Deneval Azevedo: “Estão traindo a cultura de Campos”

Um daqueles que bateram mais forte no comando da cultura de Campos, entregue à presidência da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL) desde junho último, na reforma administrativa do governo Rosinha, o professor Deneval Siqueira de Azevedo Filho não aliviou a mão, nem com o esfriamento da discussão desencadeada a partir da suposta censura a “Bonitinha, mas ordinária”, de Nelson Rodrigues, por alegados motivos religiosos da prefeita Rosinha, segundo denunciaram integrantes do grupo teatral carioca “Oito de Paus” (relembre o caso aqui e aqui, que ganhou mídia nacional aqui e aqui), que encenariam a peça hoje no Trianon. Para Deneval, a peça estaria sendo na verdade interpretada por aqueles que hoje dirigem a cultura pública do município, não apenas a presidente da FCJOL, de quem, no entanto, questiona o preparo e a formação para estar à frente do cargo. Ex-gerente de Cultura de Campos, no final do governo Mocaiber, o professor parece não ter dúvida ao afirmar: “A ‘garotização’ da cultura foi péssima para Campos!”

Folha Dois – No meio da reação inicial à denúncia de censura à peça “Bonitinha, mas Ordinária”, por supostos motivos religiosos da prefeita Rosinha, segundo denunciaram integrantes do grupo teatral carioca “Oito de Paus”, que encenariam a peça em 10 de agosto no Trianon, você escreveu um texto (aqui) acusando despreparo de quem comanda a cultura de Campos? A quem se referiu e baseado em quê?

Deneval Azevedo – Referi-me a toda equipe da presidente da FCJOL, que é representada legitimamente por sua presidente, Patricia Cordeiro. A secretaria de Cultura do município foi uma farsa criada pela prefeita Rosinha e seus conselheiros, comandados pelo marido dela. Na verdade, hoje, com todos os seus superintendentes e diretores, a FCJOL carece de técnicos, de pessoas especialistas que pudessem criar um link entre o fazer cultural e as universidades, onde os saberes se constroem. Sempre defendi uma política de interação entre a cultura popular e a erudita, porém depender somente do poder público para fazer teatro, música, cinema, literatura, edição, concursos diversos, é uma furada. Há muito amadorismo na cultura campista. E o amadorismo começa nos modos de produção de cultura da FCJOL. Quando não a terceiriza, como é o caso da Bienal do Livro de Campos, faz mal feito ou não faz. Na verdade, estão ignorando a cultura lato sensu no município. É um problema político. É uma falta de vontade política. Comandada por controle remoto, mas regulada de perto pela prefeita Rosinha.

Folha – Como enxergou a reforma administrativa recente de Rosinha, que transformou a Fundação Trianon e a secretaria de Cultura em meras superintendências, concentrando todo o poder executivo da cultura de Campos na presidência da FCJOL?

Deneval – Não faz muita diferença, pois a equipe é a mesma. Não há cargos de verdade. Há um simulacro, onde as pessoas fazem de conta que têm poder, mas não têm. Há favoritismos da prefeita por questões também políticas. Privilegiar um ou outro não adianta. O grupo faz parte de um cordão de puxa-sacos. É uma dança de cadeiras, também trocada por controle remoto e regulada pela prefeita. Quem é Patricia Cordeiro na tradição cultural campista-goitacá? Ninguém. O que fez ou vem fazendo pela literatura, pela tradição do teatro, pela dança, pela arte em geral? Nada. Tudo é muito transitório para passar despercebido. Isso é um truque. Uma encenação. Como foi a questão da censura à peça do Nelson. Um truque. A censura é política, clientelista, é isso! Procurei pelo currículo de Patricia Cordeiro no Google para checar se ela tem o Lattes. Tem nada!

Folha – Em reunião com os artistas, em 17 de julho, no Trianon, a presidente da FCJOL negou (aqui) as denúncias de censura a Nelson, prometendo uma homenagem ao dramaturgo, no final do ano. Antes, no dia 13, o próprio deputado Anthony Matheus também havia negado a denúncia, garantindo que ele e a prefeita Rosinha são fãs de Nelson, desde quando atores. Não pode ter sido tudo um simples mal entendido?

Deneval – Não há mal entendido quando se trata do deputado e da prefeita e de seus súditos mais íntimos. Sim, porque os cargos de confiança no governo deles exigem uma dose enorme de intimidade, cumplicidade e renúncia. Veja o final lamentável de um homem de teatro de primeira linha como Orávio de Campos Soares; vejam o constrangimento pelo qual passou João Vicente Alvarenga, no episódio da desmarcação da peça, professor, filósofo, escritor e homem de teatro. Não vale a pena, por algumas moedas de prata. Esse pessoal da intrépida trupe da FCJOL está traindo a cultura campista. Mas todos vieram do teatro. Então simulam muito bem. O palco está cheio de atores ensaiados e bem marcados. As rubricas (didascálias), aliás um termo que se presta muito bem para as encenações do governo em todas as suas vertentes, termo da teoria literária, didascálias, “que são a voz direta do dramaturgo, diferenciam-se visualmente do resto do texto por estarem escritas entre parênteses ou por estarem impressas em itálico, ou de qualquer outra forma que marque bem que se trata de um texto à margem das falas das personagens”. Então, toda encenação é possível na ciranda do poder municipal. A presidente da FCJOL é apenas uma didascália, entre os possíveis atores da peça real. E parece fazer isso muito bem. Pelo menos seu trabalho agrada a prefeita. Mas cultura não faz não. Cultura é outra sensibilidade!

Folha – Quem defende a política cultural do governo Rosinha, geralmente costuma fazê-lo com ataques a quem protesta, alegando que estes só o fazem por terem perdido a guarida pública que receberiam no governo Mocaiber. Até onde a reação dos artistas, ou parte dela, poderia ser o caso de “farinha muita, meu pirão também”?

Deneval – O poder sabe quem está do seu lado. E odeia oposição. É outra questão. Está com a gente? Quer uma boquinha em troca de… outra didascália. E assim vão criando espaços de performance política, pois todos vivem num espetáculo muito bem ensaiado. Quanto ao governo Mocaiber, fui convidado a assumir um cargo depois da operação “Telhado de Vidro”, gerente administrativo de Cultura do município. Aceitei. Achei que em oito meses poderia ajudar Campos. Completarei o texto na resposta a seguir. Trabalhei com gente muito respeitadora e fui indicado pela sociedade civil organizada. É diferente.

Folha – Como gerente de Cultura, você fez parte do governo Mocaiber, um dos mais criticados na história política recente de Campos. Especificamente na cultura, arriscaria uma analogia crítica entre a administração passada e a atual? Em que, na sua visão, uma e outra gestões mais erraram e acertaram no setor?

Deneval – Quando comecei a gestão, foi-me solicitado, pelo prefeito Mocaiber, três projetos na área de cultura. Procurei restaurar o que havia se perdido, como o importante prêmio de cultura Alberto Lamego, iniciativa de Diva Abreu Barbosa, quando diretora municipal de Cultura, ainda no governo Zezé Barbosa. Dei posse ao Conselho Municipal de Cultura, com reuniões permanentes e deliberativas. Criei o Polo de Cinema e fiz uma parceria com a UFF para a implantação da Escola de Cinema, que chegou a oferecer dois cursos de extensão: um de produção e outro de roteiro. Tudo ia dando certo. Fiz a V Bienal do Livro de Campos, com a ajuda inestimável de Kapi e Rose David. Mas tive a colaboração de todos os presidentes das Fundações. Cristina Lima, Guilherme Leite e do próprio prefeito Mocaiber. Foi a maior Bienal de Campos: 250.000 pessoas visitaram a feira, havia cursos e oficinas. Infelizmente o atual governo não deu continuidade a nada do que fiz. Recentemente, João Vicente Alvarenga resgatou o Prêmio Alberto Lamego. Fiquei feliz e falei para ele. Mas a “garotização” da cultura foi péssima para Campos. Indubitavelmente. Tudo é muito politicamente amador.

Folha – Acompanhou a última Conferência Municipal de Cultura, inclusive as denúncias de arbitrariedades e manipulação na eleição dos delegados (aqui)? Tem alguma opinião a respeito?

Deneval – Soube, lendo a Folha On Line, das denúncias. Acho muito sério que a toda poderosa Patrícia Cordeiro não tenha aparecido. Pouco caso. E o representante do MinC? Sequestram-no? Ou não foi outra encenação? Sou muito desconfiado com essa gente. Faz teatro todo o tempo. A eleição dos delegados tem que ser anulada. Alguém tem que denunciar. Soube que havia até menor de idade representando a sociedade civil organizada, mas era funcionário. De qualquer forma, não se pode brincar com a sociedade. E a sociedade campista, não lê os jornais, os blogs, não vão fazer nada? Lembrem: “ Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, como versejou Fernando Pessoa.

Folha – E em relação às denúncias, feitas (aqui) pelo poeta Artur Gomes, de favorecimento da banda A Massa, quem tem o marido da presidente da FCJOL como percursionista, nas contratações públicas do município. Está a par do caso? Tem alguma consideração sobre ele?

Deneval – Não. Mas conheço Artur e confio nele plenamente. Outro caso para ser investigado. Será que a banda vai tocar para “A cantora gritante”, no seu disco tão anunciado? Parece que a prefeita está usando o estúdio desse tal marido músico para gravar seu CD.

Folha – Artur também propôs (aqui) encenar a peça “O pagador de promessas”, de Dias Gomes, nos jardins do Trianon, em protesto contra a política cultural do município. Ele também disse que, por sua atuação em “Judas, o resto da cruz”, em 1975, você seria o diretor desse espetáculo. Isso realmente sairá da mente do Artur à prática?

Deneval – Não sei. Hoje não dirijo mais. Dou aula de Teoria do Teatro, em nível teórico de graduação, na Universidade Federal do Espírito Santo, onde sou professor associado, do DLL/CCHN/PPGL, mestrado e doutorado em Letras/Estudos Literários, nomeado via concurso público de provas e títulos em 1989. Dirigir não poderia. Mas faria parte da equipe. Com todo esmero e empenho que o movimento merece.

Folha – Em tempo e espaço, a sua militância no teatro foi próxima à da hoje prefeita Rosinha e a do seu marido e deputado, quando estes pertenciam ao grupo do hoje superintendente (ex-secretário) de Cultura Orávio de Campos Soares. Em você, neles e na cultura do município, que mudanças enxerga de lá para cá?

Deneval – Mais antiga. Já estava indo pro Rio e depois vim para o Espírito Santo. Mas ganhei um festival infantil no qual a prefeita fez Chapeuzinho Vermelho, se não me engano. Não conhecia os Garotinho naquela época. Aliás, muito pouco. Agora, Orávio de Campos Soares tem que ser respeitado pelo trabalho que fazia no teatro do Sesc. Ele é um baluarte. Não questiono isso.

Folha – Gente que milita em Campos na literatura e no teatro, como o Antonio Roberto Kapi e o Adriano Moura, vêm batendo (aqui) na tecla de que mais importante do que a troca de acusações de lado a lado, seria a implementação do Fundo Municipal de Cultura. Concorda? Por que isso não foi feito no governo Mocaiber?

Deneval – Concordo plenamente. Foi feito. Sim, foi feita a minuta do projeto, depois o projeto, numa correria enorme contra o tempo, e ele foi enviado para a Câmara Municipal. Mas aí trocou o governo e até hoje não há fundo. Mas que foi feito foi. Kapi estava lá, pois era membro do Conselho Municipal de Cultura.

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Este post tem 5 comentários

  1. Ricardo

    Penso as vezes, que o único problema da cultura em Campos, é o fato da prefeita ter colocado a Senhora Patrícia Cordeiro na presidência da FCJOL. A “pobre coitada” vive cercada de pessoas que tiveram tantos êxitos em suas funções (fora da prefeitura) que as credenciam a fazer NADA. Caindo sobre os ombros da presidente os ônus do caos da cultura. Penso que mais responsáveis pelos problemas, são exatamente aqueles que se diz saber mais. Se sabe porque não faz? Chego a crer, que a FCJOL, antes de Patrícia Cordeiro, ainda neste governo, não tinha problema!?!? Essas pessoas viviam criticando as gestões passadas, parecia que tinham soluções para o que eles apontavam como errado. Não tem!!! Quero só lembra-los que:” Tem hora que somos vitrine, tem hora que somos pedra”. Difícil é saber em que momento nos sentimos mais incomodado.

  2. Ricardo

    Estamos confuso com tantos fatos envolvendo o setor cultural, lendo a matéria do professor Deneval, observo que fala de “simulacro de poder…Cordão dos puxa-sacos” e questiona, ” quem é Patrícia Cordeiro na tradição cultural de Campos”? Você acha que devia voltar o presidente que antecedeu Patrícia? Ou colocar na presidência da FCJOL o ex-secretário de cultura? Teria uma outra sugestão? Lembro que esse pessoal da cultura não poupava criticas a presidente da Fundação Trianon (governo Arnaldo),presidente da FCJOL(governo Mocaiber). Estamos caminhando para o 5º ano do governo Rosinha, e esse pessoal de TRADIÇÃO cultural, ainda não mostrou porque veio. Será incompetência ou parte de um grande teatro, como você mesmo diz? Estou me sentindo em um teatro de ARENA…

  3. Aluysio

    Caro Ricardo,

    Fiz a entrevista e não vi nela, nem por parte de quem perguntou, nem de quem respondeu, nenhuma das sugestões que são suas. De qualquer maneira, concordo com vc no sentido de concluir que quem hoje controla a cultura pública de Campos, por mais inepta que seja ao cargo, só chegou lá pela incompetência e inação de quem a antecedeu.

    Abç e grato pela participação!

    Aluysio

  4. santos

    Deneval. esse sim entende de cultura.

  5. geraldo raphael

    Durante poucos meses, trabalhei com o Professor Deneval Azevedo no Trianon. Eu era Diretor Tesoureiro e nos poucos contatos que mantive com ele, percebi que se tratava verdadeiramente de uma pessoa especial, altamente qualificada para o cargo. Eu, na medida do possível, coloquei a ele as minhas limitações financeiras e ele elegantemente entendeu. E em todas vezes que mantivemos contatos, ele sempre foi muito educado e carinhoso comigo. Falo isso, pois meses após o meu pedido de exoneração da Prefeitura, vim saber através de amigos com verdadeiro”peso cultural” de nosso Município, de que se tratava (o Prof. Deneval) da maior autoridade cultural de Campos. Desejo muita saúde pra ele e felicidades.

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