Opinião pública do Brasil pela estatística e ciência política

 

Entre Donald Trump e Lula e os 91 fuzis apreendidos na megaoperação policial no Rio do dia 28, o geógrafo e estatístico William Passos e os cientistas políticos George Gomes Coutinho e Hamilton Garcia (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Por Aluysio Abreu Barbosa, William Passos, George Gomes Coutinho e Hamilton Garcia

 

De dezembro de 2024 a novembro de 2025 — A quem acompanha a formação de opinião do brasileiro a partir das pesquisas, não da torcida pessoal, alguns movimentos parecem claros. De dezembro de 2024 a junho de 2025, o governo Lula 3, em aparente desgaste de material, perdia (confira aqui, aqui, aqui e aqui) aprovação de governo e intenção de voto a cada nova consulta de opinião pública.

De julho a outubro, após o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçar e impor seu tarifaço ao Brasil por conta do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), Lula soube surfar bem a onda de defesa da soberania nacional. E, em meio também a erros seguidos da direita brasileira, recuperou-se (confira aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) nas pesquisas.

Esse era o quadro até a megaoperação policial do dia 28 contra a facção criminosa Comando Vermelho, nos complexos cariocas de favelas do Alemão e da Penha, com saldo de 121 mortos. Que, a despeito de as pesquisas iniciais revelarem ter apoio (confira aqui, aqui, aqui e aqui) da maioria do eleitorado no país, estado e município do Rio, foi classificada no dia 4 por Lula como “matança” e “desastrosa”.

Durante a semana, duas pesquisas nacionais dos institutos Paraná e Quaest, entre os quatro que mais acertaram (confira aqui) os resultados das urnas no 2º turno presidencial de 2022, revelaram que Lula entrou em novembro perdendo parte do que tinha recuperado em aprovação de governo (confira aqui e aqui) e intenção de voto (confira aqui e aqui). E que, nesta, todos os nomes da oposição melhoraram seus números.

Todos esses movimentos, de queda de Lula de dezembro a junho, da sua recuperação de julho a outubro impulsionada por Trump, e de aparente nova queda a partir deste mês de novembro, após a operação policial no Rio com amplo apoio popular, foram gradativos, sem alterações bruscas. Mas inequívocos como tendências de momento.

Para tentar entender esses movimentos na opinião do eleitor, a pouco mais de 10 meses da urna de 4 de outubro de 2026, a Folha buscou especialistas. E traz as análises do geógrafo e estatístico William Passos, analista estatístico do Nuperj/Uenf; e de dois cientistas políticos, os professores George Gomes Coutinho, da UFF-Campos; e Hamilton Garcia, da Uenf.

 

William Passos — “Tanto a Paraná quanto a Quaest apontam para a perda de terreno de Lula para os adversários, em especial, no 2° turno. Com margem de erro de 2,2 pontos para mais ou menos, a Paraná testou quatro cenários. Contra Jair Bolsonaro, atualmente inelegível, a diferença a Lula caiu a 0,6 ponto. Contra Tarcísio de Freitas, a vantagem de Lula recuou a 1,2 ponto. Contra Michelle Bolsonaro, oscilou a 1,4 ponto. E contra Flávio Bolsonaro, diminui para 6,8 pontos. Entre os elegíveis, Lula empata tecnicamente no 2° turno com Tarcísio e Michelle.

Por sua vez, na Quaest, 9 cenários foram testados no 2° turno, com margem de erro de 2 pontos para mais ou para menos. Neles, Lula empata tecnicamente com Jair Bolsonaro (+3) e vê sua diferença cair para todos os demais nomes da oposição: Ciro Gomes (+5 para Lula), Tarcísio de Freitas (+5), Ratinho Júnior (+5), Romeu Zema (+7), Ronaldo Caiado (+7), Michelle Bolsonaro (+9), Eduardo Bolsonaro (+10) e Eduardo Leite (+13).

