Encerrado o primeiro tempo do Brasil e Colômbia da sexta, com 15 minutos para tentar resumir em palavras os 45 minutos anteriores de futebol, na missão de alimentar o blog e a Folha Online, nesse jogo tenso e sem prorrogação da comunicação em tempo real, concluí aquela postagem (aqui), em premonição então despercebida: “O fato do Brasil estar jogando bem, sem que Neymar tenha conseguido brilhar até agora, alimenta esperanças”.
Concluída a etapa final e o jogo, com a vitória brasileira de 2 a 1, passei a escrever preocupado com o segundo cartão de Thiago Silva e com o estado de Neymar, que havia saído de campo de maca e chorando, após uma dividida mais dura, mas cuja gravidade do caso ainda não era conhecida.
Até então, o que conduzia meu texto era o encantamento com aquele improvável gafanhoto verde no ombro de James Rodríguez, no momento em que converteu o pênalti, bem como o choro do jovem craque colombiano ao final do jogo, quando foi amparado pelo zagueiro brasileiro David Luiz, épico agigantado em lirismo ao erguer a mão e pedir os aplausos do público ao adversário que se despedia aos 22 anos de uma Copa, mesmo jogando bem em seus cinco jogos e marcando gols em todos eles.
Enquanto escrevia pressionado pelo tempo, ainda encontrei algum para descobrir que, no Ceará, aquele gafanhoto verde é chamado de “esperança”. E esperança foi que o descrevi pousada sobre o ombro de 200 milhões de brasileiros, quanto à condição de Neymar, pouco depois revelada numa fratura na terceira vértebra lombar que tiraria da Copa outro gênio da bola de 22 anos.
Sobre o lance da contusão, entro logo de sola, mas de frente, no que me parece ser o novo “complexo de vira latas” já assumido pela maioria da torcida brasileira: não vi no lateral direito colombiano Juan Zúñiga a intenção de quebrar Neymar. Aliás, nem eu, nem o próprio Felipão, conforme o treinador declarou ao mundo na entrevista coletiva após o jogo.
Lógico que entrar com o joelho erguido, sobretudo com o adversário de costas, trata-se de uma temeridade, mesmo para tentar retomar uma bola rebatida na área adversária, quando seu time busca no empate um sonho inédito na história do futebol do seu país. Mas, sinceramente, pelo que acompanho deste mesmo futebol há 34 anos, se Zúñiga pode ser acusado de algo, é de grosseria, não de má intenção.
Deixemos de hipocrisia nesse patético patriotismo cometa que só nos acomete de quatro em quatro anos. Afinal, quantas janelas de carros, casas e apartamentos manterão suas bandeirinhas e bandeirões verdes e amarelos, tão logo acabe a Copa? A verdade é que sumirão tão rapidamente quanto o vermelho que agora cora a sua cara, patriótico leitor.
Consequências traumáticas à parte, a verdade é que o Brasil bateu tanto, se não mais, quanto apanhou da Colômbia. Se o time de Felipão dominou o jogo no primeiro tempo, foi também porque Rodríguez foi caçado em campo nesta etapa. O volante Fernandinho jogou muito bem, mas fez no mínimo três entradas merecedoras de cartão sobre o craque colombiano, que foi ainda alvo de rodízio de botinadas pelos demais jogadores do time de Felipão, confesso adepto do uso da falta como recurso de jogo, naquilo que mestre Telê Santana considerava uma abominação do futebol.
Aos que cobram o juiz espanhol Carlos Velasco por nada ter marcado na entrada de Zúñiga sobre Neymar, que revejam o VT do jogo e digam com sinceridade quantos cartões merecidos foram igualmente sonegados a jogadores brasileiros. A verdade, antecipada por jornalistas que cobrem de perto a Copa, como o Paulo Calçade, da ESPN Brasil, revelou logo ao início da transmissão do jogo, é que o árbitro apitou previamente orientado pela Fifa para economizar nos cartões.
O objetivo doloso era evitar a suspensão nas semifinais de jogadores importantes pendurados com um cartão amarelo, o que não deu para fazer no inevitável e tolo cartão dado a Thiago Silva, por atrapalhar a saída de bola do goleiro Ospina, e como poderia ser o caso do próprio Neymar. Assim, por irônico que possa parecer, Neymar pode ter saído da Copa como consequência de uma vista grossa da arbitragem pensada e executada para garantir a sua presença nas semifinais.
Agora, contra a forte Alemanha, na semifinal da próxima terça, dia 8, no Mineirão, a Seleção Brasileira terá duas alternativas: ou assumir nosso velho “complexo de vira lata” e abraçar a atenuante à derrota antes de mesmo tentar vencer, ou se apegar à realidade descrita num texto então quente do forno para resumir o exemplo a ser seguido naquele primeiro tempo contra a Colômbia: “O fato do Brasil estar jogando bem, sem que Neymar tenha conseguido brilhar até agora, alimenta esperanças”.
Como lembrado por um campista e legenda do futebol mundial, na página 12 desta edição, que saiu do banco para substituir ninguém menos que Pelé e assumir papel fundamental na conquista da Copa de 1962, em entrevista cavada com brilhantismo (aqui) pelo jornalista da Folha Arnaldo Neto: “Ninguém é insubstituível!”
Muito embora, na analogia fácil entre passado e presente, mais importante do que saber quem poderá ser o “Amarildo” vindo do banco, é descobrir um “Garrincha” entre os titulares para assumir o protagonismo de “Pelé/Neymar”.
Insistir na autopieade já propagada do “Joelhaço”, nesse culto ao tadinho que atravanca este país há meio milênio, não passa de masturbação — igual a esta por infértil, embora distinta por desprazerosa. E tanto pior quando essa covardia é reforçada por todo tipo de ofensas, inclusive racistas, que Zúñiga e sua família têm sofrido pelos canalhas reais de coragem (apenas) virtual, habitando como ácaros nas redes sociais.
Se mesmo depois de cinco Copas conquistadas, ainda nos assombra o fantasma do “Maracanazzo” de 1950, que Nelson Rodrigues tentou exorcizar justamente ao fundamentar o seu (nosso) “complexo de vira latas”, talvez a única maneira de fazê-lo seja justamente agora. E para sempre!
Diante da Alemanha em Belo Horizonte, sem Neymar e Thiago Silva, qualquer “Mineiraço” virou prerrogativa exclusiva da vitória dos donos da casa. Se o Brasil perder, que saiba fazê-lo com a mesma dignidade do jovem James Rodríguez na sexta, ou de todo time da Costa Rica, que ontem cobrou suor de sangue à poderosa Holanda.
Agora, se passarmos pelos alemães, o que é improvável, mas não impossível, quem tremerá numa final épica no Maracanã, estejam argentinos ou holandeses do outro lado, não seremos nós. Neste caso, que ninguém duvide, até Obdulio Varela voltará dos mortos para entrar em campo de camisa amarela.
Publicado hoje, na edição impressa da Folha.
Brilhante e coerente texto! Ontem ouvi numa padaria:
“___O Brasil tem muita sorte! Agora, se perder a Copa, já tem uma desculpa, o Neymar!”
Lendo agora o seu texto, de certa forma, complementa o comentário feito pelo desconhecido! Se considerarmos o aspecto emocional do time brasileiro, de quando jogou com o Chile, agora sem o “mocinho” no campo, mais lúcido ainda se torna este texto! Vamos ver o que vai ser!