Ocinei Trindade — Eu também quero ser prefeito, rei, presidente e rico

Ocinei 13-09-16

 

 

Dizem que foi golpe, sim. Quando a monarquia acabou no Brasil, em 1889, com um golpe republicano do Marechal Deodoro da Fonseca e seus pares, não sei se alguém foi para as ruas do país dizer com faixas: “Fora, Pedro II”.  A História do Brasil-República é uma sucessão de golpes e traições, mandatos inconclusos, mortes suspeitas de presidentes, desde o primeiro presidente que renunciou, passando por Julio Prestes, Vargas, Juscelino, Jango, Tancredo, Collor, Lula que se deram mal de algum modo… Pensei que Dilma morreria envenenada no seu primeiro ano de mandato pelo vice do PMDB, maior partido fisiologista do país. Levou seis anos para o veneno fazer efeito, e ainda contou com ajuda do próprio PT para retirá-la de cena (há quem discorde, lógico). Saiu viva, mas envenenada para sempre. Highlander e Lula só pode existir um. Garotinho idem.

Um dia, quiseram que eu me candidatasse à Prefeitura de Campos. Dei uma gargalhada. Depois sugeriram que concorresse a vereador. Ri menos. Depois, tentei me filiar a um partido novo, com propostas inovadoras, participativas, coletivas, ambientais e democráticas. Não fui aceito nem como membro. Confesso que até cogitei imaginar como seria meu mandato de prefeito. Eu seria, talvez como Prestes, levaria, mas não assumiria. Ou, como Jânio, renunciaria pouco tempo depois, já que com as forças ocultas do poder não se pode brincar. Todavia, eles foram presidentes e eu seria prefeito virtual. Só que todo governante local se espelha em um líder nacional. A gente anda bem mal de referência. Quero acreditar na renovação política do Brasil, mas tá osso, viu. Ser vereador é uma missão linda e árdua, pena que não elegemos os melhores. Fui impichado antes da Dilma, sem direito a nada, muito menos a sonho de padaria no tal partido.

As promessas de campanha estão mais abundantes com as redes sociais digitais acessadas. A televisão e o rádio já não são a única opção para caciques e nanicos da política serem vistos e ouvidos. Toda vez que vejo alguém querendo se reeleger ou fazer um sucessor de governo, me pergunto se é tão difícil ser governante ou parlamentar quando se aplica bem o dinheiro público, cuida das escolas, hospitais, segurança pública, valoriza o funcionalismo e alivia a carga tributária. Não entendo o por quê dessas coisas não funcionarem como deveriam. Para onde vai tanto dinheiro? A indústria da propina ou do tráfico de influência chegarão ao fim algum dia? Até onde permitimos?

Todos os dias sou abordado de alguma forma para saber em quem vou votar para prefeito de Campos. Já disse que queria a Angela Merkel, mas não tem como. Sendo assim, já eliminei quase todos de cara devido ao histórico e às ligações perigosas que discordo veementemente. Constato que o nosso legislativo, judiciário e setores privados ajudam a manter um bando de gente ruim disputando eleição. Outro dia, li numa rede social de uma amiga virtual petista e esquerdista convicta sobre o cenário político local e nacional: “É muito filho da puta pra pouca puta que pariu”. Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, disse que “só as mães são felizes”. Não sei se mãe de político pensa o mesmo. Achei a frase-protesto postada genial e humorada (Não sejamos pudicos e moralistas com o termo “puta”. Em Portugal, ser puto não é demérito na infância. Sou puto à portuguesa, garanto). Só que a frase da co-autora resume um certo senso ou consenso popular.

Estão querendo me convencer a votar em um candidato de oposição a Rosinha. Ainda não decidi, pois sou contra o voto de protesto, acho o voto em branco um posicionamento claro de eleitor, além de ser contra a obrigatoriedade do voto. Entretanto, acho que o poder e os governos precisam alternar, sim, e Campos costuma ter prefeitos biônicos e sem autonomia. Poder vicia, corrompe e encegueira, além de iludir. Outro dia, perguntei a um ex-deputado estadual se ele não cansa de jogar xadrez na política todos os dias do ano e vinte e quatro horas por dia. Ele disse que é assim mesmo, quem não joga, não sobrevive. Em entrevista recente a Mario Sérgio Conti, no programa Diálogos,  o ex-ministro de Lula e Dilma, o filósofo Mangabeira Unger, disse que o Brasil tem jeito se houver um projeto coletivo, que os partidos se perderam (PT e PSDB), que o PMDB de Temer nada vai mudar e que o moralismo não combate corrupção. Acho Mangabeira genial, mas deu aquele frio na espinha e perguntei a mim: a saída do Brasil voltou a ser o aeroporto?  Brasil, ame-o o deixe-o? Será que no Brasil a luta de classes como apontou Karl Marx consagrou a luta de elites?