Realizadas após a megaoperação do Rio, Quaest e Paraná confirmam piora também na aprovação de governo de Lula. Com o petista oscilando negativamente depois da melhora registrada em levantamentos anteriores. Em ambas as pesquisas, a aprovação ao governo Lula ficou abaixo de 50%. No que diz respeito à megaoperação apurada na Quaest, 67% da população brasileira aprova a intervenção e não acha que a polícia exagerou na força empregada.”

 

George Coutinho — “A pesquisa reflete as consequências e os impactos na opinião pública da megaoperação policial ocorrida no Complexo do Alemão, especialmente no que tange às intenções de voto do eleitor no cenário eleitoral de 2026.

A operação mais letal da polícia na Nova República tanto reacendeu a segurança pública como prioridade do momento na opinião pública brasileira, quanto excitou as direitas hegemonizadas pelo bolsonarismo, já mirando a corrida eleitoral.

Entretanto, é importante ressaltar que, em uma sociedade que enfrenta problemas estruturais de diferentes naturezas, debates diversos se impõem e prioridades são flutuantes. Vivemos em tempos de dinâmicas comunicativas ultrarrápidas, em que pautas são infladas para morrerem de inanição no dia seguinte. Portanto, diversos setores cravarem, pura e simplesmente, que a segurança pública será ‘a grande pauta’ das eleições de 2026 me parece precipitado. Trata-se de ansiedade eleitoral.

Pela direita, há a busca por uma bala de prata que neutralize o leve e persistente favoritismo de Lula e sua presença indiscutivelmente competitiva nas urnas em 2026. Note que os dados, ainda que indiquem diminuição da sua vantagem na conjuntura ou empate técnico com alguns nomes da direita bolsonarista, não evidenciam o petista como um candidato ferido de morte.

Lula segue, em termos comparativos, sendo uma das lideranças mais populares entre seus pares da América Latina. Isso se dá tanto por seu indiscutível carisma quanto pelos resultados econômicos consistentemente superiores aos experimentados pelo eleitor durante o governo Bolsonaro.

Vale mencionar que o próprio Felipe Nunes, CEO do instituto Quaest Pesquisa, em aparição no canal Globo News na quinta (13), levantou a hipótese de Lula obter até mesmo uma vitória ainda no 1º turno. A depender das configurações das candidaturas hegemonizadas pelo bolsonarismo — com exceção de Eduardo Leite, o único nome identificado com uma direita democrática — e do absenteísmo do eleitorado conservador na eleição propriamente dita.

Matanças realizadas por policiais precisariam produzir um efeito mais duradouro, gerando uma sensação de segurança consistente — algo alcançado por Bukele, em El Salvador, com métodos anti-Estado de Direito. A matança em si no Alemão, ou a mera repetição desse modus operandi, não tem o poder de definir as eleições de 2026. A demanda do eleitor comum por vingança estatal tem limite. E, mais cedo ou mais tarde, quando notarem que a sociedade não está mais segura, perceberão que tudo não passava de um truque sangrento.”

 

Hamilton Garcia — “As oscilações eleitorais entre as forças de esquerda e de direita polarizadas ocorrem sob o impacto de pautas conjunturais. Mas é preciso atentar ao fato de que problemas estruturais não resolvidos, como os da segurança pública e da corrupção, que têm destaque hoje nas preocupações populares, tendem a beneficiar a direita em detrimento da esquerda. Pelo modo como esta aborda os temas, negligenciando o aspecto central da crise de um Estado incapaz de proteger o direito fundamental do cidadão à segurança.

Isso posto, o Governo Lula precisa corrigir seu rumo na direção oposta de seu partido, para quem o interesse público se reduz à política de benefícios sociais, e a política de segurança se expressa fundamentalmente na luta contra as desigualdades. Tal perspectiva esteve na base da sustentação eleitoral do PT nos últimos 45 anos. Mas apresenta hoje sinais claros de desgaste em função da estagnação econômica do país e do agravamento das condições de segurança mesmo em cidades do interior, em todos os estados e regiões do país.

Essas duas questões impactam a expectativa de mobilidade social alimentada pela própria política do PT. Isso explica porque as velhas políticas de inclusão, promovidas desde 2003, deixaram de ter a resposta eleitoral de outrora, até por parte de seus beneficiários.”

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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