhando para o recorte histórico até 2018, é que o eleitor campista consegue definir seu voto refletindo sobre o momento que é chamado para ir às urnas. E consegue, diferentemente de outras cidades de mesmo porte, decidir de forma oposta entre conservadorismo e progressismo.

Não quer dizer que isso persiste até hoje, contudo. Com a presença do bolsonarismo ainda forte em Campos e no Brasil, e com números de aprovação do governo Lula em queda (aprovado por 52% dos brasileiros em janeiro de 2023, e por 47% em março de 2024), o eleitor cristalizado, que vota com a direita, e agora com o bolsonarismo, sob qualquer circunstância posta, pode ter crescido.

Vale lembrar que Campos dos Goytacazes foi berço de abolicionistas históricos, de relevância nacional, e do primeiro — e único até aqui — presidente negro do Brasil. Do mesmo modo, vale ressaltar que a cidade foi uma das maiores produtoras de cana-de-açúcar como seus senhores de engenho, e abrigou um importante núcleo integralista, o movimento fascista brasileiro dos anos 1930-40.

Se há algo a se comemorar diante dessas análises e números eleitorais, é que Campos não segue, necessariamente, os rótulos impostos. Mostra-se, pelo menos em alguns recortes históricos, como uma sociedade complexa e crítica o bastante para fugir de determinismos. E para ser contra-majoritária quando necessário. Campos consegue pensar por si mesma.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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