Sugestão para escutar após a leitura: Motivo – Fagner
Na estante meu instante estava guardado, apoiado em um lado pela sina outro lado pelo lápis em meio ao conglomerado de livros que preenchiam todo o espaço. Na lombada desse instante estava meu nome distante e os títulos das obras compostas pelo corpo tremulante desde o dia que tal como uma planta começara a crescer nessa terra e vir a florescer na planície goitacá.
Naquele armário chamado vida, os instantes se enfileiravam um após o outro em estantes infinitas, menor unidade narrativa que nem mesmo essas palavras conseguem segurar, a cada piscar de olhos, um instante se enfileirava na estante. Assim a vida se compõe ou passa vazia como um livro em branco ou uma narrativa sem tesão, talvez pela capa bem trabalhada tende a enganar o leitor, que decepcionado largará antes da introdução. No limiar do silêncio das letras, grita perene e sereno o instante unindo palavras eternas a abrir sorrisos ou derramar lágrimas solstícias, nenhuma folha em branco valeria ser preenchida sem amor. A cada olhar para as estantes percebo que os instantes passam, impossíveis de voltar, atrás, nem mesmo o pensar, o tempo é passagem, somos passageiros enquanto não chega o ponto de saltar, a vida cobra o ticket do quanto valeu a viagem.
Pensei certa vez, se pudesse congelar o momento, mas entre o instante e a eternidade talvez o que valha seja a fluidez, tão ditas entre poesias e prosas, seriam perdidas se inertes. Como a desvanecer o timbre do canto num momento de existência como no poema Motivo de Cecília Meireles:
“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.”
Como o rio de Heráclito onde não se pode banhar duas vezes, viver é um mar momentâneo no olhar a silenciar quando o sol se pôr sob as águas, vive bem quem observa o instante eterno preso na estante da vida livre do medo ou concordância de La Rochefoucauld“Não se pode olhar de frente nem o sol nem a morte” dito ainda no século XVII, com receios de um ofuscar a vista e o outro a vida.