Angústia, desconforto e excentricidade
Por Felipe Fernandes
Situada no início dos anos 90, “Longlegs: Vínculo mortal” é um thriller que reverencia duas obras seminais do gênero lançadas naquele período, os clássicos “O silêncio dos inocentes” e “Seven”. Não por acaso, na cena de apresentação do caso, o chefe da polícia afirma que o trabalho deles é bater de porta em porta, como nos filmes. Um diálogo preguiçoso, que reforça sua base cinematográfica.
O filme trabalha sua linha temporal através dos detalhes. Abre com uma razão de aspecto diferente, que por associação e pelo trabalho do design de produção, nos remete aos anos 70 e com a curiosa escolha de expor ambientes com quadros dos presidentes estadunidenses vigentes. Com a figura de Bill Clinton surgindo constantemente nos escritórios do FBI. Uma forma curiosa de estabelecer o período que a história se passa. Uma decisão que soa mais como um capricho, já que não encontra relevância na trama.
A obra abraça mais as características do cinema de horror que as de investigação policial. O longa constrói uma atmosfera angustiante, um local frio, nublado, com ruas sempre vazias, um local aparentemente sem vida. A característica é compartilhada com a protagonista, representada em uma transição da personagem para uma árvore sem vida.
A protagonista Lee Harker é uma mulher claramente deslocada. Parece uma pessoa sem energia, sem vivacidade. Ela apresenta uma espécie de clarividência, que traz à tona uma pegada sobrenatural, que se expande na reta final da trama. Sua vida também parece ser consequência de um trauma, característica recorrente nesse estilo de personagem.
O filme é um recorte de elementos de filmes do gênero e a direção de Osgood Perkins reflete muito isso. Os zooms sutis e constantes, as câmeras subjetivas, os enquadramentos que apresentam espaços vazios, de onde algo pode surgir, emulam um estilo de direção muito comum no cinema de terror desse início de século. A referência temática são os anos 90, mas a direção dialoga com o terror atual.
Praticamente todo o marketing do longa foi feito sobre a atuação de Nicolas Cage. O próprio filme brinca com isso, já que por mais da metade do filme acompanhamos o assassino sem de fato ver o seu rosto. Uma decisão eficiente em criar um suspense sobre o personagem, mas que termina em uma revelação anticlimática de um personagem de visual pouco inspirado. Parece um rockeiro andrógeno, sensação reforçada pelos posters em seu quarto e na constrangedora cena em que ele canta.
Conhecido por seu estilo por vezes excêntrico e exagerado em suas atuações, nos últimos anos, Cage se tornou meio cult justamente por isso. Aqui, ele tem um papel que permite utilizar esses exageros em uma composição interessante, compondo um personagem ora ameaçador, ora meio patético.
Na mistura de thriller com elementos sobrenaturais, “Longlegs: Vínculo mortal” é um longa que cultua clássicos e busca uma subversão ao misturar elementos do cinema de horror. O saldo final é um longa com boas ideias, algumas inconsistências de roteiro e sem muita personalidade. Que não se sustenta nem pela atuação de Nicolas Cage. É mais um terror mediano, em um ano repleto deles.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
Confira abaixo o trailer do filme: