Os únicos números que ganham um jogo de futebol são aqueles marcados no placar final. No caso de jogo eliminatório, como o que Brasil e Colômbia disputa hoje por uma vaga a semifinal da Copa do Mundo, eles podem ser definidos após os 90 minutos, ou mais 30 de prorrogação ou ainda disputa de pênaltis. Mas antes da bola começar rolar, a partir das 17h, na arena Castelão, em Fortaleza, todos os números indicam um confronto clássico entre uma seleção que atravessa um momento melhor, contra outra de mais tradição e vantagem esmagadora nos confrontos diretos.
Entre os oito times que chegaram às quartas de final deste Mundial, a Colômbia tem o maior número de vitórias (4, junto com a Holanda), o segundo melhor ataque (11 gols, atrás da mesma Holanda, com 12), o melhor saldo de gols (9), a defesa menos vazada (apenas 2 gols sofridos, junto com França, Bélgica e Costa Rica), o artilheiro isolado (James Rodríguez, com 5 gols) e o melhor passador (Juan Cuadrado, com 4 assistências a gol) da competição. Por sua vez, com uma campanha irregular e gerando dúvidas sobre sua própria estabilidade emocional, a Seleção Brasileira ostenta na sua história diante dos colombianos um cartel de 14 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas. Destas, nenhuma dentro de casa. E nesse total de 21 jogos, nunca por Copa do Mundo.
Sem o primeiro volante Luiz Gustavo, suspenso pelo segundo cartão amarelo, é quase certo que o treinador Luiz Felipe Scolari vá promover a volta de Paulinho ao time titular, como segundo volante. Fernandinho, que havia roubado na Seleção a vaga do jogador do Tottenham, será recuado para primeiro volante, posição em que atua no Manchester City. Embora, no treino coletivo de quarta-feira, Felipão tenha também a opção de jogar sem centroavante, dada a péssima fase do titular Fred e a incapacidade do reserva Jô de fazer-lhe sombra, isso só deve ser usado como opção no correr do jogo, caso o atacante do Fluminense seja novamente figura nula em campo.
Nesse esquema tático alternativo, que o técnico brasileiro só deixou para treinar às vésperas da quarta de final da Copa, o reserva Henrique seria adaptado à função executada por Edmilson em 2002, num misto de primeiro volante e terceiro zagueiro, quando o Brasil foi pentacampeão com o mesmo Felipão. Todavia, diferente de 12 anos atrás, quando tinha Ronaldo Fenômeno como centroavante, além de Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho também em grande fase, a possível novidade tática só seria adotada para que a Seleção de hoje jogasse sem homem fixo de área. Neymar, craque solitário do presente, atuaria como falso 9.
Outras duas possibilidades testadas no coletivo da Granja Comary foram a entrada do volante Ramires e do lateral Maicon. O primeiro, seria uma opção mais defensiva pela direita, para o lugar do atacante do atacante Hulk, alteração já testada sem grande êxito no empate sem gols contra o México. Já a substituição de Daniel Alves por Maicon é uma mudança que já havia sido cogitada para o jogo com o Chile, por conta do baixo rendimento do titular da lateral direita, mas até agora não se consumou.
Bom, e a Colômbia? Apontado como um dos craques da Copa, o artilheiro James Rodríguez costuma habitar a faixa de campo entre as linhas de defesa e meio campo, justamente onde o Brasil tem apresentado problemas crônicos na saída de bola, como no gol de empate do Chile. Foi nesse espaço que o camisa 10 da Colômbia recebeu o passe pelo alto e de costas para o gol, nas quartas de final contra o Uruguai, matou no peito, girou o corpo e, sem deixar a bola cair, emendou de canhota o chute certeiro.
Um dos mais belos gols da Copa, o que a maioria talvez não tenha notado é que, antes de chegar a Rodríguez, o time da Colômbia já tinha contabilizado 15 trocas de passe, numa posse de bola de 50 segundos. Esse trabalho coletivo revela a mão do treinador argentino José Pékerman, que chega pela segunda vez às quartas de final de uma Copa do Mundo. Em 2006, no comando da seleção de seu país, ele empatou no tempo normal e na prorrogação contra a Alemanha, antes de perder na disputa de pênaltis.
Para tentar melhor sorte no jogo de hoje, outra das armas de Pékerman é o habilidoso Juan Cuadrado, que nesta Copa já empatou em número de passes a gol com legendas como Tostão (1970), Zico (1982) e Riquelme (2006, naquele time de Pékerman). Meia que joga como ala pelos lados do campo, preferencialmente pela direita, deve dar grande trabalho aos laterais Daniel Alves e sobretudo Marcelo, que não são conhecidos por suas virtudes defensivas e precisarão da cobertura dos volantes e zagueiros.
Diante do Brasil, a Colômbia deverá ceder a posse de bola, mas diferente da sua brilhante geração de 1994, de Freddy Rincón, Carlos Valderrama e Faustino Asprilla, hoje não faz questão de mantê-la, explorando os contra-ataques com rapidez e objetividade, concluindo até pouco a gol, mas com excelente pontaria até aqui. O Brasil, cujo meio de campo parece incapaz de fazer a bola chegar ao ataque, abastecido apenas na ligação direta dos chutões desde a defesa, tem na retomada de bola no seu setor ofensivo a melhor maneira de tentar surpreender os colombianos, cuja defesa, embora pouco vazada, não inspira assim tanta confiança.
Apesar da boa campanha, inclusive diante de um Uruguai combalido pela suspensão do atacante Luisito Suárez, a Colômbia não teve ainda um teste de peso. Se não tremer hoje, continuar jogando bem e bater pela primeira vez o Brasil, dentro do Brasil, dará um passo fundamental à construção de uma tradição no futebol mundial. Não só para manter a sua, como para evitar o que todo o mundo considerará um vexame dentro da sua própria casa, ao Brasil não resta alternativa se não vencer os colombianos hoje — o que não consegue fazer desde 7 de setembro de 2003, há mais de 10 anos.
Depois, que venha Alemanha ou França!
Publicado hoje, na edição impressa da Folha.