Certa vez, depois de entrevistar o então deputado federal Arnado Vianna, perguntei se ele conhecia o filme A grande ilusão, de Steven Zaillian, estrelado por Sean Penn, história inspirada no livro aclamado AlltheKing´smen (Todos os homens do rei), de Robert Penn Warren. A pergunta foi uma curiosidade em off, pois à época, Campos vivia uma batalha cinematográfica entre o grupo de Arnaldo e de Garotinho para saber quem ocuparia o trono, quer dizer, a cadeira de prefeito. Ele disse que desconhecia. Eu, que nem aceito fui para me filiar a um partido político, disse então que todo político e eleitor precisavam assistir a este filme americano ou ler o livro para refletir um pouco mais sobre demagogia e o discurso demagógico. Acho que ele não gostou do meu comentário, mas os questionamentos que faço não são para afrontar autoridade ou magoar ninguém, e sim, para colocar em prática a inteligência que cada um de nós possui, inclusive para dominar o xadrez da sobrevivência nesta cidade linda e triste. Se penso, logo existo, creio ainda que, se voto, logo resisto. Ou não.

No último domingo, no Mercado Municipal de Campos, peguntei quantos candidatos a prefeito foram lá pedir votos. Me disseram que apenas um. Tive curiosidade de saber em quem votariam os feirantes. Uma vendedora do camelódromo disse que não sabia em quem votaria, e que nem conhecia todos os candidatos. Mas como ela era uma “cidadona”, era obrigada a votar, e só sabia que votaria em um colega camelô candidato a vereador porque era próximo dela e que a ajudará se eleito for. Eu e minha amiga constatamos: por ela ser uma “cidadona”, isto a obrigava votar. Talvez, se fosse uma cidadã, poderia ser diferente. Estamos cheios de “cidadões e cidadonas” neste município e neste país. Faltam-nos educação, saúde, segurança, transporte, dignidade e justiça (lema de campanha de todos os candidatos a qualquer cargo público e que não cumprem) para exercermos, de fato e direito, a nossa cidadania plena. Por falar em Mercado Municipal, uma obra inacabada ali prevê o estrangulamento maior do prédio histórico. Campos tem tradição em demolir ou desvalorizar seu patrimônio arquitetônico (parece que ninguém aprendeu a lição do antigo Trianon), o que é uma lástima. Vou decidir meu voto após os debates públicos entre os candidatos na Uenf e na televisão. Queria saber o que vão fazer com essas obras sem conclusão.

Realizei um sonho de consumo esta semana. Paguei caro por um CD importado da trilha sonora do filme O agente da Uncle, dirigido por Guy Ritchieem 2015. Quando assisti ao filme, fiquei impactado e perturbado com as composições do inglês Daniel Pemberton. Levei um ano para concretizar a compra, pois no Brasil não se vende a soundtrack. O filme é de suspense e espionagem durante a Guerra Fria, anos 1960, e tem até Tom Zé na lista (o álbum é uma obra-prima, luxuoso). Neste momento de tensão que o Brasil atravessa, além do futuro de Campos cheio de riscos e incertezas, dirijo pelas ruas da cidade como se estivesse dentro da ação do filme, com volume nas alturas, e com a dúvida se posso ser um rei déspota, um grande farsante ou agente com chances de eliminação a qualquer momento nesta sociedade perigosa que estamos convivendo. Piada ou loucura? Melhor se fossem. Se bem que, assistir à propaganda política na televisão às vezes é mais engraçado que Zorra e A Praça é Nossa. 

No poema “Povo-nulo”, de Gabriel O Pensador,  em seu livro  Diário Noturno, o último verso diz: Todo mundo se ilude, mas não toma uma atitude, todo mundo ainda sonha, mas ninguém toma vergonha”Ter alguma história para contar e amigos por perto podem me fazer um homem rico e de palavra.  Eu me aproprio das palavras para dar sentido às coisas que não fazem sentido e vice-versa. Que sentido há hoje em Campos, no Rio de Janeiro e no Brasil? É como Clarice Lispector em A paixão segundo GH por meio de sua personagem afirma: “Meus primeiros contatos com as verdades sempre me difamaram”Vou dirigir o carro até onde der com minha estimada trilha de cinema em alto e bom som. Só não posso atropelar candidato, nem eleitor.

 

ps: a foto é ilustrativa, eu não dirijo sem cinto de segurança.

 

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